No universo do venture capital, o nome Laura Constantini é uma marca por si só. A investidora faz parte dos conselhos da LAVCA, a associação que reúne as entidades de private equity na América Latina, e da Endeavor Brasil, que a reconheceu como Mentora do Ano em 2023. No fim do ano passado, Laura surpreendeu a todos com a notícia da sua saída da Astella, gestora que fundou em 2008 com o sócio Edson Rigonatti, mas diz não ter pressa para definir seus próximos passos.
“Estou num momento muito legal, aproveitando o network que eu construí ao longo desse tempo, e a curiosidade das pessoas de saber o que eu vou fazer”, afirma. Em entrevista exclusiva ao Startups, a investidora conta sobre a nova tese de investimentos que pretende seguir e fala sobre os desafios enfrentados pelas mulheres para empreender nesse ecossistema. Para ela, as investidoras têm o papel de ter uma “escuta diferenciada” para as fundadoras.
Sua saída da Astella pegou muita gente de surpresa. O que motivou essa decisão?
Foi um processo de descoberta de que havia visões de mundo e de futuro diferentes em relação ao ecossistema, à inovação, e à tecnologia. E, portanto, uma visão estratégica diferente do que a Astella deveria fazer. Olhando para tudo isso e para o momento em que estávamos, entendi que o mercado, o ecossistema, precisam de alguns cuidados em relação à jornada do empreendedor e do investidor, que outros gestores de venture capital não estavam olhando, e eu achava que a gente devia olhar. E no momento em que eu entendi que os meus sócios também não estavam entendendo que aquilo era importante, eu comecei a construir esse caminho fora da gestora.
Você vai manter algum tipo de trabalho junto à Astella?
Eu continuo responsável por tudo que eu construí na Astella, que se reflete no portfólio que eu investi, que são sete empresas, que estão no portfólio do Journey IV. O relacionamento com elas continua sob a minha responsabilidade. A Astella vai continuar seguindo a estratégia deles, que eu imagino que é early stage. E eu estou construído esse novo posicionamento e produto olhando para tudo que aconteceu nesses 15, 16 anos de Astella. A beleza de tudo isso é que o Journey IV está acabando o período de investimento e o trabalho que eu vou fazer com essas empresas no futuro tem tudo a ver com os meus próximos passos.
A ideia é abrir sua própria gestora?
Ainda estou pensando. Estou num momento muito legal, aproveitando o network que eu construí ao longo desse tempo, e a curiosidade das pessoas de saber o que eu vou fazer. Tem muitos convites, o que é muito legal. Eu quero fazer coisas com todo mundo. Mas isso também me faz pensar em qual é o meu lugar nesse ecossistema em que eu quero estar. Eu também estou usando esse olhar para ecossistema e tudo isso que eu construí para elaborar esse posicionamento da melhor forma possível.
E qual é esse lugar onde você quer estar?
Minha proposta tem a ver com esse olhar para um ecossistema que está em transição. Várias startups estão amadurecendo e migrando para estágios mais maduros de desenvolvimento, que têm desafios e necessidades diferentes. Até então, esse ecossistema cresceu com gestoras olhando o early stage. Tem gestoras que olham o late stage? Tem, mas são muito menores. Muitas delas são globais, e olham para o Brasil de forma oportunista. Quando a gente olha para o ecossistema como um todo vai entendendo que o seu amadurecimento trouxe desafios de funding, de tese, de visão, de modo de atuar. É aí que a gente está. Mas em cima disso, estamos vivendo uma mudança de plataforma, de tecnologia, em que a AI está vindo, e ou vai substituir, ou vai alavancar as soluções existentes. É a primeira vez que a gente vive isso no Brasil com o ecossistema grande o suficiente para a gente conseguir entender que muita coisa vai mudar dentro do que já foi construído. Quem sobreviver é quem olhar para isso de forma diferenciada.
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, como você avalia a representatividade feminina nesse ecossistema? Dados da LAVCA mostram que as mulheres recebem menos de um quarto dos investimentos de VC. Por que isso acontece?
A sociedade evolui de forma incremental, e tem estudos que mostram que demoram aproximadamente sete gerações para eliminar uma distorção social no momento em que a sociedade reconhece que aquilo é um problema. Eu acho que tem gente que ainda não reconheceu, então começa por aí. Será que existe esse reconhecimento? Digamos que exista, o que está sendo feito para endereçar essas distorções? Eu acho que a humanidade só vai resolver isso na hora em que ela entender que, independentemente do tipo de diversidade, as pessoas funcionam de jeitos diferentes, pensam de formas diferentes. E hoje em dia existe uma dificuldade muito grande em escutar. Para que haja diversidade, as pessoas precisam escutar. E muito pouca gente mergulha em como os times tomam decisão. Normalmente, é de forma autocrática. Pela estatística, é um homem branco. E aí a gente vai sempre carregando essa distorção. Pensar em diversidade não é só ter cores diferentes no seu time, é pensar em como isso está se refletindo nas tomadas de decisão.
Em geral, VCs mulheres investem mais em startups com lideranças femininas?
Isso, sim. Porque tem coisas no nosso comportamento, na nossa fala, que pra gente é natural, não carrega viés. O pitch de um homem é diferente do pitch de uma mulher. E aí quando a gente não escuta essas diferenças, os homens acabam sendo beneficiados com perguntas que os levam a expandir o conceito, a visão, e as mulheres são levadas a precisar se defender. Acho que o papel das mulheres investidoras é de justamente já vir com essa escuta diferenciada, de não levar a mulher a precisar se defender. Porque às vezes se a fundadora já vem uma fala que soa insegura, porque talvez seja mais cautelosa, e o homem faz uma pergunta que a obriga a se defender, aí acabou, como ela vai colocar a visão de mundo dela dessa forma?