Muito tem se discutido sobre os avanços da inteligência artificial e suas implicações éticas, sociais e culturais em todo o mundo. Na área da educação, o debate nacional sobre o uso da tecnologia dentro e fora da sala de aula ganhou força nos últimos meses, após o governo de São Paulo anunciar o plano de utilizar a IA para produzir aulas e materiais didáticos na rede estadual – projeto que gerou dúvidas até do Ministério Público, que questionou a iniciativa e pediu detalhes sobre como ela será empregada.
Em meio a esse cenário, a TutorMundi, startup brasileira que conecta alunos com tutores para plantões de dúvidas, aulas particulares e orientação de estudos, decidiu fazer da inteligência artificial uma forte aliada do processo educativo, sem ignorar o caráter humano. Fundada em 2016, a plataforma de tutoria online conquistou números relevantes ainda em seus primeiros anos, passando de 30 mil para 70 mil alunos em 2020. Mas foi a implementação da IA que trouxe uma nova dimensão ao serviço.
“Ficamos impressionados com a implementação da IA”, afirma Raphael Coelho, fundador e CEO da TutorMundi. Com uma base de dados de aproximadamente 400 mil aulas gravadas, a empresa treinou suas inteligências artificiais para esclarecer dúvidas pontuais dos alunos. O resultado superou as expectativas: entre o 4º trimestre de 2023 e o 1º trimestre de 2024, os atendimentos feitos por IA saltaram de 200 para mais de 20 mil. Em uma semana recente, a startup registrou 59% de seus atendimentos realizados por IA.
“Lançamos a IA para se comportar como um tutor que, inicialmente, faça o trabalho básico: esclarecer dúvidas pontuais em qualquer matéria”, diz Raphael. Segundo o CEO, enquanto a inteligência artificial é eficaz para responder a questões específicas, as aulas com tutores humanos continuam sendo fundamentais para aprofundar os assuntos e as explicações. “A IA é utilizada apenas para esclarecer dúvidas pontuais, o que não interfere no trabalho pedagógico do professor. Mas, frequentemente, os alunos precisam de um apoio extra, com aulas complementares e particulares. Estas são feitas com tutores humanos para complementar os estudos, trabalhar assuntos mal compreendidos e oferecer orientação pedagógica com aprofundamento”, explica.
Professor-robô?
O CEO destaca que, em apenas seis meses, o produto de IA ultrapassou a usabilidade do produto anterior da TutorMundi, construído há mais de seis anos. Além disso, a adoção dos alunos à inteligência artificial cresce a cada semana, ainda que a passos mais tímidos. Isso significa que os estudantes preferem aprender com robôs ao invés de humanos? Para Raphael, a questão é mais complexa do que simplesmente responder um “sim” ou “não” para dar o veredito.
“Depende. Para esclarecer dúvidas pontuais, tudo indica que os alunos preferem, pois a cada semana essa adesão cresce. No caso de aulas e explicações aprofundadas, diria que não – ou, pelo menos, ainda não. A gente acredita que os professores estão ok com os alunos esclarecendo dúvidas pontuais com IA. Já em relação aos pais e às escolas, ainda não temos certeza se já aceitaram este novo modelo”, avalia.
O CEO alerta para outro ponto importante nessa discussão. Além de olhar para o potencial que a IA pode alcançar, é preciso pensar em qual será a receptividade da tecnologia e como de fato proporcionar um aprendizado mais personalizado e acessível. “Embora acredite que a IA possa sim substituir 100% do papel de dar aulas para o aluno, inclusive com voz e a construção de avatares, é isso que o aluno vai querer? Os pais e professores estarão de acordo? São perguntas que ainda não sabemos as respostas”, pontua Raphael.
Apesar da rápida adesão e dos resultados já obtidos pela IA da TutorMundi, a startup observa que existe uma parte considerável de alunos que não quer a inteligência artificial. “Alguns preferem, outros não querem. E o motivo disso é bem claro: a IA não trabalha a parte de empatia. O aluno quer conversar com um tutor humano e fazer uma verificação de autoconhecimento. Ou seja, ele gosta de perguntar para o tutor se já passou por dificuldades semelhantes e entender o que foi feito para superá-las. Ainda que a IA possa citar exemplos de pessoas que fizeram isso, o aluno busca uma conexão emocional com o tutor”, diz Raphael.
Visão de futuro
Para 2024, a TutorMundi planeja priorizar o desenvolvimento da IA, aproveitando sua vasta base de dados de aulas para aprimorar ainda mais a tecnologia. “Temos um banco com horas de aulas gravadas e interações entre alunos e tutores, o que nos dá uma vantagem competitiva incomparável para treinar a IA a se comportar como um tutor”, afirma Raphael, destacando que a base de dados da startup cresce a 10 mil aulas por semana. “O investimento em tecnologia nos permitirá oferecer tutorias individuais personalizadas, a qualquer momento e para todo o país. E, talvez, de graça”.
Oferecer tutorias gratuitas é um plano ambicioso que a edtech tem para o futuro próximo. “Ainda não temos certeza se conseguiremos lançar o serviço gratuito. No entanto, o sonho da TutorMundi é levar educação 1 a 1 para todos, e vamos avaliar como concretizar esses planos”, explica.
Atualmente, o modelo de negócios da TutorMundi envolve parcerias com escolas, que pagam pelo serviço da startup. “Toda a interação que os alunos têm com a plataforma gera dados relevantes para as escolas entenderem quais são os pontos deficitários do ensino e elaborem ações pedagógicas para melhorar a qualidade”, explica Raphael. De acordo com o CEO, esse modelo deve se manter nos próximos anos, pois ajuda a preservar a relação entre aluno e professor.
Embora não revele o número atual de alunos da TutorMundi, o CEO conta que a meta é chegar a 200 mil alunos em 2025. Mas se a startup conseguir escalar o seu modelo de negócio entre as escolas, de modo a sustentar a oferta gratuita das tutorias a nível nacional, esse número pode chegar na casa dos milhões. “Vai depender do quanto conseguimos oferecer um serviço de qualidade e a um custo razoável para as instituições de ensino, apoiando inclusive nas suas construções de marca”, pontua.
Já presente em todos os estados brasileiros, a TutorMundi captou US$ 2 milhões em seus mais de sete anos de história. Para concretizar os planos de crescimento, a empresa está com uma nova rodada aberta, com a expectativa de captar cerca de US$ 10 milhões para investir em IA, expandir a equipe de marketing e vendas e, ainda, realizar um projeto piloto nos Estados Unidos. Na América do Norte, a edtech brasileira disputaria espaço com a Paper, e Raphael acredita ter um produto tão bom quanto o da sua principal concorrente para ganhar espaço no mercado internacional.