
Em um mercado com ofertas públicas e eventos de liquidez menos frequentes, o VC que ainda não atualizou seu modus operandi está fadado ao fracasso — e quem diz isso são alguns dos mais respeitados e experientes investidores do Vale do Silício, em um painel realizado durante o Web Summit Lisboa.
Na visão de Larry Lee, fundador e managing partner da Amino Capital, e Brett Gibson, managing partner da Initialized Capital, o manual clássico dos fundos de venture capital está ficando obsoleto, e a adaptação a um novo modelo não é mais opcional — ela é urgente.
Na abertura da discussão, Larry foi direto ao ponto: “Tradicionalmente, uma empresa de zero a unicórnio leva sete anos, e de unicórnio a IPO, mais três.” Entretanto, nos últimos três anos a lógica é outra, com a abundância de capital atrasando ofertas públicas, e com muitas startups fazendo ajustes internos para se financiar sem abrir capital.
“Estamos vendo empresas ficando privadas por muito mais tempo, e isso muda completamente a forma como os VCs precisam pensar em liquidez. Na prática, o horizonte de saída ficou muito mais longo”, avalia Larry.
Para o líder da Amino, um notório “caçador de unicórnios” que investiu em nomes como a Chime e fez parte da Midas List da Forbes, foi preciso redefinir o conceito de sucesso para seus próprios LPs. “O foco agora é investir em empresas com a capacidade de se manterem vivas, fazendo receita. É um jogo de longo prazo”, diz.
Neste novo jogo, tanto Larry quanto Brett destacam que novas ferramentas começam a ganhar espaço, como marketplaces que permitem que funcionários e early investors negociem ações antes de um IPO. Se não dá para acelerar a saída, é preciso criar rotas alternativas.
“O mercado criou mercados secundários onde funcionários conseguem vender ações antes do IPO. Isso não existia há dez anos”, observa Brett.
Foco no humano
Para Brett, sócio da Initialized ao lado do tarimbado executivo Garry Tan (CEO da Y Combinator), um cenário em que gigantes de tecnologia dominam distribuição, dados e talento força um novo julgamento de mérito nas startups. Para ele, o diferencial não é o pitch grandioso, mas atributos humanos — adaptação, agilidade, intensidade e uma ambição “quase irracional”.
“Em mercados mais competitivos e com menos janelas de liquidez, apenas fundadores excepcionalmente obsessivos conseguem romper barreiras e se destacar”, avalia o gestor da Initialized.
Em linha com a análise de Brett, Larry revela que sua gestora já usa IA para avaliar atributos de fundadores e suas equipes em dez dimensões diferentes, uma análise que vai desde histórico compartilhado até universidade de origem. “Essa reinvenção também passa por métodos: menos gut feeling, mais dados e ferramentas”, completa.
Go narrow, go deep
Para Brett Gibson, o hype da inteligência artificial está saturando mercados antes prósperos, como o de SaaS. Entretanto, algumas oportunidades ainda estão em jogo — especialmente ao olhar para setores que antes eram caros demais para o early stage.
“A IA está dando às empresas uma capacidade inédita de entrar em novos setores rapidamente. Estamos vendo áreas como defesa, materiais e robótica se abrirem para early stage. Isso muda tudo”, pontua o sócio da Initialized.
Para Larry, o diferencial já não é mais o software, que está cada vez mais barato e simples de produzir. Segundo o veterano investidor, as startups de nicho ainda têm uma carta na manga: os dados. O lema para as investidas é go narrow, go deep — ou, em tradução livre, “estreite e aprofunde”.
“Os grandes players têm muita informação, mas não informação nova”, comenta Larry. Startups capazes de reunir dados inéditos podem tanto escalar quanto ser adquiridas por valores bilionários.