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123Milhas não vai na CPI, mas pede recuperação judicial

Apesar do pedido de recuperação e das demissões, empresa alega estar passando por uma crise momentânea

Avião 123
Avião 123. Crédito: Canva

Desde ontem (28), quando a ministra do STF, Carmen Lúcia, convocou os fundadores da 123Milhas para depor na CPI das Pirâmides Financeiras nesta terça (29), a espera era pelas explicações dos executivos sobre toda a polêmica da última semana, após o cancelamento da emissão de suas passagens promocionais. Entretanto, os representantes da empresa não apareceram. Por outro lado, a companhia entrou com seu pedido de recuperação judicial.

O pedido também se estende a outras marcas que pertencem aos mesmos donos, como a HotMilhas e a Novum, com um valor total de causa estipulado em R$ 2,3 bilhões. No documento enviado à Justiça, a defesa das empresas alega que elas “estão enfrentando a pior crise financeira desde suas respectivas fundações”.

Segundo os advogados da companhia, “nos últimos anos, as vantagens que permitiam a emissão de bilhetes aéreos mais baratos, principalmente aquisições com milhas, vêm diminuindo gradativamente”. Por consequência, o problema também afetou a HotMilhas, que atendia 90% das operações da 123Milhas.

“A 123Milhas se viu impossibilitada de emitir as passagens aéreas, pacotes de viagem e os seguros adquiridos pelos clientes do Programa Promo123, especialmente nos prazos contratados, motivo pelo qual entendeu por bem retirar o Programa Promo123 do ar e buscar, por meio do presente pedido de recuperação judicial, cumprir tais obrigações de forma organizada”, diz um trecho do documento enviado à Justiça.

Apesar do cenário complicado citado no documento, a defesa ainda afirmou que “as requerentes estão passando por uma crise momentânea e pontual, plenamente passível de ser resolvida, de modo que é imperioso o deferimento do processamento e, posteriormente, a concessão de sua recuperação judicial”.

Entretanto, os sinais mostram uma situação menos tranquila. Nesta segunda (28), o Startups apurou que a 123 Milhas demitiu cerca de 100 colaboradores de diversas áreas, incluindo tecnologia, produto, CRM, experiência do usuário, entre outras, e uma lista provisória já está circulando nas redes sociais.

Além disso, a HotMilhas seguiu os passos de sua marca irmã e também suspendeu a emissão de passagens, assim como a compra de milhas junto a clientes.

CPI, só amanhã

Os sócios e administradores da 123Milhas e HotMihas, Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Júlio Soares Madureira, eram esperados para depor hoje na CPI das Pirâmides Financeiras na Câmara dos Deputados. Entretanto, os executivos não compareceram, alegando que tinham outros compromissos com órgãos judiciais e pediram a remarcação da oitiva.

O relator da CPI, deputado Ricardo Silva (PSD-SP), afirmou ao jornal O Globo que a sessão foi remarcada para esta quarta (30). “Se não comparecerem, vamos pedir a condução coercitiva”, afirmou o relator.

A convocação dos empresários para a CPI tem seu fundamento. Segundo especialistas do mercado de viagens, a 123 fez ofertas que não conferem com a prática do mercado – ou seja, vendiam o que não tinham. Segundo um especialista do setor ouvido pelo Startups, companhias só montam suas malhas com cerca de 330 dias de antecedência.

O que isso quer dizer: ao vender pacotes ou passagens 12 ou 24 meses antes da emissão das passagens, estas empresas estão vendendo o que de fato não tem. Ao fazer essa aposta arriscada, a 123Milhas sofreu o revés dos aumentos das passagens das companhas aéreas nos últimos meses, chegando, enfim, ao cancelamento de emissões. “Foi uma jogada de fluxo de caixa que não deu certo porque os preços das passagens aumentaram”, afirmou a fonte, que preferiu não se identificar.

O buraco é mais embaixo

O imbróglio da 123Milhas e da HotMilhas pode ser o começo de algo mais complicado, afetando todo o comércio de passagens e milhas. Segundo advogados do setor, uma possível investigação no modelo de negócios da 123 pode ser o começo do fim para este mercado.

Em entrevista ao portal Panrotas, o CEO da LATAM, Jerome Cadier, afirmou que o modelo de milhas e pacotes flexíveis (vendidos por empresas como o Hurb), é uma “loteria que tem de ser evitada”. “Como confiar em uma empresa cuja principal atividade depende de fazer os clientes burlarem as regras dos programas de fidelidade?”, disparou Jerome.

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) também comentou sobre a situação, afirmando que players como a 123Milhas criaram um mercado paralelo que gera distorções onde todos perdem. “Os transtornos recentemente noticiados pela imprensa exemplificam o risco de se adquirir uma promessa de passagem sem estar relacionada à oferta oficial das companhias aéreas”, afirmou a entidade em nota.

Os impactos dos últimos dias também chegaram à MaxMilhas, que anunciou nesta terça que vai parcelar em três vezes os pagamentos de milhas para os usuários. Procurada pela reportagem, a empresa afirmou que fez esta mudança após “decisões isoladas tomadas pela 123Milhas“.

“Apesar de termos sócios em comum, fomos surpreendidos pelas decisões isoladas tomadas pela 123Milhas recentemente, assim como todo o mercado. Mesmo com operações independentes, tais decisões estão se refletindo em nosso negócio e, também, no setor, gerando uma escassez de acesso à capital de giro no mercado”, explicou a empresa, em comunicado.