A formação profissional em tempos de layoffs. Poderia ser o título de um livro ou uma palestra de auto-ajuda, mas na verdade este plágio mal feito do romance clássico de Gabriel Garcia Márquez resume bem o desafio vivido pela Trybe no último ano. A edtech especializada na formação de talentos para startups teve que rever planos e recalcular rotas para se adequar a um cenário de trabalho mais complexo.
Segundo o cofundador e CEO da Trybe, Matheus Goyas, assim como a startup surfou uma onda de crescimento – inclusive aportes – em 2020 e 2021, agora o ciclo virou. O momento é de maior dificuldade no mercado de trabalho, com contínuas rodadas de demissões, com a oferta de profissionais qualificados maior do que a demanda das empresas.
“Há um grande número de pessoas disponíveis no mercado, devido aos layoffs em startups, mas percebemos uma mudança no cenário, onde empresas maiores se recuperaram e passaram a contratar”, pontua Matheus.
Para ilustrar essa mudança, ele citou o Banco do Brasil, que recentemente abriu um processo de seleção para 3 mil pessoas na área de tecnologia. Outro exemplo é o MercadoLivre, que anunciou em abril que pretende contratar 5,7 mil pessoas até o fim do ano. “Se juntar esses dois processos, talvez tenhamos um volume de contratações maior que o número de demissões nas startups nos últimos meses”, avalia o executivo.
Para o CEO da Trybe, essa mudança de lugares onde as vagas estão também interferiu no perfil buscado na hora de contratar. Se antes a Trybe ficou conhecida como a edtech que formava talentos para mover a máquina de startups que cresceu em 2020 e 2021, agora a realidade é outra.
“O que percebemos é que o perfil das empresas que estavam com grande poder de contratação mudou, o que muda também nos requisitos dos profissionais buscados por estas companhias. É um contexto diferente de uma startup, mas ainda utilizam profissionais de tecnologia, de produto, de marketing”, afirma.
Revendo planos
Cenários turbulentos requerem medidas de segurança – e segundo Matheus, a Trybe teve que assumir uma postura conservadora de um ano pra cá, atenta aos movimentos do mercado. De acordo com o CEO, algumas medidas foram tomadas: uma delas foi a de preservar caixa e segurar alguns investimentos para estender o runway.
“Neste sentido, pausamos algumas iniciativas de desenvolvimento de novos produtos, e focamos na alocação de recursos em nosso core business. Aliás, na parte de formação para desenvolvimento de software, fizemos o contrário e investimos mais”, completa.
Um dos mais recentes exemplos deste investimento “extra” na parte de formação de desenvolvedores foi o lançamento da Formação Intensiva Trybe (FIT), disponibilizada no primeiro trimestre. No modelo, as aulas são oferecidas ao vivo nos turnos da manhã, tarde e noite, com o mesmo conteúdo ministrado em cada um deles, deixando a opção de escolha de horário na mão do estudante. Além disso, para atrair novos usuários para a escola, em maio, a empresa abriu 2 mil vagas para um curso gratuito de JavaScript, com duração de uma semana.
Em termos de caixa, Matheus revela que a maioria dos recursos captados – em 2021 ela levantou R$ 145 milhões em uma série B liderada pela Base Capital e Untitled – ainda estão em caixa. “Conseguimos isso ao segurar o lançamento de novos produtos e concentrar esforços no FIT”, pontua.
Para preservar recursos, a empresa acabou entrando no grupo de diversas startups que fizeram demissões em massa. Em agosto do ano passado, a edtech demitiu cerca de 10% de seus funcionários – 47 pessoas de quase 500.
Entre decisões estratégicas difíceis ou não, Matheus garante que a companhia está com saúde financeira para não precisar de uma nova captação em 2023, e o plano é chegar até o fim do ano com fluxo de caixa positivo, apostando numa sensível melhoria do mercado para impulsionar seus cursos e aumentar sua base de usuários atendidos, que passa das 200 mil pessoas.
“Existem ciclos de maior e menor abundância de vagas, é normal. Hoje vivemos sim um momento em que há menos vagas disponíveis, mas não vejo um mercado onde vai se precisar menos de tecnologia, então sempre haverá oportunidade”, finaliza.
Leandro Miguel Souza é jornalista especializado na área de TI, cobrindo pautas de tecnologia, negócios e inovação há mais de 10 anos, em passagens por diversos veículos do segmento, como Baguete Diário, Canaltech e Manual do Usuário. Um apaixonado por formas inusitadas e (por quê não?) inovadoras de criar conteúdos, contando com uma pós-graduação em Jornalismo Multimídias.