Whistleblowers

Denúncias contra práticas das Big Techs estão sob risco

Delphine Halgand-Mishra, da The Signals Network; Sophie Zang, que denunciou práticas do Facebook (hoje Meta); e Billy Perrigo, jornalista investigativo da revista TIME, durante painel no SXSW
Delphine Halgand-Mishra, da The Signals Network; Sophie Zang, que denunciou práticas do Facebook (hoje Meta); e Billy Perrigo, jornalista investigativo da revista TIME, durante painel no SXSW (Foto: Gustavo Brigatto)

AUSTIN/TEXAS* – Nomes como Sophie Zhang, Frances Haugen, Mark MacGann, Susan Fowler e Tyler Shultz fizeram história ao expor ao mundo práticas imorais e até mesmo ilegais das empresas em que trabalhavam. Foi pelas denúncias feitas por eles que casos como as revelações de práticas fraudulentas da Theranos, ou de assédio no Uber vieram à tona. Mas essas revelações podem diminuir, ou simplesmente deixar de existir diante das recentes mudanças de ventos no contexto político e no posicionamento das Big Techs; e da falta de regras específicas na regulação da inteligência artificial.

A avaliação é que funcionários podem se sentir menos propensos a revelar informações sensíveis diante das possíveis repercussões. “Não me surpreenderia se o Facebook [hoje Meta] mover um processo contra um denunciante nos próximos anos”, alertou Sophie Zang, que em 2020 teve exposto um memorando de quase oito mil páginas escrito por ela sobre o uso de contas e interações falsas no Facebook para manipular eleições em vários países.

Ela participou de um debate sobre o assunto no primeiro dia de palestras do SXSW. O painel foi mediado por Delphine Halgand-Mishra, da The Signals Network, organização sem fins lucrativos que apoia denunciantes (whistleblowers) e contou com a participação do jornalista investigativo Billy Perrigo, da revista TIME. Em 2022, ele expos as péssimas condições de trabalho dos moderadores de conteúdo contratados pelo Facebook no Quênia.

Tradicionalmente, as empresas evitavam adotar medidas contra denunciantes diante da repercussão negativa para a sua imagem e da possibilidade de colocar ainda mais lenha na fogueira. Mas Billy disse concordar que essa postura pode ser alterada pelas Big Techs daqui em diante. “O que me preocupa é que mais e mais parecemos estar em um ambiente político e regulatório em que ir atrás de fontes e de jornalistas é algo aceitável”, ponderou.

Isso fica pior com o fato de, com a ascensão da inteligência artificial, não existirem salvaguardas, ou regras que protejam quem queira denunciar alguma prática errada. Ele destacou o papel importante das regras citando o caso de Frances Haugen, que em 2021 expos documentos do Facebook sobre impacto da plataforma na saúde mental das pessoas e na disseminação de notícias falsas, usando como prerrogativa proteções para denunciantes previstas pela Securities and Exchanges Comission, ou SEC, o órgão regulador do mercado de capitais dos EUA. “Essas leis não foram criadas para permitir a publicação de práticas nocivas à democracia nas redes sociais, mas ela usou esse caminho porque estava disponível para ela”, completou.

Ele disse acreditar, no entanto, que o cenário ainda é positivo para a exposição de informações e que muitas fontes ainda o procuram para revelar pequenos fragmentos de informações que não as prejudique no trabalho e em sua vida pessoal.

Delphine destacou que se tornar um denunciante acaba sendo um trabalho em tempo integral e que é preciso entender muito bem as consequências dessa decisão. De acordo com ela, é preciso pensar em três aspectos principais para avaliar essa decisão: o que o denunciante quer atingir ao fazer suas revelações? A família está bem cuidada para aguentar os efeitos? E, finalmente, como a pessoa se enxerga depois que as informações forem reveladas.

Um aspecto que ela disse ser “positivo” para denunciantes ligados ao mundo de tecnologia é que essas pessoas costumam receber novas propostas de emprego mesmo depois da repercussão de sua decisão. Isso, segundo ela, não acontece em outros setores, como o de finanças. A maior parte dos denunciantes, no entanto, acaba não aceitando um novo trabalho por ainda estar no turbilhão de tudo que se segue.

Sophie contou que chegou a fazer entrevistas em algumas empresas de tecnologia – e que o próprio Elon Musk teria atuado para tirá-la de uma oportunidade em uma das Big Techs – e que, agora que a poeira do seu caso baixou, ela deve começar a procurar alguma nova oportunidade.

*O jornalista viajou a convite da SP2B