Inteligência Artificial

Um cineasta resolveu fazer uma réplica AI de Sam Altman - e entrevistá-la

No documentário Deepfaking Sam Altman, a questão sobre a ética da IA é subvertida com bom humor. Quem copia os copiadores?

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Cena do filme Deepfaking Sam Altman | Foto: divulgação
Cena do filme Deepfaking Sam Altman | Foto: divulgação

Quem vigia os vigiadores? Ou quem copia os copiadores? Em tempos de OpenAI se “apropriando” de identidades visuais alheias para criar uma onda viral e aumentar sua presença de mercado, o documentário Deepfaking Sam Altman nunca esteve tão relevante. Um dos segredos mais bem guardados do South by Southwest deste ano, o filme subverte a discussão ética em torno da inteligência artificial com uma boa dose de humor.

O norte-americano Adam Bhala Lough não é novato na cena de documentários – já entrevistou até o enigmático Julian Assange (Wikileaks) quando ele já estava recluso. Mais recentemente, dirigiu a incendiária série Telemarketers, da HBO, que confrontou a predatória indústria do telemarketing nos EUA e foi até premiado por isso.

Com um respeitável currículo como documentarista, Adam acreditava que não seria tão difícil sentar frente a frente com Sam Altman – possivelmente o maior expoente da tão badalada “revolução da IA” – para entender melhor os impactos dessa tecnologia e sua rápida expansão em nosso cotidiano.

Mas, como dito, ele apenas acreditava. Nos primeiros momentos de Deepfaking Sam Altman, Adam viaja até San Francisco e para em frente à sede da OpenAI, um prédio discreto, sem qualquer menção à empresa. À medida que funcionários saem, ele tenta perguntar se trabalham na OpenAI ou se conhecem Sam Altman, pois gostaria de conversar com o CEO. Ninguém responde objetivamente, o que chama a atenção.

Em conversas com fontes que preferem não se identificar, ficamos sabendo que o trabalho na OpenAI é tratado como algo quase militar, com orientações para não se comentar o trabalho e até o uso de NDAs para garantir isso.

Todo esse obscurantismo leva ao primeiro fato relevante do filme: Sam Altman ignora os pedidos de Adam para uma entrevista. Mesmo com referências de figuras conhecidas do cineasta – e do mercado tech – junto ao CEO da OpenAI, nenhuma resposta é obtida.

O que poderia ser o fim de um projeto para alguns, no entanto, vira uma tremenda sacada para o diretor. Ao assistir no YouTube deepfakes extremamente realistas feitos por uma equipe de desenvolvedores indianos, ele decide viajar até Nova Délhi para um experimento inusitado: recriar Sam Altman utilizando IA.

Detalhe: ele chegou a considerar desenvolver a IA nos EUA, mas foi aconselhado a não fazê-lo por questões de direitos autorais e de imagem. Curioso, não?

Com base em entrevistas em áudio, vídeo e texto, Adam e seus “comparsas” na Índia treinaram e desenvolveram o Sam Bot, um avatar digital que replica a personalidade do CEO da OpenAI. O objetivo: descobrir se uma entrevista com essa réplica sintética poderia ser tão interessante quanto uma conversa com o próprio Altman.

Só o começo

Tudo isso que narrei, na verdade, acontece apenas na primeira meia hora de Deepfaking Sam Altman. O que se segue é uma análise inesperada de como a inteligência artificial pode não apenas se apropriar da identidade pessoal (no caso de Altman), mas também da identidade criativa de um artista. Em diversos momentos, Adam delega sua responsabilidade criativa à IA como forma de lidar com bloqueios de roteirista. E, assustadoramente, o resultado não é ruim.

Boa parte do filme também mostra o desafio de Adam para criar o cenário ideal para a fatídica entrevista com o CEO da OpenAI – chegando a considerar atores famosos, que recusam a proposta assim que descobrem que terão o rosto de Sam colado sobre o deles. Quando ele decide recorrer a atores amadores indianos, sem qualquer capacidade de emular Sam Altman ou falar inglês corretamente, o resultado é hilário.

Quando a entrevista finalmente acontece, Sam Bot não passa de uma animação na tela de um tablet acoplado a um robô. Ainda assim, a cena resulta em um dos momentos mais fascinantes – e assustadores – do filme, com humano e IA debatendo de igual para igual, nos fazendo questionar o quão “pré-programadas” as IAs realmente são.

Em um Q&A após a exibição no SXSW, o diretor comentou que a entrevista com Sam Bot durou quase uma hora (embora no filme o segmento tenha cerca de vinte minutos) e poderia render até um filme à parte, evidenciando o avanço dos modelos de linguagem e levantando questionamentos sobre seus limites.

No fim das contas, uma das principais questões levantadas por Adam é a manipulação. Até que ponto conseguimos manipular a IA e até que ponto estamos nos deixando ser manipulados por ela, a ponto de acreditar que sabe mais ou é mais eficiente do que nós.

“Acho que comecei a acreditar na ilusão, mas só no final do filme, depois de conversar com (a jornalista) Kara Swisher e processar tudo, percebi… será que ele estava me manipulando o tempo todo? Então me dei conta de que o Sam Bot só estava repetindo minhas próprias bobagens para mim. Ele não pensa de forma independente, apenas nos diz o que queremos ouvir”, disparou Adam durante o Q&A.

Onde posso ver o filme?

Tudo isso que mencionei sobre Deepfaking Sam Altman é apenas uma parte das situações e discussões que o longa traz em uma hora e quarenta minutos. Há, por exemplo, um segmento hilário e inesperado filmado na Jamaica, que faz mais sentido do que parece. No entanto, há um problema: o filme ainda não fechou contrato de distribuição nos Estados Unidos – ou seja, não há qualquer previsão de lançamento no Brasil.

Mesmo no SXSW, o filme passou relativamente despercebido em meio à programação repleta de títulos mais mainstream. Em conversas com brasileiros que estavam em Austin para acompanhar as palestras de tecnologia, pouquíssimos sabiam da existência do documentário.

Ainda assim, fica o recado: se Deepfaking Sam Altman aparecer em algum streaming, não perca a chance de conferir. Talvez não mude sua visão sobre IA, pois usa o humor para levantar questões éticas sem aprofundá-las. Mas seu tom certeiro pode fazer a conversa chegar a mais pessoas – e isso, por si só, já é relevante.

P.S. – mesmo com o filme pronto, e com a exibição dele em festivais, Adam Bhala Lough ainda não conseguiu falar com o verdadeiro Sam Altman.