*De Santa Clara, Califórnia
O sistema bancário brasileiro sempre foi visto como um dos mais rígidos e regulados do mundo. Mas isso mudou nos últimos anos com a flexibilização de normas e a criação de novos serviços, como o Pix. E a vida dá tantas voltas que, vejam só, os reguladores brasileiros agora causam inveja na terra do Tio Sam. “Queria que os reguladores dos EUA copiassem os reguladores do Brasil”, disse Angela Strange, investidora especializada no mercado de fintechs na gestora a16z, durante painel de abertura da conferência Brazil at Silicon Valley (BSV).
O início do evento teve uma homenagem e 1 minuto de silêncio em memória da Sara Silva Raimundo, fundadora da Unicainstancia, que faleceu na última sexta-feira ( 21).
Para Angela, o Banco Central tem atuado de forma semelhante a uma empresa de tecnologia privada, criando um roteiro de para onde pretende ir e quais os passos a serem tomados para chegar aos objetivos e cronograma de lançamento de novidades. “Isso é impressionante para um órgão regulador”, pontuou durante conversa mediada pelo brasileiro Hugo Barra, com quem ela trabalhou no Google.
Angela destacou o trabalho de desmembrar a concessão de licenças de operação em diferentes segmentos, o que torna mais fácil – e mais barato – criar um novo banco. “Um fundador não precisa me pedir dezenas de milhões de dólares para aplicar para um licença e daí então ver o que ele vai fazer”, comentou.
Nascida no Canadá, Angela queria ser contadora, mas acabou indo para o mundo do venture capital e depois se tornou product manager. Uma das responsáveis pela criação da versão para dispositivos móveis do navegador Chrome, ela decidiu sair do Google em 2014 para criar um novo negócio em uma área incipiente, a intersecção de serviços financeiros com a tecnologia. “Acho que na época isso nem se chamava fintech ainda”, brincou.
Quando um headhunter da gestora a16z a procurou, ela inicialmente não se interessou pela oportunidade, mas depois foi convencida a dar os primeiros passos de sua jornada dentro de um dos principais investidores em startups do mundo. E o que deveria ter sido uma tentativa de 2 anos, a transformou em uma das principais referências globais do mercado.
Angela ficou especialmente famosa em 2020 quando publicou um artigo que defendia que toda empresa se tornará uma fintech. “Eu posso ter exagerado um pouco para fazer um bom artigo, mas a verdade que se trata de uma plataforma para algo horizontal, um mecanismo habilitador para qualquer tipo de empresa”, comentou.
Segundo ela, a máxima continua valendo mesmo diante do cenário desafiador de juros altos e dinheiro caro que tem feito com que apostas em iniciativas que não estejam ligadas à área principal de atuação das empresas deixem de receber atenção.
A investidora disse que uma empresa de software que adiciona serviços financeiros às suas ofertas consegue aumentar receitas em algo entre 3 a 5 vezes. E segundo ela, o melhor lugar para fazer explorar esse tipo de oportunidade é o Brasil. Ela pontuou que ainda é preciso tornar a incorporação de serviços financeiros algo mais simples de ser feito. O que não deixa de ser uma oportunidade por si só de criar um novo negócio.
Angela contou que seu relacionamento com o Brasil começou por conta do irmão, que trabalhava no Nubank. Quando ela escreveu um artigo sobre oportunidades no mundo das fintechs, o irmão encaminhou o texto para o fundador do neobanco, que a procurou para falar sobre o cenário brasileiro. Em outubro do ano passado, ela escreveu um longo artigo avaliando o cenário local e os ventos que sopram a seu favor.
Ela se mostrou bastante otimista com as perspectivas para o país, e deixou uma dica para os fundadores brasileiros: eles precisam aprender a vender melhor suas ideias. “Às vezes você pega um fundador dos EUA e um brasileiro. O brasileiro você vê que tem um negócio melhor – de verdade – mas o fundador dos EUA tem um storytelling melhor. Os fundadores brasileiros têm vantagens. Mas precisam contar a história melhor”, disse. Segundo ela, uma vantagem importante dos fundadores brasileiros é que eles conseguem encontrar e desenvolver talentos não tão óbvios, um reflexo da falta de mão de obra preparada no mercado local.
E a inteligência artificial?
Perguntada por Hugo Barra sobre o tema quente do momento, a inteligência artificial generativa, Angela Strange disse que essa deve ser uma das tecnologias mais transformacionais dos últimos tempos, especialmente pela capacidade de reduzir custos de atendimento a clientes. Para ela, ao delegar o atendimento de determinados perfis de clientes para as máquinas, as empresas poderão tornar públicos que até então não eram considerados atraentes por serem caros para serem trabalhados, mais acessíveis. “Se o custo de atendimento for zero, pode se tornar algo atrativo”, disse.