O South Summit Brazil, primeira edição do evento internacional de inovação em negócios, encerrou-se na última sexta (06), depois de três movimentados dias no Cais Mauá, em Porto Alegre. Mais de 16 mil pessoas marcaram presença na ocasião, que chegou com a missão de colocar a capital gaúcha no mapa internacional dos encontros de tech e startups.
Como já comentamos em um texto anterior, o South Summit levantou fortes reações dos presentes, tanto para o bem quanto para o mal. Do grande e empolgado público presente aos problemas de infraestrutura que atrapalharam os interessados em usufruir do conteúdo, o evento combinou animação e decepção em medidas semelhantes.
Mas e então, depois de tudo isso, qual é o saldo final? Foi top ou foi flop? Bem, com toda a honestidade deste gaúcho que aqui vos escreve, vou admitir que foi um pouco dos dois, mas talvez não pelas razões que você esteja imaginando.
O fato é que o South Summit já está confirmado em Porto Alegre até 2024, e talvez seja o momento de ver o que deu certo e errado, pelo ponto de vista de quem esteve lá – no caso, nós. Porém, para explicar isso melhor, vamos analisar isso por partes.
Infraestrutura
Não me leve a mal: o Cais Mauá é um cartão-postal da cidade, e sofreu uma bem-vinda revitalização nos últimos anos. É realmente um lugar lindo, que encantou os participantes com o pôr-do-sol no fim da tarde. Mas os galpões do cais ainda não são um lugar totalmente adaptado para um evento deste calibre. Em diversos momentos, o número de visitantes pareceu alto demais para o espaço.
A chuva trouxe sérios perrengues no primeiro dia, mas alguns problemas persistiram nos dois dias seguintes, como por exemplo os banheiros, estruturas temporárias que pareciam mais apropriadas para um Lollapalooza do que um encontro que reúne founders, CEOs de grandes empresas e investidores.
Por falar em adaptação, pausa para um olhar gaúcho. que pode passar despercebido para quem é de fora. Para um “estrangeiro”, ver um barco atracado no cais adaptado como o “business lounge” do South Summit Brazil, é um toque diferenciado. Porém, para quem conhece Porto Alegre, este barco é o Cisne Branco, possivelmente um dos locais mais bregas da cidade, sede de inúmeros bailes da saudade. Resumo: não pude conter as risadas quando vi o “upgrade” recebido pela embarcação.
Além disso, ficar em fila ou ter que aguentar de pé só pra ver a palestra que se deseja não foi visto com bons olhos por ninguém. Em conversas rápidas com alguns agentes do ecossistema presentes, este foi um dos principais pontos criticados. Além disso, dizer que os galpões do cais foram totalmente adaptados para o evento é ser bondoso: um galpão velho e cheio de eco, por mais enfeitado que esteja, continua velho e cheio de eco.
“O incômodo está sendo o barulho, pra ser honesta”, ressaltou Liliane Vicente dos Santos, founder e CEO da Amitis, que marcou presença no estande da Favela Holding. Um detalhe: a área de estandes ficou dentro de um dos galpões, “prensada” entre dois palcos – o Corner Stage e o Demo Stage. Imagine você, querendo conversar com potenciais parceiros em um galpão barulhento, com duas fontes de áudio vindo dos dois lados.
Dificuldades em relação à acessibilidade – o Cais Mauá tem um calçamento bastante irregular – e para chegar no local, já que o centro de Porto Alegre pode ser um verdadeiro inferno para conseguir um Uber ou lugar para estacionar, também foram alvos de críticas e questões que certamente deverão ser endereçadas no South Summit Brazil 2023.
Veredito: FLOP
Networking
16 mil participantes. Cerca de mil startups, aproximadamente 90 investidores e 400 speakers. Antes de mesmo de começar a rolar, os números já sugeriam que pelo menos na parte do networking, não teria como dar muito errado. E foi isso que vimos.
“Está sendo uma grande oportunidade de mostrar nosso trabalho para pessoas de fora do estado, [como] investidores, startups para colaborar. O ambiente está muito propício”, comemorou Rômulo Candido, founder da Sirros, startup local de IoT que montou estande no evento.
Para quem veio de fora dos pampas, a percepção foi semelhante. Para a founder da Amitis, que veio de Alagoas para divulgar sua empresa, os três dias no estande da Favela Holding foram bastante movimentados. “Está sendo uma ótima oportunidade para mostrar a potenciais parceiros a nossa força. Já fizemos alguns pitches para investidores e estamos otimistas”, destacou Liliane.
O foco neste lado social, ainda mais com um público que passou os últimos dois anos sedentos por uma atividade deste tipo, também se refletiu de outras formas. Principalmente nos dois últimos dias, as tardes do South Summit se tornaram um misto de seminário tech e fashion week que deixou este repórter um pouco confuso.
Tudo bem que todo evento hypado – SXSW, Web Summit – que se preza não sobrevive sem momentos para descontrair, mas a impressão que fica é que o South Summit poderia ter feito uma separação melhor entre informação e curtição. Na verdade, em certo grau até teve isso, com a programação chamada Night Summit, que levou os happy hours para outros bairros da cidade. Mesmo assim, é um sentimento muito estranho sair de uma palestra com o presidente do conselho da Gerdau, André Johanpetter, no Arena Stage, e imediatamente dar de cara com um lounge cheio de gente produzida tomando vinho branco, tirando foto pro Instagram com suas reluzentes taças em primeiro plano à paisagem do Rio Guaíba.
Para não parecer birra da minha parte, até resolvi perguntar em off para um empresário conhecido no cenário local, com experiência em eventos internacionais, se isso não pode ser coisa da natureza “madrilenha” do South Summit. “É um pouco verdade. Nos Estados Unidos as partes de negócio e social são bem mais separadas”, explicou, depois admitindo que no caso do South Summit, o espaço disponível talvez tenha deixado as coisas um tanto “amontoadas”.
Veredito: TOPZERA
Impacto
Antes mesmo de começar, o South Summit Brazil foi vendido com um acontecimento que “transformaria” a realidade dos novos negócios em Porto Alegre. Abraçado pelos veículos de mídia do estado e pela RBS, grande conglomerado de mídia local, o encontro caiu na boca de até de quem nem sabia do que se tratava. Por outro lado, a conferência não teve a mesma repercussão na grande imprensa nacional – ou mesmo internacional.
Entretanto, na bolha egocentrista dos gaúchos – e eu sou gaúcho, então posso falar disso com propriedade – além de ser um grande evento de negócios, o South Summit se tornou o “place to be” da cidade. Como falei, era preciso pelo menos para aparecer pra tirar uma fotinho e dizer que esteve lá, não é mesmo?
A dúvida é se desafios como este bairrismo gaúcho serão endereçados nas próximas edições, se o evento realmente se posicionará de fato como um encontro de apelo nacional, atraindo todos os olhos para o Rio Grande do Sul, ou corre o risco de não passar de um “super acontecimento internacional” limitado à região Sul e outros agentes afeitos ao mercado gaúcho.
Apensar dos questionamentos, todos esperam o melhor. No primeiro dia de evento, o próprio governador do estado, Eduardo Leite, fez questão de reforçar o South Summit Brazil como um divisor de águas, apontando-o como a “cereja do bolo” em uma movimentação que começou há anos na capital.
Atualmente, a capital gaúcha concentra 61% das startups do estado (um total de 661 até o final de 2021), segundo dados da Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Estado. Nomes representativos como Nelogica, Warren e Agibank, assim como ecossistemas em rápida ascensão, como o Instituto Caldeira, vêm contribuindo para esta mudança de perfil.
Na visão da fundadora do South Summit na Espanha, Maria Benjumea, o evento cumpriu seu papel de dar destaque às novas empresas emergentes na região, conectando-as com o restante do país e o mundo.
“Foi uma explosão de beleza, de alegria, de inovação, em que todos se uniram para um objetivo comum: identificar oportunidades para o desenvolvimento econômico, de forma abrangente e inclusiva”, destacou a animada founder. E quando eu digo animada, quero dizer mais do que animada, com direito a vestimentas com as cores do Rio Grande do Sul.
Na visão do CEO do Instituto Caldeira, Pedro Valério, o evento já é um marco instantâneo para a cidade. “Para quem acompanha a evolução, a maturidade das nossas startups, é a coroação deste trabalho. E especialmente, é o momento de colocar o holofote sobre a cidade, para que o mundo inteiro possa entender o que está acontecendo aqui, para apostar no Rio Grande do Sul”, afirmou.
Apesar da animação de alguns, outros tem suas ressalvas. Para o mesmo empresário que comentou em off sobre a parte social do evento, o foco em mostrar a força local foi um grande sucesso. Segundo ele, o trabalho do presidente do South Summit Brazil José Renato Hopf, conseguiu romper algumas barreiras antigas do mercado local, que ainda resiste com velhos vícios.
“Estou muito feliz por ver as empresas gaúchas sendo destaque em um palco de renome global. Mas um evento deste porte geralmente abre uma comunicação de mão dupla entre a sede e seus visitantes, algo que senti que ficou um pouco a desejar este ano”, destacou, questionando o perigo do South Summit se tornar apenas uma festa entre já conhecidos. Aliás, isso foi algo que também me ocorreu durante o painel de abertura da programação, em que a maioria dos presentes no Arena Stage cantaram a plenos pulmões o Hino Rio-Grandense, símbolo máximo do “ufanismo” dos pampas.
Veredito: TRI
Conteúdo
Não dá pra dizer que não teve um monte de coisa para acompanhar. Com seis palcos e cerca de 400 speakers, teve de tudo um pouco, o que chegou a ser um tremendo trabalho para a dupla do Startups – eu e a editora Fabiana Rolfini – que cobriu o evento.
Contudo, ao olhar mais de perto a programação, alguns fatos saltam aos olhos: realmente grande parte dos speakers são representantes do ecossistema gaúcho. De startups locais como Trashin e Rocket.Chat a grandes corporações como Randon e Gerdau, chegando na extensa programação de painéis governamentais, o Rio Grande do Sul foi o grande destaque.
Claro que várias grandes empresas nacionais (Itaú, Boticário, PicPay etc), assim como fundos como Redpoint, Caravela Capital, Indicator Capital e outros também trouxeram nomes de peso para enriquecer a grade do South Summit Brazil, e isso foi elogiado por boa parte dos presentes, especialmente a parcela de gaúchos que não estão acostumados com uma programação deste tamanho.
Contudo, o que muito se viu foi gaúcho ouvindo gaúcho, com um ou outro visitante participando junto. Enfim, para uma primeira edição, pode ter sido algo planejado para render frutos para o ecossistema, mas resta ver como isso pode se desenrolar em futuras edições.
Apesar de tudo, a impressão que fica é que tudo isso poderia ser melhor aproveitado, já que as dificuldades com o barulho, os espaços limitados e as constantes distrações da “parte social” ao lado. “Não adiantou ter várias palestras que eu queria ver, se eu não consegui entrar nelas ou não pude ouvir direito”, alfinetou outra agente do ecossistema, ao final do terceiro dia.
Veredito: PODERIA SER TOP
Potencial para ser mais
À parte de todas estas questões, todas as pessoas que a reportagem do Startups conversou nos três dias de South Summit Brazil tem a mesma impressão. Com os ajustes certos, é algo que pode ser muito mais. Afinal, a conferência colocou Porto Alegre no mapa nacional – se não latino-americano – de eventos de inovação.
Segundo a organização do evento, tanto as edições 2023 quanto 2024 do South Summit em Porto Alegre serão novamente no Cais Mauá. Ou seja, dá tempo de corrigir os erros de primeira viagem, e fazer bonito frente a novos concorrentes como o badalado Web Summit, que desembarcará no Rio de Janeiro em maio do ano que vem.
Inclusive, para alguns, até lá só restarão as lembranças animadas deste primeiro encontro global. “Daqui a uns dois, três meses, ninguém mais vai lembrar que choveu e teve perrengue no primeiro dia”, disparou Pedro Valério, em uma declaração que nossa editora Fabiana Rolfini não deve concordar não.