* por Carolina Frederico, especial para o Startups
Radicada na Noruega, Luana Ozemela, PhD, não é apenas uma mulher com grandes conquistas, mas também dona de muitas realizações. Entre as recentes iniciativas da economista gaúcha, CEO da consultoria DIMA Ventures Lab, estão a criação do PreCapLab e da BlackWin –iniciativas que podem ser consideradas divisores de águas no que diz respeito à colocação de empreendedores e investidores negros na indústria financeira.
No PreCapLab, programa de aceleração para founders negros, o objetivo é minimizar o viés sistêmico inerente ao mundo de investimentos, desbloqueando maiores retornos para os investidores e oferecendo um processo de captação de recursos menos traumático para os empreendedores negros. A BlackWin, lançada hoje (25), Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana, Caribenha e da Diáspora em um evento online, é a primeira plataforma de investidoras-anjo negras do Brasil, com o objetivo de investir R$ 100 mil por rodada, em aportes que podem ser alavancados por aliados e coinvestidores.
Em entrevista exclusiva ao Startups, durante o coquetel de encerramento da primeira edição do PreCapLab, Luana contou um pouco sobre sua trajetória pessoal, além de explicar como o “capital relacional” é fundamental para a questão da equidade racial. Veja, a seguir, os melhores momentos da entrevista.
O que você pode dizer a seu respeito e a respeito da sua vida que não está no press release? Como você chegou até aqui?
Uma coisa que talvez as pessoas não saibam é que a questão da mobilidade ascendente da população negra é uma herança de família. O desejo e o anseio vêm de família. Eu venho de uma família de ativistas do movimento negro gaúcho, e a coisa que me mais me incomodava desde criança era ver as pessoas negras de, forma geral, de uma maneira que eu não me orgulhasse. E era uma dor.
A primeira coisa que eu fiz foi tentar me colocar naquela posição da qual eu me orgulhasse, para depois tentar empoderar outros. O único caminho que eu encontrei foi o da linguagem do capital, do dinheiro, para poder fazer isso.
Em que exato momento você teve esse insight, se existiu um momento?
Sim, teve um momento que eu não me esqueço até hoje. Eu tinha voltado de uma passeata em prol das cotas raciais, uns dez anos antes da Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012), quando eu li em um jornal uma reportagem de um jornalista branco, falando sobre por que as cotas raciais iriam ser prejudiciais para a economia. Eu não entendi nada, nenhum daqueles argumentos. Eu achei que o que ele estava falando era convincente, mas eu não entendia essa linguagem. Então eu pensei: eu quero essa linguagem, porque eu vou usá-la de maneira muito mais poderosa e convincente.
Em que ano você se formou e como você foi morar fora do país?
Eu me formei em 2003 [em Economia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Já tinha muita vontade de estudar fora e sempre fui autodidata em inglês, um pouco por causa do meu pai, que colocou essa sementinha. Meus pais são funcionários públicos, aposentados, e muito disso me levou a olhar para fora e a querer adquirir essa linguagem de uma maneira mais poderosa, porque lá nos Estados Unidos já era sabido que Economia estava sendo usada para julgar casos de racismo –e ganhar estes casos–, então eu queria conhecer mais isso.
Em 2006, eu consegui uma bolsa de estudos para fazer um mestrado em Desenvolvimento Econômico e Análise de Política Econômica, na Universidade de Southampton, na Inglaterra. Depois disso o governo escocês me deu a bolsa pra fazer doutorado em Economia da Discriminação Racial, no meu caso, do Brasil, na Universidade de Aberdeen. Foi então que eu me consolidei e pensei: OK, eu tenho o conhecimento necessário para influenciar política pública, influenciar política financeira…
Como toda essa trajetória te traz ao dia de hoje? O que esse evento de graduação da primeira turma do PreCapLab representa?
O PreCapLlab é fruto de uma construção de muitos anos. Em 2012, quando eu trabalhava no Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, eu já tinha lançado o primeiro programa de apoio a afro-empreendedores em toda a América Latina.
Durante esse programa, eu me dei conta de que não existia algo que poderia suprir todas as lacunas em termos de aceleração e apoio relacional para os empreendedores negros. Até em termos de pertencimento –nos grandes programas disponíveis não existiam pessoas negras, então sempre acabávamos caindo no problema dos vieses.
A partir daí, eu comecei um movimento para estruturar um fundo de investimento e financiamento para empreendedores negros no mercado de capitais, mas eu não tive muito sucesso. O meu baixo sucesso veio do fato de que como eu trabalhava na área do setor público, eu precisava que os governos quisessem fazer, porque são empréstimos para governos. então se esses governos não querem fazer, você não tem como forçar.
Apesar de ter pessoas lá dentro querendo fazer a mudança, o assunto sempre caía nas mãos de políticas pública e dos tomadores de decisão que não estavam realmente interessados nessa temática.
Eu acabei olhando para o setor privado e desenhando o programa Inova Capital. Com ele, aprendi muito sobre a importância de se ter programas desenhados por pessoas negras, para pessoas negras no mercado de investimentos –e sobre como é imprescindível que essas pessoas negras e outras pessoas na indústria de investimento doem seu capital relacional. Não basta só dizer “é assim que tu tem que preparar o seu pitch”. Precisa doar o seu contato, ser generoso e fazer aquela apresentação, dar a indicação. É dar a sua cara para bater e dizer “eu confio nesse empreendedor, ele tem potencial. Dê a ele uma chance”.
O que você espera dessa primeira turma?
Essa turma inaugural é a vitrine! Vai assegurar que o programa continue e que a gente consiga criar um precedente de altíssima qualidade, que realmente decodifique essas complexidades. E que realmente elimine essa assimetria de informação e esse desequilíbrio de poderes que existe hoje na indústria de investimentos. A expectativa é muito grande em relação a essa turma.