Negócios

4 unicórnios que estavam no topo e fracassaram em suas jornadas

Nenhuma empresa é grande demais para falhar. E para quem está no topo, a queda acaba sendo ainda mais profunda

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Foto: Startups.com.br

Nenhuma empresa é grande demais para falhar – a não ser que você seja um banco e ofereça risco ao mercado por ter sido “ousado” demais em suas operações, mas isso é um outro papo. E para quem está no topo, a queda acaba sendo ainda mais brusca e profunda. No mundo das startups, é difícil encontrar uma companhia que não sonhe em ser avaliado em mais de US$ 1 bilhão e fazer parte do seleto grupo de unicórnios.

O título vem, muitas vezes, acompanhado de prestígio: o exemplo a ser seguido, o case de sucesso e a concretização de um trabalho bem feito. Uma profecia autorealizável. “Por muito tempo, no mundo dos negócios, o mantra ‘too big to fail’ foi levado a sério: a partir de um determinado tamanho, as startups ganhavam mais e mais confiança dos investidores – levando a um cenário de confiança cega, com outros players seguindo aqueles que já haviam aportado”, escreveu Victor Marques, head de conteúdo e investidor de startups da CapTable Brasil, no blog da StartSe.

Mas posso dizer uma verdade? Ser um unicórnio NÃO torna uma startup infalível. E 2022 tem sido um bom ano para provar esse ideia. Com o aumento das taxas de juros, incertezas políticas e questões macroeconômicas, o ecossistema tem vivido um período turbulento marcado por queda de valuation e demissões em massa em empresas de alto crescimento, como Loft, Ebanx, 99, Loggi, VTEX e Facily. Até as Big Techs, que pareciam imbatíveis, sofreram.

“Observar os erros que levaram startups consolidadas ao fracasso é uma maneira de empreendedores evitarem de repetir os erros em seus próprios negócios”, afirma Victor. “Se esses erros conseguiram derrubar negócios capitalizados e com valorizações astronômicas é fácil imaginar o que causariam em startups mais iniciais.”

Nossos amigos na StartSe selecionaram 4 unicórnios que estavam no topo e falharam por diferentes motivos em suas trajetórias. Veja, a seguir, a quem são eles:

Evernote

Fundado nos Estados Unidos em 2004, o Evernote conquistou o mundo com seu aplicativo de anotações e gerenciamento de tarefas. A startup alcançou o status de unicórnio em 2012 graças a uma série D de US$ 70 milhões. Com a rodada, a companhia já somava US$ 166 milhões captados desde a sua fundação.

Na época, o TechCrunch informou que o Evernote nem precisava da grana. “A empresa ainda tem grande parte dos US$ 96 milhões que arrecadou até o momento no banco, além de mais de um milhão de clientes pagantes de seus mais de 25 milhões de usuários. Mas agora o Evernote terá dinheiro para se isolar das condições de mercado de curto prazo. A Série D financiará a expansão internacional, aquisições estratégicas, desenvolvimento de contas comerciais e contratação de desenvolvedores, designers, perguntas e respostas e suporte”, disse a reportagem.

Mas as coisas começaram a desandar alguns anos depois. Segundo a StartSe, a razão para a falha do Evernote foi a falta de foco. “Desde a aquisição dos usuários, passando pelo desenvolvimento de produtos de nicho e funcionalidades que não importavam e, por último, não definir um perfil de cliente ideal e não encontrar um product-market-fit, ou seja, entender em que segmento do mercado o produto se encaixava – antes de escalar”, afirma Victor.

Ele ressalta que a perda de visão veio quando a pressão de investidores por crescimento fez o Evernote “atirar para todos os lados e crescer na direção incorreta”. Embora o modelo de negócio freemium tenha atraído milhões de usuários na oferta gratuita, o engajamento não era suficiente para consumir os serviços pagos. “A Evernote tentou criar um produto que atendesse todo mundo, sem focar em um tipo de usuário – isso levou a uma crise de identidade da marca e estagnou o produto.”

Zynga

Essa desenvolvedora de games estadunidense chegou no auge de sua popularidade por volta de 2010, quando lançou o jogo Farmville no Facebook. Fundada em 2007 nos Estados Unidos, a Zynga registrou mais de 80 milhões de usuários com o game – cerca de 20% de toda a base do Facebook na época, de acordo com o jornal britânico The Independent.

No IPO em 2011, a Zynga arrecadou US$ 1 bilhão, no que foi considerada a maior abertura de capital de uma empresa de internet desde que o Google levantou US$ 1 bilhão em 2004, de acordo com a Veja. Segundo dados do Crunchbase, a Zynga levantou mais de US$ 2,3 bilhões ao longo de sua trajetória.

O que prejudicou os negócios, de acordo com o especialista da CapTable, foi que a Zynga ficou dependente de apenas uma plataforma e em uma tecnologia que estava caminhando para seu fim. “O jogo, popular no Facebook, era desenvolvido para Flash, tecnologia da Adobe que ficou obsoleta – especialmente após a Apple barrar o plugin de rodar em iPhones”, explica Victor. A startup também demorou para se adaptar às outras plataformas e apostar no mercado de games para smartphones.

“O crescimento da App Store e Play Store também monopolizou a maior parte da atenção dos usuários em busca de jogos casuais. E a Zynga demorou a perceber e se adaptar à nova realidade. Embora ofereça seus jogos nas lojas de aplicativo, perdeu o timing da virada e caiu no esquecimento”, completa Victor.

Em busca de novas oportunidades de crescimento, a Zynga foi adquirida pela Take-Two Interactive, desenvolvedora e distribuidora de jogos que publicou a franquia Grand Theft Auto (GTA), por US$ 12,7 bilhões. Segundo a CNN, as ações da Zynga subiram quase 45% nas negociações do mercado no dia do anúncio em janeiro de 2022, e as da Take-Two caíram cerca de 15%.

Powa Technologies

Diretamente da Inglaterra, a Powa Technologies foi uma empresa de soluções para o para integrar o mundo do comércio físico ao digital. A startup foi fundada em 2007 por Dan Wagner e, em 2013, recebeu um cheque série A de US$ 76 milhões. Na época, a companhia não revelou o valuation exato, mas disse que estava na casa das centenas de milhões de dólares.

Em junho de 2014, a Powa adquiriu a MPayMe, de Hong Kong, e sua tecnologia ZNAP. Após a aquisição, a startup se auto-intitulou unicórnio e anunciou que seu valuation já rondava os US$ 2,6 bilhões. A startup chegou a dizer que tinha contratos com 1.200 negócios, mas estes não passavam de cartas de intenção.

“A falta de conhecimento na hora de buscar investimento foi o que levou a startup à ruína”, analisa Victor. “Com o empréstimo, ela ficou sujeita a uma cobrança repentina do credor, o que aconteceu: de repente, o maior investidor da Powa Technologies, Wellington Management, cobrou 42 milhões de libras emprestadas para que fossem pagas até o final de 2013.” A startup entrou em processo de falência.

Além da falta de aviso sobre a cobrança da dívida, a Powa tinha gastos desmedidos que pioraram a situação. “A startup ocupava dois andares da Heron Tower, o maior arranha-céu de Londres na época – uma localização premium, incompatível com uma startup em seu princípio. Segundo o documento da Deloitte, somente o aluguel custou 6 milhões de libras em três anos”, pontua Victor.

Theranos

A Theranos foi de sucesso com investidores a caso de polícia e virou até série premiada no Emmy Awards. Fundada em 2003 por Elizabeth Holmes, a startup operava como um laboratório de exames de sangue e prometia ter desenvolvido uma tecnologia para fazer testes com rapidez e precisão coletando poucas gotas de sangue.

Em menos de 10 anos, a startup já estava avaliada em cerca de US$ 10 bilhões e a empreendedora era considerada líder revolucionária. O problema era que a solução tida como revolucionária não se passava de uma falácia. Em 2015, o The Wall Street Journal publicou uma reportagem investigativa e revelou que um pequeno número dos testes era realmente feito com algumas gotas de sangue, e que a maioria seguia o modelo tradicional de coleta – no braço e em tubos de ensaio.

“O fim da história foi a queda brusca do valor de mercado da Theranos e sua posterior dissolução. Ações judiciais, denúncias e até mesmo acusações criminais levaram a empresa ao seu fim – a fundadora foi considerada culpada de quatro crimes: três acusações de fraude e uma de conspiração para fraudar investidores”, explica Victor. Em janeiro de 2022, Holmes foi considerada culpada e sentenciada a 20 anos de prisão.