As regras para funcionamento das plataformas de investimento coletivo – também conhecidas como crowdfunding – vão mudar, de novo, em 2024. O objetivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é ‘promover aprimoramentos’ para atender à crescente demanda pela oferta de tokenização de recebíveis. A atualização é uma das prioridades do regulador para este ano.
“O crescimento recente no número pedidos de registro de tokenizadoras via crowdfunding na CVM demonstra maior interesse por esse nicho de mercado. Isso vem ocorrendo depois das publicações dos Ofícios Circulares SSE nº 4 e 6”, disse a CVM, em nota, ao portal Finsiders Brasil. Esses ofícios reconheceram os tokens de recebíveis como valores mobiliários e abriram a possibilidade de realização de operações de securitização por meio das plataformas de crowdfunding.
“A possibilidade atraiu as tokenizadoras para operarem no modelo. Assim, o crowdfunding se transformou em um veículo de crédito para pequenas e médias empresas. O objetivo agora é promover aprimoramentos para atualizar a regra para as práticas atuais do segmento”, informa a CVM. Mas, a ideia é realizar consulta pública junto ao mercado e à sociedade antes de publicar uma nova resolução.
Plataformas e ofertas
Segundo o escritório de advocacia Mattos Filho, os ofícios circulares são documentos que consolidam e informam os entendimentos da autarquia acerca de determinado assunto, mas não têm força normativa. Isso permite que plataformas de crowdfunding ofereçam tokens como investimento sem estarem registradas na CVM. Por isso, a necessidade de alterar a lei. Atualmente, as plataformas de investimento coletivo seguem a Resolução 88 da CVM, de abril de 2022. Assim, substituiu a Resolução 588, de julho de 2017.
O ano passado terminou com 75 plataformas registradas na CVM e em funcionamento regular no Brasil. Até dezembro, 73 ofertas, no valor de R$ 184 milhões, haviam sido encerradas; e 57 estavam em andamento, no valor de R$ 133,8 milhões. O boletim com o levantamento oficial e completo do mercado em 2023 sai apenas no meio do ano.
Cases…
A CVM vem testando a tokenização de ativos distribuídos por plataformas de crowdfunding desde o começo do ano passado.
A startup Estar, controlada pela SMU, lançou em março sua primeira listagem de tokens de participação societária em empresas via crowdfunding. O lançamento foi dentro desse ambiente experimental da CVM, conhecido como “sandbox regulatório“.
“Desde que a CVM regulamentou a securitização via plataforma de crowdfunding, estamos investindo para posicionar o PeerBR como uma grande corretora de crédito privado (tokenizado)”, afirma Gustavo Blasco, CEO e fundador do Grupo GCB, holding da PeerBr.
Segundo ele, “2023 foi um ano de muita discussão sadia do mercado com o regulador, para que pudéssemos chegar a um meio termo entre os desejos da iniciativa privada e os do Estado. Agora, 2024 será um ano de enorme expansão dessa modalidade, o que vai alavancar o rápido fluxo de dinheiro de milhões investidores a milhares de empresas que nunca tiveram a oportunidade de se financiar via mercado de capitais”. A plataforma de crowdfunding do grupo nasceu em outubro “e em breve chegaremos aos R$ 100 milhões de certificados de recebíveis emitidos”, prevê Blasco.
Porém, além da PeerBR, que traz até o termo “tokenização” na sua razão social, outras plataformas de crowdfunding vem fazendo incursões nesse mercado.
…e mais cases
Em setembro, a rede de motéis catarinense Drops captou R$ 1,86 milhão com tokens de renda fixa, em operação formatada pela Bloxs. A Bloxs é uma plataforma de crowdfunding especializada em dívida, e os tokens estão no mercado secundário da Estar, novo nome da SMU.
Antes, em julho, a SMU já havia lançado seu segundo token de renda fixa, com promessa de rendimento de 51,7% em 36 meses – prazo total do investimento. Nesse período, o investidor receberá um juro prefixado de 1,9% ao mês sobre o “saldo devedor”. A emissão do token é lastreada em ativos da More.Co, startup de planos de assinatura de construções modulares para imóveis comerciais.
O MB Startups, plataforma de crowdfunding da exchange de criptomoedas brasileira Mercado Bitcoin (MB), lançou em janeiro um token de renda variável que representa parte de um contrato de investimento coletivo vinculado aos direitos econômicos da carreira do piloto Emmo Fittipaldi, filho mais novo do bicampeão de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi.
Tendência
A AmFi, outra plataforma que conecta originadores e investidores por meio da tecnologia blockchain, anunciou no começo do ano o lançamento de sua primeira oferta pública de tokens de recebíveis, para atuar com todos os perfis de investidores no país com este tipo de operação. A estreia foi realizada em parceria com a Stockash, fintech especializada em fomentar liquidez às ações de empresas de tecnologia, os stock options. A Amfi recebeu autorização para a negociação em setembro de 2023.
Porém, outras plataformas como Bee4, Kria, Inco e EqSeed estão atentas ao movimento, uma tendência global que, apostam, veio para ficar.
O crescimento do interesse pela tokenização de ativos é consequência direta da criação do Drex, a versão digital do Real. No final do ano passado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, citou a tokenização como uma das quatro principais tendências do trilho de crescimento do mercado financeiro nos próximos cinco anos. As outras são pagamentos instantâneos (Pix); plataforma de compartilhamento de dados financeiros (Open Finance); e internacionalização da moeda.
Tokens de recebíveis?
A CVM optou por publicar os Ofícios Circulares 4 e 6 no ano passado após detectar emissões e ofertas públicas de tokens de recebíveis com características de valores mobiliários, sem que houvesse o atendimento às normas aplicáveis ao mercado de capitais.
Bruno Gomes, superintendente de Supervisão de Securitização da CVM, explica que, observados alguns requisitos, tais tokens podem se enquadrar como valores mobiliários, seja pelo atendimento ao conceito de Contrato de Investimento Coletivo (CIC), da Lei 6.385, ou de operação de securitização, da Lei 14.430. “Se os tokens se caracterizam como valores mobiliários, as normas sobre registro de emissores e de ofertas públicas devem ser respeitadas”, diz o superintendente.
“Nesses casos, entendemos que há uma operação de securitização, que, se ofertada publicamente, é equiparada, por exemplo, ao Certificado de Recebível, conforme previsto no Marco Legal da Securitização”, explica Bruno.