Enquanto a tecnologia e a inovação evoluem no setor financeiro, os golpes, fraudes e crimes escalam de todas as maneiras. A Polícia Federal (PF) acaba de deflagrar nesta quarta-feira (28/8) a Operação Concierge. O objetivo é desarticular uma organização criminosa e fintechs suspeitas de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro.
De acordo com a PF, a quadrilha movimentou R$ 7,5 bilhões por meio de contas de duas fintechs ilegais – a T10 Bank e InovePay. Ou seja, que não têm autorização do Banco Central e estavam “hospedadas” em instituições financeiras reguladas.
A nota oficial da PF não cita nem os bancos digitais por onde passavam essas transações, tampouco as instituições que se relacionavam com eles. Reportagens mencionam alguns nomes, tanto de fintechs quanto de bancos.
O Finsiders Brasil, site parceiro do Startups, procurou o BC e aguarda posicionamento do órgão regulador. Além disso, o veículo procurou os bancos Rendimento e BS2, assim como a InovePay (a vertical de negócios para meios de pagamento do Inove Global Group, ex-InoveBanco), que enviaram notas. Os dois bancos afirmam que estão colaborando com as investigações.
Não dá para saber ao certo o que a PF quer dizer com fintechs “hospedadas” nessas instituições. Porém, é possível interpretar esse termo como uma operação de banking as a service (BaaS). Na prática, são empresas que oferecem soluções financeiras, utilizando infraestrutura regulatória e tecnológica de players regulados, como bancos e instituições de pagamento (IPs). O tema, aliás, está na mira do BC para regulamentação neste ano.
“Situações como essa corroboram com o anúncio do BC este ano de realizar uma consulta pública para maior regulamentação do BaaS, para estabelecer limites e regras para essa relação”, afirma Bruno Diniz, especialista em inovação financeira e sócio da consultoria Spiralem.
A operação
Conforme a investigação, os criminosos ofereciam abertamente, pela internet, “contas clandestinas”, que permitiam transações financeiras dentro do sistema bancário oficial, “de forma oculta”. Essas contas eram usadas por facções criminosas, empresas com dívidas trabalhistas, tributárias, entre outros fins ilícitos.
Neste momento, estão sendo cumpridos 10 mandados de prisão preventiva, 7 de prisão temporária e 60 de busca e apreensão, expedidos pela 9ª Vara Federal em Campinas, nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Participam da operação 200 policiais federais.
Entre as buscas, estão as sedes dos bancos que “hospedam” as fintechs ilegais e que não notificaram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) quanto às transações suspeitas, assim como de instituições administradoras de cartões de crédito.
Em nota, a PF informa que foram determinadas judicialmente a suspensão das atividades de 194 empresas usadas pela organização criminosa para dissimular as transações, suspensão da inscrição de dois advogados junto à (um em Campinas e outro em Sorocaba), a suspensão do registro de contabilidade de quatro contadores (dois em Campinas, um São Paulo e mais um Osasco), além do bloqueio de R$ 850 milhões em contas associadas à organização criminosa.
“As contas eram anunciadas como contas garantidas porque eram ‘invisíveis’ ao sistema financeiro e blindadas contra ordens de bloqueio, penhora e rastreamento, funcionando por meio de contas bolsões, sem conexão entre remetentes e destinatários e sem ligação entre correntistas e bancos de hospedagem”, informou a PF.
Empresas de fachada
Ainda segundo a instituição, os criminosos também usaram meios de pagamento como maquininhas de cartão de crédito em nome de empresas de fachada. Eram negócios não relacionadas aos verdadeiros usuários que permitiam, assim, a lavagem de dinheiro e o pagamento de atos ilícitos de forma oculta.
Durante a investigação, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) chegou a denunciar o fato ao Ministério Público Federal, que foi juntada aos autos do inquérito policial, disse a PF. Já a Secretaria da Receita Federal, por meio de autorização judicial, iniciou medidas de cunho fiscal durante as buscas em sedes de pessoas jurídicas investigadas.
De acordo com a PF, os investigados poderão responder, na medida de suas condutas, pelos crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira, operação de instituição financeira não autorizada, evasão de divisas, ocultação de capitais (lavagem de dinheiro), crimes contra a ordem tributária e organização criminosa.
“O trabalho investigativo identificou e vinculou todos aqueles que, de alguma forma, relacionaram-se com as atividades ilícitas da organização, seja no apoio logístico, financeiro ou operacional, atingindo o núcleo de funcionamento criminoso e viabilizando a responsabilização tanto daqueles que efetivamente comandam o esquema, como daqueles que dão todo o suporte logístico para execução da atividade fim”, disse a PF.
Concierge, nome dado à operação, remete ao profissional que atende necessidades específicas de clientes. Dessa forma, disse a PF, faz alusão à oferta de serviços clandestinos a quem os procurasse na cidade de Campinas para ocultação de capitais.