O acordo assinado pelo iFood com o Cade, que restringe que o aplicativo de entregas feche contratos de exclusividade com restaurantes, pode significar um ponto de virada para o Rappi na disputa com seu principal rival. “O gigante acordou”, afirma, com um sorriso no rosto, Tijana Jankovic, CEO do unicórnio colombiano no Brasil.
Claramente uma referência à frase de 2013 que hoje já virou meio que um meme, a frase da executiva, mesmo que dita de forma descontraída, tem um fundo de verdade. A decisão do Cade foi vista como uma vitória para a companhia, uma das mais vocais opositoras da hegemonia do iFood no mercado nacional – e agora praticamente à única já que o Uber Eats deixou o país e a 99 fez mudanças na sua estratégia de entrega de comida.
“As novas regras estabelecidas [pelo Cade] permitem que as participações no mercado sejam delimitadas de uma forma que nunca antes foi feita no mercado de delivery. Não é algo que vai redistribuir o market share magicamente, mas vai ajudar a balancear o mercado”, afirma Tijana, em entrevista exclusiva ao Startups.
Segundo ela, limitando o poder de barganha do iFood na hora dos contratos de exclusividade, mais restaurantes estarão em diferentes plataformas. Segundo ela, com este mercado “feijão com arroz” mais nivelado, a competição deixa de ser pelas opções exclusivas e sim por meio de diferentes estratégias. “A decisão do Cade garante um piso para os players montarem melhores propostas de valor”, afirma.
Rivais, mas diferentes
Na visão de Tijana, a limitação dos contratos de exclusividade servirá para cada player de delivery “resolver a sua lojinha”, e aí que a Rappi quer se destacar. Enquanto o iFood ainda tem seu foco em preço e em cupons de desconto, sua rival quer trazer mais consumidores para seu serviço de assinatura – o RappiPrime. “O Prime existe em todos os mercados onde estamos e é importante em todos, mas no Brasil se tornou nossa principal proposta de valor no momento”, explica a CEO.
Hoje a empresa tem para o público brasileiro duas versões: o Prime Basic (R$ 19,90) em que assinantes têm direito a frete grátis para até oito pedidos, 30% de desconto no custo do serviço e descontos de até 50% em produtos. Já a versão Plus, de R$ 34,90 por mês, oferece frete grátis ilimitado e descontos de até 50% em diversas verticais, como restaurantes e supermercados e assinatura gratuita no HBO Max.
Ao falar sobre a oferta, Tijana pontua que ela se tornou, desde o ano passado, um ponto focal da operação do Rappi no Brasil, com um crescimento acima de 20% na base de usuários, atraindo o público que busca o benefício da entrega grátis, e ofertas mais verticalizadas entre restaurantes, supermercados e outros estabelecimentos, como farmácias. “Isso até mudou a nossa visão de onde nos encaixamos no mercado. Competimos com o iFood em algumas coisas, mas competimos com o Carrefour e até mesmo o Mercado Livre em outras”, afirma a CEO.
Tijana não abriu números sobre a atual base de assinantes e as metas para 2023, mas deixou claro que o plano é crescer de forma sustentável. “Obviamente a gente olha pra número de usuários, mas o que mais tá contando pra gente é a retenção e satisfação, assim como a utilização de diversas verticais. Queremos crescer, temos condições para expandir, mas o número de usuários não será o KPI primordial”, avalia.
Olhando por este prisma, é uma forma de tirar um pouco de pressão dos ombros da multinacional, gigante em outros países da América Latina, mas que no Brasil tem dificuldades até pra se tornar o segundo lugar no mercado. Segundo dados da Abrasel no ano passado, a plataforma chegou a ser ultrapassada pelo AiqFome, do Magalu.
Ajustes no Brasil
Há meses, em linha com diversos outros movimentos do mercado em geral – e até mesmo do delivery, com a saída de alguns players – circularam no mercado rumores sobre demissões e uma possível retirada da Rappi do cenário brasileiro.
Segundo Tijana, a opção de sair do Brasil nunca esteve na mesa, mas a operação brasileira do Rappi – que é a única nos nove países de atuação da startups que tem uma governança dedicada – precisou fazer seus ajustes. Isso resultou em demissões, mas de acordo com a CEO, elas foram estratégicas. “Fizemos uma revisão do quadro para ajustar às prioridades do Brasil, eliminando projetos que era mais alinhados aos planos em outros países e não faziam sentido por aqui”, afirmou a executiva, sem dar números de quantas pessoas foram impactadas nesse movimento.
“Hoje temos um negócio bastante diferente no Brasil, que é nosso principal mercado em termos de crescimento para o futuro, e tomamos uma decisão para seguir nesta direção”, completa, evitando se incluir no cenário geral de demissões visto em diversas outras startups do país. “Não foi um movimento de redução de operação. Aliás, estamos contratando”, afirma.
A CEO também frisou que em nenhum momento o Rappi cogitou a possibilidade de sair da vertical de restaurantes, dominada pelo iFood. “Pelo modelo mais verticalizado que temos, isso não faz sentido”, afirma.
Para Tijana, as turbulências do ano passado, incluindo a saída de players grandes como o Uber Eats, serviram para rever posições e ficar melhor quando o mercado voltasse a ficar mais favorável – uma forma de dizer que estava esperando a decisão do Cade.
Ultrapassando na chuva
Para 2023, o foco da Rappi está em uma palavra: engajamento. Com a limitação das exclusividades, o plano da companhia é trazer mais estabelecimentos e entregadores para perto, explicando as vantagens de estar na plataforma, assim como engajar mais consumidores a entenderem – e assinarem – os benefícios do RappiPrime. “Temos que mostrar como eles podem ganhar trabalhando fora do player dominante”, afirma.
De acordo com Tijana, a empresa sabe que não se trata de uma estratégia de curto prazo, mas em meio a um cenário macroeconômico difícil, a companhia está disposta a pisar no acelerador, inclusive com o apoio da matriz colombiana, o que faz toda a diferença em um mercado notoriamente “cash intensive” como o de delivery.
“Ter o dinheiro para investir não é o suficiente, mas hoje é importante investir de forma que faça sentido, e pare de pé a longo prazo”, ressalta. Voltando ao papo de acelerar, a CEO inclusive fez uma analogia a Ayrton Senna e sua habilidade em aproveitar dias de chuva para ultrapassar seus adversários.
“Pode ser difícil, pq tem que preocupar com sustentabilidade, mas é uma grande oportunidade, pq são esses cenários macro que fazem o cenário se sacudir. Estávamos esperando essa mudança na regulamentação, e isso trouxe um ânimo para reforçar nossas investidas no Brasil”, finaliza.