Desde o começo do ano, Israel é palco de uma crise política envolvendo o primeiro ministro Benjamin Netanyahu, que está em uma guerra regulatória para interferir na Suprema Corte do país. Para muitos, se a nova lei proposta pelo primeiro ministro passar, ela representa um perigo para a democracia israelense – e isso está fazendo diversas startups cogitarem uma possível saída do país.
Segundo uma reportagem publicada esta semana pela Wired, a turbulência política e a inquietação popular pode trazer também um baque para a notória Startup Nation, que há mais de uma década foi o berço de diversas startups que vieram a ganhar o mundo, como Wiz e Wix.
Aliás, as duas startups de nomes parecidos são exemplos de como o clima em Israel está dividido. A Wix, conhecida por sua plataforma de sites, está ao lado do governo israelense, enquanto a Wiz, uma empresa de cibersegurança avaliada em mais de US$ 10 bilhões, está cortando laços com o país.
De acordo com fontes que acompanham o cenário israelense, muitos trabalhadores de tecnologia se envolveram em protestos contra o projeto de reforma judicial, e os executivos expressaram abertamente temores sobre o efeito que isso poderia ter na estabilidade econômica e social.
Inclusive, antes da votação que aprovou esta semana o projeto em primeira instância, cerca de 200 empresas de tecnologia se comprometeram a aderir aos protestos. Ontem, um dia depois da votação, um grupo chamado movimento Hi-Tech Protest pagou por anúncios para apagar as primeiras páginas de pelo menos quatro jornais do país, afirmando que se tratava de um “dia negro para a democracia”.
Uma pesquisa publicada no último fim de semana pela Start-Up Central Nation, entidade sem fins lucrativos que promove o ecossistema israelense ao redor do mundo, apontou que quase 70% das startups israelenses estão tomando medidas para se distanciar de seu país natal, sacando dinheiro ou transferindo sua sede legal para o exterior.
Além disso, mais de 50% das novas empresas estabelecidas em março de 2023 – o mesmo mês em que o projeto de lei avançou no parlamento de Israel – foram incorporadas como empresas estrangeiras, em vez de israelenses.
Grana em fuga
A debandada de empresas e de recursos de tecnologia de Israel pode representar um baque gigante para a economia do país. Atualmente, tecnologia representa mais da metade da receita de exportação do país, com o governo arrecadando mais de US$ 13,5 bilhões anualmente com o setor.
Só no caso da já citada Wiz, cerca de dezenas de milhões de dólares já foram transferidas de bancos israelenses para contas no exterior. Em fevereiro a empresa anunciou uma rodada de US$ 300 milhões, afirmando também que nenhum centavo deste aporte iria para sua operação em Tel Aviv, onde tem cerca de 200 colaboradores.
Além dos fundadores, investidores também estão tirando seu dinheiro do país. Um exemplo é do fundo Papaya Global, que se orgulhava de ser um VC israelense, mas agora quer se distanciar do país. A CEO da gestora, Eynat Guez, chegou a enviar uma carta para sócios, afirmando que o país foi “sequestrado por um grupo de fanáticos” e que Netanyahu estava disposto a “sacrificar a democracia israelense” para garantir sua própria sobrevivência política. “Após esta reforma política, os empresários israelenses estabelecerão entidades no exterior”, acrescentou ela na carta.
A empresa anunciou em janeiro que retiraria todo o seu dinheiro de Israel, e Guez disse à Wired que Papaya não estava mais administrando nenhum fundo de investimento no país.
Não priemos cânico
Enquanto uns se preocupam, outros mantém a calma. Na visão de Daniel Ibri, Managing Partner da Mindset Ventures, fundo de venture capital que investe em Israel há mais de 7 anos, o impacto real nas startups da região ainda é bastante pequeno, principalmente no early stage.
“As mudanças propostas na legislação de Israel são realmente controversas do ponto de vista democrático e causaram grandes manifestações e ameaças de players relevantes de seu ecossistema, porém do ponto de vista prático temos visto muito pouco impacto na maneira como as startups estão se organizando e crescendo”, avalia.
Segundo ele, a internacionalização é um caminho natural para grande parte das startups Israelenses, que pode ter sido acelerado com o atual cenário político. Entretanto, para Daniel, “o talento em Israel é massivo” e não será realocado ou ajustado de uma hora para outra, sendo que as startups ainda devem manter no mínimo seus centros de desenvolvimento no País.
“Além disso, muitas políticas locais de apoio às startups e ecossistema empreendedor são perenes e já sobreviveram à diversas mudanças de governo ao longo do anos, então o incentivo a inovação não deve mudar”, afirma, mantendo a confiança na Startup Nation.