Transformação define os últimos meses na vida de Ingrid Barth. A co-fundadora e COO do banco digital para pequenas e médias empresas Linker vendeu a empresa para a plataforma SaaS de gestão Omie por R$120 milhões em novembro do ano passado, enquanto estava na contagem regressiva para a chegada de Maya, sua primeira filha.
Workaholic assumida e apaixonada pelo universo de fintechs, a empreendedora continua a mil por hora em sua nova fase, como mãe e líder, no novo momento da startup que fundou.
Além de continuar atuando no Linker, que permanece como uma unidade de negócios independente dentro da Omie, Ingrid também tem uma série de outras atribuições. Ela é vice presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), representa a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) no comitê de Open Banking no Banco Central, e é membro do Comitê de Jovens Empreendedores na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
Em um papo com o Startups, Ingrid falou de assuntos como a vida pós-exit, maternidade, a importância de redes de apoio e como é ser uma referência. Confira, a seguir, os melhores momentos da conversa.
Como está a vida pós-fusão, e a sua rotina hoje em dia?
Continua bem igual, pra ser bem sincera. Apesar de a gente ter se juntado com a Omie, o time do Linker continua trabalhando como antes. Acredito que isso ajuda bastante nesses primeiros meses, até para a gente saber navegar direito na nova estrutura.
Seguimos como uma marca separada, até porque a parte de atendimento e experiência precisa ser separada de qualquer forma, por questões até de sigilo bancário. É muito mais uma questão de continuar focando na operação. A gente pode se concentrar em fazer nosso trabalho. Me sinto muito otimista e acho que [a venda] foi uma decisão super acertada.
O que você aprendeu até agora sobre o Marcelo [Lombardo, fundador e CEO da Omie] desde que vocês começaram a trabalhar juntos?
O Marcelo é um visionário e tem uma energia inacreditável. Estar próxima dele é, basicamente, beber todos os dias dessa fonte de energia. Ele acredita muito no que faz e trabalha pra caramba: ele sabe absolutamente tudo o que acontece na empresa, tem os números na ponta do lápis, de cor. Sim, ele é uma máquina.
Um ponto interessante nisso tudo é que eu sempre fui muito workaholic. Às vezes, você fica se questionando se [trabalhar desta forma] está certo ou não. Mas a coisa muda de figura quando você vê outros empreendedores, pessoas que você admira, que chegaram em lugares em patamares muito legais e sentir que o comportamento é similar.
Sou uma pessoa super agitada, mas mesmo assim, tem dias e dias. Às vezes, você acorda querendo buscar auto-motivação, mas fica mais difícil. É bom ficar perto de pessoas que te energizam – e o time da Omie sempre está muito positivo, energizado, e muito acelerado. Eu gosto bastante dessa pegada.
Enquanto o due diligence da venda do Linker estava sendo feito, você estava no fim da sua gestação e tinha uma recém-nascida para cuidar no pós-deal. Como a cultura workaholic conversa com um momento como esse?
Não conversa, né? Fui tocando um dia de cada vez, extremamente cansada. No finalzinho, nas três últimas semanas, a gente ainda estava no processo de due diligence e meu sócio [David Mourão, CEO do Linker] me ajudou muito. Ele ficou mais feliz que eu quando soube que eu estava grávida, e foi uma das primeiras pessoas para as quais contei a novidade.
David foi muito parceiro, muito empático durante todo o processo. Mas mesmo assim, tinha muita coisa para acontecer, entregar e muito que eu precisava fazer. Brinco que a Maya queria muito nascer: dormi mal, comi mal, tive uma gestação que não foi muito tranquila, mas ela nasceu super bem.
Olhando para trás, você teria mudado alguma coisa neste processo?
Na verdade, eu não achava que seria mãe. Minha gravidez aconteceu logo após um período muito traumático. Em dezembro de 2020, perdi uma das pessoas que mais amava, que era a minha tia. Dois meses depois, em meio a um tratamento para um stress pós-traumático, descobri que estava grávida.
Além disso, fiquei muito impactada com a pandemia, tocar a empresa de forma remota. Sempre fui muito agitada, sempre gostei muito de sair, e ficar presa em casa no fim do ano passado foi muito difícil. Então tudo o que aconteceu depois, a chegada da Maya, a venda da empresa, foi uma renovação de esperança, de energia, de possibilidades. Por estes motivos, eu não teria feito nada de diferente.
Depois da venda do Linker, você sente que houve alguma mudança na forma que te tratam no ecossistema?
Para ser sincera, sei que isso acontece, colegas de exit já me relataram essa mudança. Mas não sinto que as pessoas me tratam diferente. Não sei se isso tem a ver com o fato de que sempre fui cara de pau e nunca pedi para ser aceita.
O que começou a acontecer foi que eu comecei a ser mais procurada, por exemplo, para ser investidora anjo, e estou começando a dar os meus primeiros passinhos nessa frente [Ingrid ingressou em três grupos de anjos: a Investidores.vc, a FEA Angels e a Sororité].
Já investi em quatro startups, sendo que três delas são fintechs e uma delas, a Kultua, tem foco em cultura organizacional. Destas quatro, três foram fundadas por mulheres.
Ser sinônimo de uma história de sucesso aumenta o peso da responsabilidade?
Muito. Sempre falo que para ser referência, é preciso tomar muito cuidado. Vejo no mercado de empreendedorismo muita gente batalhando todos os dias para ser reconhecido, e isso tudo gera uma imagem que sinto que é um pouco perigosa. É preciso ter muita responsabilidade por aquilo que você faz, por aquilo que você fala.
Você não pode deixar as pessoas achando que elas estão fazendo tudo errado na vida delas. Fala-se muito de startups, esse lado mais glamouroso que existe do empreendedorismo. E aí muita gente que é CLT se questiona se não deveria ser empreendedor. Já conversei com várias pessoas que estavam muito frustradas, por acharem que tem alguma ideia interessante, mas não conseguem [empreender] porque tem três filhos, e precisa do plano de saúde da empresa, do salário que sustenta a família, por exemplo.
Empreender não é pra todo mundo. E assim como a gente precisa dos empreendedores, precisamos também de quem quer trabalhar em bancos, em empresas de várias indústrias, desempenhando outras funções. Ter esse cuidado na hora em que se está fazendo uma palestra ou falando com as pessoas, é essencial quando se quer virar referência. Não dá para você aplicar uma fórmula pronta e é preciso ser empático, tomando cuidado com o que se diz, para não destruir a vida de ninguém.
Além do empreendedorismo não ser para todo mundo, mulheres são atravessadas por diversos desafios, como conciliar a maternidade com os negócios, acesso a capital, entre outros. Em relação ao ambiente de startups, e tendo em vista estas várias dificuldades, o que pode ser feito para aumentar a representatividade feminina no ecossistema?
Redes de apoio, com certeza. Enxergar a maternidade de outra forma. Eu mesma tinha preconceitos: achava que depois da gravidez minha vida profissional acabaria, e na verdade não é assim.
Ser um apoio para outras mulheres é muito importante, se mostrar aberta para outras empreendedoras – independente se elas optaram por serem mães ou não – é essencial. Se mostrar pronto a ouvir e tentar ajudar essas empreendedoras de alguma forma pode ajudar a fazer com que essa construção aconteça um pouco mais rápido.
Você pensa em empreender novamente no futuro? Em qual área?
Ainda tenho muito a fazer junto com a Omie. Tudo aconteceu muito rápido – foram três anos da fundação até a venda, e o Marcelo está há quase dez anos nessa jornada. Há muito a fazer e a aprender, com muita humildade. Sempre lembro que tenho muitas coisas para aprender, em áreas como gestão. A maternidade também tem me ajudado a desenvolver um outro olhar em relação ao ser humano, mais paciente, empático e flexível.
Temos muitos projetos interessantes para o universo de pequenas e médias empresas a lançar neste ano e no ano que vem. Tocar tudo isso com o apoio e suporte da Omie, que tem pessoas super apaixonadas por este propósito, é muito animador. Ainda há muito a fazer, mas quando o assunto é empreender novamente, eu amo fintech – e não sei fazer outra coisa.
Raio X – Ingrid Barth
Um fim de semana ideal tem…um pouco de sol, uma ida à uma padaria, que não precisa ser chique, para tomar um café da manhã maravilhoso, e depois uma viagem para o interior, ou para a praia.
O livro que estou lendo no momento é: “Exilados da Capela”, de Edgard Armond. Sou muito interessada em ciências ocultas e espiritualidade.
Algo que está na minha bolsa e não vivo sem: meus fones de ouvido.
Uma música favorita: Sou muito devota de São Jorge – e também da música “Pra São Jorge”, de Zeca Pagodinho
Como gosto de relaxar: Vendo memes que me façam rir, no Instagram. É preciso achar graça em algum lugar, para a vida ficar mais leve.