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2023, o ano em que executivos do Vale do Silício encararam a lei

De Theranos a Binance e VCs, este foi o ano em que alguns executivos pagaram caro pela mentalidade sem limites do sucesso no vale

Cadeia
Cadeia. Crédito: Canva

No mundo das startups, tão interessante quanto as histórias de quem alcança o topo, são os chamados “cautionary tales” daqueles nomes que, na busca pelo sucesso a qualquer custo, acabaram metendo os pés pelas mãos. Ser inovador implica levar as coisas ao limite para mudar o status quo. Mas tem gente que leva isso ao extremo e acaba burlando a lei – o que em algum ponto pode dar muito mais errado ainda: processos judiciais e até mesmo a prisão.

De olho nesta última categoria, o TechCrunch fez uma lista de nomes do Vale do Silício que tiveram que prestar contas com a Justiça dos EUA em 2023. De nomes que já estavam sujos já há algum tempo, como a CEO da Theranos, Elizabeth Holmes, até outros que até então tinham boas reputações no cenário, a lista tem de tudo. Confira abaixo alguns destes casos:

Enganou a GM e se deu mal

Até o começo deste ano, a Nikola estava em alta. A companhia liderada pelo excêntrico CEO Trevor Milton estava posicionada para inovar no mercado de transportes rodovíarios com seus caminhões semiautônomos movidos a hidrogênio – uma proposta que atraiu investidores de peso como a General Motors. Com o anúncio de uma possível aquisição por conta de uma SPAC ajudou a empres a subir ainda mais no badalado cenário do Silicon Valley. Entretanto, após suspeitas de alguns de seus investidores, a imagem de Trevor começou a ser questionada, até que as suspeitas se tornaram investigações reais. Órgãos do governo norte-americano indiciaram o CEO por fraude nas finanças da empresa, e agora em dezembro ele foi condenado a quatro anos de prisão.

Dez anos depois, vai pagar onze na cadeira

Já faz quase uma década que a healthtech Theranos se tornou uma das histórias mais infames do meio empreendedor global – tanto que virou até uma minissérie de televisão. Entretanto, desde que a empresa foi desmascarada após valer US$ 10 bilhões, e sua CEO Elizabeth Holmes virou persona non grata no Vale do Silício, ela passou os últimos anos recorrendo de sua sentença. Ela inclusive chegou a figurar em uma reportagem no New York Times, alegando ser uma nova mulher, o que nem todo mundo acreditou, mas não teve jeito: em maio, Elizabeth Holmes foi para trás das grades, com uma pena de onze anos de prisão.

Tentou dar trote no Goldman Sachs, e quem “marchou” foi a Ozy Media

A gente sabe que no mundo dos negócios, às vezes mentiras honestas interessam um pouquinho. Entretanto, no caso da startup Ozy Media, eles passaram um pouco da conta. Em uma teleconferência com investidores do Goldman Sachs que se preparavam para fechar um acordo de US$ 40 milhões para financiar a startup de comunicação, um dos seus executivos resolveu fazer algo inusitado. Uma voz estranha na teleconferência supostamente era de um executivo do YouTube que elogiou a Ozy.

Contudo, a voz foi o que fez os investidores ficarem desconfiados. O banco contatou o executivo, que disse que a pessoa na chamada devia ser um imitador, uma vez que o tal executivo nunca tinha falado com ninguém no Goldman Sachs. O CEO da Ozy, Carlos Watson, pediu desculpas aos banqueiros e atribuiu o incidente à alegada crise de saúde mental de um executivo da Ozy, mas o estrago já estava feito: a companhia foi indiciada por tentativa de fraude em investidores.

Criptoproblemas no mercado?

A novela já começou no ano passado com a implosão da FTX, entretanto 2023 trouxe desdobramentos dramáticos para e crise de confiança que o mercado cripto vinha sofrendo desde então. O primeiro tem a ver com próprio fundador da FTX, Sam Bankman-Fried, que de salvador da pátria cripto virou condenado pela justiça dos EUA por fraude e uso indevido de dinheiro alheio. Enquanto outros executivos da FTX se declaram culpados, SBF não quis acordo, foi à julgamento e perdeu. Ele ainda não foi condenado, mas pode pegar até 115 anos de prisão.

O outro caso é o da Binance, considerada a maior exchange cripto do planeta. Entretanto, no rastro da queda da FTX, ela virou alvo do escrutínio das agências reguladoras e do Departamento de Justiça dos EUA, que apontaram práticas irregulares na companhia. Entretanto, a empresa fundada pelo agora ex-CEO Changpeng Zhao, resolveu fazer um acordo. A corretora admitiu estar envolvida em práticas de lavagem de dinheiro e transferências não autorizadas de dinheiro, resultando em uma multa de US$ 4,8 bilhões e a maior resolução corporativa de acusações criminais para um executivo. O lado bom dessa história: com o acordo, a Binance pode seguir com suas operações nos Estados Unidos.

De investidor badalado a fraudador condenado

Mike Rothenberg surgiu no Vale do Silício há cerca de dez anos e não demorou a causar impacto com a Rothenberg Ventures, seu pequeno fundo de risco com apenas US$ 5 milhões, mas grandes ambições. Com algumas apostas certeiras que renderam grandes resultados, como a plataforma de investimentos Robinhood, ele ganhou notoriedade – e o dinheiro para chamar ainda mais atenção. Envolvido no hype do Vale do Silício, Mike dobrou a aposta em fazer seu nome aparecer, organizando eventos caros para fundadores, desde festas até camarotes nos jogos do Golden State Warriors. Um evento “anual” de alto custo, realizado dois anos consecutivos no estádio onde os San Francisco Giants jogam, até inspirou um episódio do programa da HBO “Silicon Valley”.

Entretanto, tudo desabou logo depois, e após mais de cinco anos lutando contra a SEC e o Departamento de Justiça, que o perseguiu por cobrar caro demais dos investidores por projetos pessoais, Rothenberg foi condenado no mês passado por 21 acusações, incluindo fraude bancária, declarações falsas, quatro acusações de lavagem de dinheiro e 15 acusações de fraude eletrônica, o que poderá resultar em tempo de prisão, além de milhões de dólares em multas.

Theranos, parte 2?

Parece a história da Theranos, mas é outra healthtech. Mark Schena, o fundador da Arrayit, mentiu aos investidores sobre a tecnologia de detecção de alergias e COVID-19 desenvolvida pela sua empresa, e foi condenado a oito anos de prisão, além de ter que pagar US$ 24 milhões em reparações para usuários que sofreram prejuízos com erros de diagnóstico. Contudo, a história da Arrayit tem algo que a Theranos não tem: a empresa chegou a fraudar o governo federal depois de cobrar US$ 77 milhões do Medicare por testes fraudulentos de COVID-19 e de alergia. Mark Schena foi ainda mais longe no atrevimento: chegou a dizer em suas redes sociais que foi cotado para o Prêmio Nobel de Medicina e que sua empresa valia US$ 4 bilhões quando não era nem um unicórnio. Pouco delírio de grandeza é bobagem.