Dois anos atrás, ainda como um repórter recém-chegado na redação do Startups, fui com sede ao pote da cobertura da primeira edição do South Summit Brazil – afinal de contas, nós cobrimos inovação e eu sou de Porto Alegre, ou seja, eu tinha que estar lá.
Entretanto, com a vontade de alguém louco para mostrar serviço, analisei implacavelmente o evento – e confesso que fui um tanto ácido nas minhas opiniões. Apontei problemas de infraestrutura, filas para ver palestras, banheiros nível Planeta Atlântida, a inevitável vulnerabilidade do Cais Mauá às intempéries climáticas, e o foco um tanto exacerbado do encontro em se posicionar no lado mais “hype” da força, do que exatamente trazer os conteúdos aprofundados que alguns poderiam esperar.
A cornetada tinha um caráter instrutivo já que ainda na primeira edição foi possível ver como o South Summit tinha a chance de se tornar algo muito bom nos anos seguintes.
2023 já foi uma evolução – banheiros melhores, menos filas e espaços melhor organizados. Mas a edição de 2024 mostrou, de fato, como o South Summit pode se tornar para o setor de tecnologia gaúcho o que a Expointer é para o segmento agrícola: aquele evento em que todo mundo vai para pegar chuva e tomar uma insolação (não necessariamente nessa ordem), mas vai feliz pois encontra seus pares num cenário diferenciado e ainda pode fechar bons negócios.
Em conversas com o pessoal da organização, o paralelo com a Expointer faz todo o sentido, mas não pelos motivos que eu mencionei. Segundo os organizadores, o plano de ser “a Expointer da inovação” tem a ver com a longevidade pretendida para o South Summit, de ter décadas de tradição assim como o evento realizado anualmente no mês de outubro no “parque das três bolas” em Esteio.
Olhando para os números registrados em 2024, parece que o plano está em pleno andamento. Foram mais de 23,5 mil pessoas, 900 investidores e três mil startups de 55 países nos três dias da programação, números que fizeram o governador Eduardo Leite – grande padrinho da iniciativa – dançar todo serelepe na Arena Stage durante a cerimônia de encerramento, antes de já confirmar a edição 2025 para os dias 09, 10 e 11 de abril.
Se com toda essa movimentação o South Summit resultou em negócios para o ecossistema local e de fora, isso ainda está para ser respondido. Entretanto, a semente foi plantada como nunca nesta edição, e como a gente bem sabe, evento precisa do hype para sobreviver – já falo mais sobre isso.
Tá, mas pode cornetar?
Não sei se vocês sabem, mas enquanto gaúcho e colorado, uso demais a expressão “cornetar”. Cornetar, zuar, reclamar: é algo que nem sempre é legal, mas edifica a alma em diversos momentos. Foi o que me fez criticar com bom humor algumas das falhas do primeiro South Summit. Gosto também de pensar que a corneta ajuda as coisas a melhorarem.
Por que eu falo isso? Bem, falo porque nem mesmo o South Summit 2024, a melhor versão do evento até agora e que, segundo a organização, consolidou a ocasião na agenda global de eventos de inovação, é isento da corneta. Apesar dos palcos mais amplos, da climatização melhorada e dos painéis consideravelmente mais aprofundados, ele não foi desprovido de erros.
Claro que eu não vou culpar o South Summit pelo calor descomunal do 1º dia, que fez até um repórter da folclórica Rádio Grenal (que não tem absolutamente nada a ver com inovação, mas mostra que nunca a imprensa de todo lugar esteve tão interessada) desmaiar num link ao vivo. Entretanto, posso eu reclamar do evento por preferir um lugar pouco otimizado para receber dezenas de milhares? Claro que posso, mas daí é preciso pensar um pouco.
Pessoas insatisfeitas com o fato do South Summit ser no Cais Mauá apontaram a pobre climatização dos palcos, os lanches caros, o estacionamento horrível ou a dificuldade de chegar ou sair via Uber. Bem, são todas críticas válidas, mas vamos ser honestos: isso seria exclusividade do evento em Porto Alegre? Até parece que esquecemos do inferno que foi chegar, sair e almoçar no Riocentro no Web Summit no ano passado.
Mesma coisa sobre o lanche caro: alguém já viu um evento onde tem rango econômico? E daí vai se esperar isso de um encontro destinado a um público de empreendedores e investidores? Se o evento fosse na FIERGS, o tradicional centro de convenções da capital gaúcha, ele teria todos os mesmos problemas – e nem teria um por do sol ou um rolê de barco no fim da tarde.
O problema do hype
Tudo isso nos leva ao tal do hype. Segundo alguns empresários do ecossistema gaúcho, foi um exagero toda a badalação em torno do South Summit, com a overdose de conteúdos, selfies no Instagram e conteúdos no LinkedIn fazendo agradecimentos e falando outras obviedades acerca do evento.
“Tirando os ‘sacolinhas’ e a galerinha pipoquinha que gosta de estar onde estão os holofotes, de resto, sobra muito pouco”, disse um destes empresários num post de LinkedIn. É uma crítica que não fica muito longe do que ouvimos recentemente sobre o South by Southwest, que foi “tomado” pelos brasileiros e parece que rendeu mais posts do que insights.
Confesso que é um tanto conflitante você olhar para um evento elitizado, repleto de pessoas de classe média ou alta, enquanto Porto Alegre estava com diversos bairros sem energia elétrica, em função do temporal que rolou na madrugada do segundo dia. É complicado ver que a companhia privada que hoje controla o abastecimento em Porto Alegre participou de um painel sobre “inovação”, sendo que a URA que atende o consumidor foi uma completa tragédia para responder aos chamados de queda de luz.
Entretanto, no fim das contas, de que a minha reclamação ou a de empresários que queriam um Moscone Center em pleno Cais Mauá serve em um momento desses? Quase nada, basicamente. Poucos se preocupavam com a queda de luz no bairro Rubem Berta ou com o calorão, quando a cerveja está gelada no barco Cisne Branco.
Pode parecer insensível, mas no fim das contas é preciso ser objetivo. Mais do que bons painéis ou lanches baratos, os eventos bem-sucedidos vivem de hype, do FOMO, do post empolgado no LinkedIn. Claro que num segundo momento podemos falar do quanto um South Summit rende conexões, negócios, o fomento ao ecossistema gaúcho. Entretanto, o que temos é o evento em si, e a tal “empolgação forçada”, na visão de alguns.
Agora, cabe a quem responder se o evento faz a empolgação ou a empolgação faz o evento? A dúvida é uma enorme ouroboros que – para o bem ou para o mal – precisa comer o próprio rabo para se manter em movimento, e que tem ajudado o South Summit a criar um buzz já para o ano que vem.
Vamos cornetar? É claro que vamos, porém não vamos deixar de comparecer. É tipo o que ouvimos de um representante de um grande hub nacional de inovação, após visitar pela primeira vez o evento esse ano. “Ano que vem precisamos estar aqui em peso”, disse ele. Goste ou desgoste, não tem mais como ignorar o South Summit.