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5 minutos com: Marcelo Furtado, CEO, Convenia

O CEO da HRtech falou com o Startups sobre sua trajetória, a pressão por virar unicórnio, diversidade no ecossistema e mais

Marcelo Furtado, Convenia
Foto: Startups

A carreira de Marcelo Furtado, CEO da Convenia, nunca foi linear. Nascido em Bauru (SP) em uma família de médicos, até pensou em seguir esta tradição, mas acabou optando por administração de empresas. Depois de uma passagem pela Ambev como trainee, foi empreender pela primeira vez: tentou criar uma usina de biodiesel com Rodrigo Silveira, que anos depois se tornaria seu sócio novamente. Por falta de experiência, a dupla concluiu que o negócio não iria para a frente e ambos voltaram para o mercado.

Marcelo então construiu uma carreira ao longo de quase uma década no mercado de investimentos, e em 2012 decidiu empreender. Os astros se alinharam e junto com Rodrigo e Anderson Poli fundou a Convenia, que desenvolve soluções com foco em otimização de tempo e custos para o setor de recursos humanos em pequenas e médias empresas. A empresa fechou 2021 com faturamento na casa dos R$20 milhões, mais de 150 colaboradores, cerca de 3 mil clientes no portfólio e 120 mil usuários utilizando a plataforma.

Em um papo com o Startups, Marcelo falou sobre sua trajetória como empreendedor, sua visão sobre unicórnios e o mercado de investimentos, equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, e diversidade no ecossistema. Leia, a seguir, os melhores momentos da conversa.


Você já tinha tido uma primeira experiência frustrada como empreendedor antes da Convenia. Como aconteceu o seu retorno ao empreendedorismo?

Minha personalidade é de baixar a cabeça e trabalhar para entregar valor onde eu estiver, e isso me fez ficar oito anos no mercado financeiro. Também pensei que era muito importante construir ciclos na minha carreira. Comecei a refletir sobre as janelas para empreender na minha vida e concluí que seriam três: uma ao sair da faculdade, que foi o que eu fiz. Como eu não era ninguém e não tinha dinheiro, era um risco enorme, mas também não tinha nada a perder.

A outra janela viria mais ou menos no meio da carreira, com mais conhecimento técnico e um certo networking. Não teria um dinheiro absurdo, mas já teria ao menos algo para sobreviver por seis meses, um ano. A terceira janela seria depois, quando eu estivesse super estabelecido no mercado, talvez com muito mais dinheiro, mais conexões, para montar um negócio muito mais certeiro. Comecei a refletir sobre isso e a preparar essa segunda janela, justamente quando eu já tinha casado mas ainda não tinha filhos. Economizei para fazer uma bola de meia e empreender tranquilo, não ficar desesperado para ter que tirar recursos de algum lugar.

Decidi me desligar de onde estava em 2012 e fiquei maturando ideias. Esse processo foi muito curioso, pois para seres humanos, é difícil ficar em uma incerteza muito grande: é muito tentador sair de um lugar e ir para outro. Claro que ajustei meu estilo de vida para poder fazer isso, e também é importante ter círculos estáveis na vida, o profissional e o pessoal. Se você vai desestabilizar um deles, os outros tem que estar bem. Minha família estava muito legal, eu tinha minha reserva e era hora de desestabilizar o profissional.

Comecei a fazer almoços com amigos antigos, inclusive com o Rodrigo, que tinha sido meu sócio na empresa de biodiesel. Ele também tinha pedido demissão e estava super insatisfeito. Ficamos junto seis meses sem fazer nada, mas nos reuníamos todos os dias, ventilando ideias de negócio, desde vender picolé na praia até montar foguetes. Ter uma pessoa na mesma situação ajudou muito.

Sempre programei e gostei muito de tecnologia, então a nova ideia de negócio tinha que ser neste espaço. Queríamos algo ligado ao mercado B2B, e resolver algo que tivéssemos sentido na pele. Chegamos à conclusão que a razão que estávamos insatisfeitos com nossas carreiras, que iam muito bem, era muito por conta da gestão inexistente de pessoas, que era muito mais ligada à burocracias. Decidimos então montar um produto que juntasse tecnologia com gestão de pessoas e foi daí que surgiu a Convenia.

Sua empresa já tem mais de dez anos de estrada. Existiu, ou ainda existe, alguma expectativa ou pressão para que a Convenia se tornasse um unicórnio?

Penso que virar unicórnio está baseado muito mais no valuation do fundo, do que na receita da empresa. Para mim, é uma métrica bem artificial, levantar R$ 100 milhões num valuation de R$ 1 bilhão e se tornar um unicórnio. Nunca perseguimos esse caminho porque não queríamos os R$ 100 milhões, e sim ir testando devagar, sentir o mercado. Considerando o tempo das empresas de tecnologia, dez anos é muito tempo. Eu tenho consciência disso.

Lançamos a primeira versão do nosso produto em janeiro de 2013, e em março de 2014, nossa receita era R$ 3mil por mês. Era muito menos do que um estagiário ganhava no fundo que eu trabalhava. Foi muito sofrido. Nosso caminho foi muito mais como o da cabra da montanha, do que um caminho de foguete que habita no imaginário popular. Lá no começo, eu pensava o tempo todo: será que isso existe, eu fiz loucura, só eu acreditei nessa história? E todo dia tentava mudar o produto, indo para reuniões de vendas, tentando vender e não conseguindo, naqueles 16 meses iniciais.

Acho que o processo teria sido mais rápido se eu tivesse levantado pelo menos R$ 100 milhões. Eu teria contratado um monte de gente, testar várias ideias, sair com uma em três meses e desligar as outras. Demoramos dois anos para lançar um segundo produto e quatro anos para lançar um terceiro. Mas a gente põe a mão na lama, não queríamos só fazer um software bonitinho pro RH. A gente quer resolver o departamento pessoal, a folha, a admissão. Acho que isso fez com que construíssemos um produto muito mais real, embora tenha sido um processo lento, sofrido. Tudo tem seu custo.

Sua rodada mais recente aconteceu no segundo semestre de 2020. Vocês estão buscando capital adicional, como está sendo o processo?

Temos uma visão um pouco diferente em relação a investimento. Lá em 2013, comecei a reparar que tinha muito empreendedor levantando dinheiro e legal, estavam aproveitando uma situação de mercado, mas para mim, o empreendedor tem que ser um vendedor do seu negócio. Eu queria me dedicar me a operação.

Você poderia levantar milhões, chegar à condição de unicórnio, de contratar 10 mil pessoas e aí ver onde poderia chegar. A gente não queria essa pressão – muito menos pela pressão em si, mas muito mais pelo foco em tentar construir um negócio real, mesmo que demorasse mais. Para um fundo de investimento, trata-se de uma aposta: se nove derem errado de dez, ótimo, uma deu certo. Para nós, a nossa vida e do nosso time está aqui. Estou trazendo pessoas de outras empresas, tenho uma responsabilidade.

Sempre fomos uma empresa que procurou pouco recurso. Estamos em conversas com investidores o tempo todo e a gente acha que o dinheiro de rodadas é muito bom para crescer mais rápido, desde que [os investidores] tenham a nossa cultura. A gente sempre está na rua, mas nunca está numa pegada de “preciso de dinheiro para sobreviver”.

Se a gente encontrar um investidor que tenha a mesma cabeça que a gente, beleza, mas isso é muito difícil. Encontramos isso na Crescera e em outros também. Não precisamos demitir uma pessoa sequer por causa da pandemia, por exemplo, nem mesmo a copeira do escritório, que está com a gente até hoje, mesmo com todo mundo no remoto. Podemos até demitir se mudarmos de estratégia, mas não vamos desligar ninguém por motivos como falta de caixa ou de planejamento.

O que sentimos de um ano para cá é uma mudança muito grande no perfil dos investidores. Antes, tínhamos mais dificuldades [em captar recursos], justamente por causa desse nosso perfil. Os fundos chegavam a dizer, eles não crescem rápido o suficiente – dobrar a receita todo ano não era rápido, no entendimento deles o mínimo esperado era triplicar. A gente não é assim, não estou rasgando dinheiro. Não peguei 100 milhões, mas estou crescendo e gerando caixa. Agora, os fundos começaram a valorizar isso.

Em 2015, publiquei um artigo com um título polêmico, que é “Por que só um imbecil tentaria ser um unicórnio no Brasil? (tente ser um Camelo)”. Neste artigo, relato essa nossa cultura e estratégia de não levantar muito dinheiro, porque em algum momento esse capital vai acabar e as empresas vão começar a quebrar, porque o dinheiro não é eterno. Agora, a gente está vendo uma mudança de cultura dos fundos e percebendo que temos até mais entrada com eles. Estamos de olho em algumas oportunidades, mas tem que fazer sentido. Se não fizer, tudo bem, a gente continua crescendo com capital próprio.

Você sente que riu por último?

Não. Tomo muito cuidado com isso, porque não se trata de uma disputa. Hoje acho que o título do meu artigo de 2015 foi infeliz, porque acabou sendo rotulado como [se o argumento fosse que] um lado é melhor que o outro. Não acho que a gente se deu melhor. Minha vontade era que ninguém precisasse ser demitido nunca, de nenhuma empresa.

Acho que [o modus operandi de unicórnios] tem a ver com um jogo, uma cultura diferente. Está errado? Não. O que eu acho é que o jogo precisa ficar muito bem alinhado para todos os participantes. O meu time sofre muito, porque a gente vê as coisas [no ecossistema], o amigo que anuncia no jornal, a empresa que levanta R$ 500 milhões. A gente sofreu com isso, mas todo mundo aqui sabe o jogo que estamos jogando, que é de uma empresa real, com receita.

Sobre quem está no outro jogo, é preciso ter clareza, [saber] que em algum momento eu posso ser demitido, porque metade da empresa foi demitida, por exemplo. E tudo bem. Acho que são jogos diferentes, e que não conseguiria estar naquele outro jogo. E também acho que certos fundos não conseguiriam jogar o meu jogo. Mas se há players disponíveis para os dois jogos, ótimo.

De que formas a vida empreendedora cobra um pedágio na sua vida pessoal e como você lida com isso?

Se algum dos outros círculos além do trabalho estiverem desestabilizados, é muito difícil, porque [o empreendedorismo] chacoalha bastante a vida. Por outro lado, eu sempre construí a empresa que me propiciasse a vida que eu gostaria de ter.

Com seis meses de Convenia, tive minha primeira filha. Muita gente me perguntava se eu era maluco, ter uma filha em meio à fase inicial de um negócio, mas as duas coisas não tem correlação. A minha família é muito mais importante para mim do que a empresa: por exemplo, conto em uma mão quantos dias saí do escritório depois das 19h, levo minha filha na escola quase todos os dias, desde que ela tem seis meses de idade. Eu não quis sacrificar a mim mesmo e minha família para que o negócio prosperasse, e essa é uma cultura que eu trago para a empresa inteira.

Muitas vezes, se alguém me manda algo tarde no Slack ou no chat, digo que podemos conversar no dia seguinte pela manhã. Quando estávamos no presencial, tinha gente que pedia pizza no escritório e continuava a trabalhar, e eu dizia que ninguém ia fazer isso. Se a gente quer comer pizza, vamos na pizzaria. Tiramos a sala de videogame do escritório porque o pessoal jogava e depois ficava trabalhando até tarde. Eu repudio essa cultura, esse estigma de que uma empresa tem que ter expedientes das 8h às 23h para dar certo, essa vida em que você não tem férias. Eu tirei férias em todos os anos da minha vida de empreendedor. Se o fundador não faz isso, como o time sente que pode fazer?

Emocionalmente, claro que empreender é uma jornada de montanha russa. Acordo rico e durmo pobre – ou o contrário, todos os dias. Mas você escolhe o caminho que você vai ter quando constrói uma empresa. Você não escolhe só o produto, a forma de vender, mas também a cultura da empresa. Se você quiser trabalhar até meia noite é uma escolha que vai atrair pessoas que também curtem isso. Eu não curto.

Também acho importante ter outras atividades no círculo pessoal, um hobby ao qual você se dedique – o meu é tiro olímpico, tenho até a pretensão de um dia ir para uma Olimpíada como atleta. Dedicar tempo a outras coisas é essencial para ter uma válvula de escape. Na verdade, meu caminho foi inverso nessa questão, para que [empreender] não tivesse um custo muito alto, além do que já tem.

Você tem várias atribuições além da Convenia, é mentor na Ace, no Google for Startups e também é professor. Qual é a sua motivação para fazer tudo isso e como você equilibra estes pratos?

Sempre sempre gostei de dar aulas, e a oportunidade na ESPM foi incrível para mim, porque me força a evoluir, estudar mais. Trocar com as turmas realmente é uma atividade intelectual, que é uma das coisas que eu mais gosto. Sobre mentorias, sempre fui muito ajudado por mentores e acho que a carreira de um fundador de startup é muito pautada por quem você escolhe como mentores ao longo do caminho. Por isso, reservei um tempo para me dedicar a estas atividades.

Em certo momento, percebi que [a maioria dos] fundadores tinham meu perfil e passei a dedicar mais tempo para fundadoras [entre as mentoradas de Marcelo, está Tatiana Pimenta, da Vittude] e busquei me aproximar de organizações como a B2Mamy, que acho um projeto incrível. Acho que eu sou até mais útil nestes lugares ao compartilhar minha experiência e conhecimento. Toda mentoria é incrível. Tenho uma pasta no meu Evernote só com insights das mentorias, é algo que me alimenta tanto intelectualmente quanto emocionalmente. Por isso, o equilíbrio dos pratos sempre acontece com muita tranquilidade. É preciso também saber das prioridades e ser disciplinado em relação a elas.

O fato do seu perfil ser predominante no ecossistema te incomoda?

Demais. Mas existem tipos diferentes de incômodo. Não posso mudar o que eu sou e infelizmente, não posso mudar o meu passado. Não posso mudar o passado social do país. Sou um homem branco, que estudou em boas escolas: isso tudo é verdade, mas eu não me martirizo porque isso me impediria de seguir adiante e tentar mudar o futuro, que é o que eu tenho controle hoje.

Sempre fiquei incomodado ao chegar numa sala, por exemplo, de uma aceleradora e só ter homens brancos de certa idade, que estudaram em tais escolas. Isso me incomoda demais: não é possível que não existam outras pessoas empreendedoras de outras visões, outras origens para fazer parte destes grupos. E aí me pergunto, o que eu posso fazer para mudar isso? Concluí que posso ajudar com meu conhecimento. Dar mentorias é uma das formas de fazer isso. Dedico mais tempo para grupos que são sub-representados e na empresa temos uma política muito forte e promotora de diversidade, são pontos que posso controlar. Garantir a diversidade dentro da empresa e fazer com que essa pauta evolua é essencial para mim e é parte fundamental do meu job description.

Quais são as principais tendências no mundo do trabalho que você acha que vão ganhar força num futuro próximo?

A diversidade é uma delas. Entender que a promoção da diversidade é essencial para o negócio. Além disso, foco em performance, e uma gestão de pessoas mais humana. O RH tem que ter a tecnologia para focar no que realmente importa. Eu adoraria falar que o software de RH tem um botão “Resolver”, mas o software está lá para aliviar o tempo para que o departamento possa cuidar das pessoas.

Em qual modelo de trabalho você aposta: presencial, remoto, híbrido?

Não acho que a gente está trabalhando bem no remoto. Para muitas empresas, como a nossa, a tendência é o presencial não existir mais, justamente por conta da cultura de valorizar o lado pessoal. Nos grandes centros, perde-se muito tempo e qualidade de vida. Quando considero o foco em performance, não faz sentido ter pessoas só em São Paulo. Posso ter uma pessoa no Piauí, no Rio Grande do Sul. Mas se me perguntam qual é o modelo ideal, não tenho ideia.

Estamos testando muita coisa neste sentido e aprendendo muito, trocando muita informação e isso é bacana. As empresas hoje tem uma folha em branco. Assim como nós, muitas estão testando, errando e aprendendo. Tanto pessoas quanto empresas vão ter que estar abertas a esse movimento de aprender pra gente evoluir para algo que eu acho que vai ser muito melhor. É um erro achar que só tem zero e um, presencial ou remoto. No meio, tem um híbrido. A visão de performance é essencial para evoluir nisso. Muitas empresas não queriam ir para o remoto porque não sabiam como cobrar uma performance.

Não tenho respostas definitivas sobre qual é o modelo ideal, mas acho que a gente vai evoluir para algo. Pelo menos a gente quebrou um modelo, que permitiu essa iteração.


Raio X – Marcelo Furtado, CEO, Convenia

Um fim de semana ideal tem….Fórmula 1, um almoço em algum restaurante no sábado, churrasco no domingo e ir a algum parque com as meninas, como o Ibirapuera.

Um prato favorito: Feijoada

Uma mania: Desenhar durante as reuniões.

Algo simples, que você não vive sem: Bolinhas macias antiestresse, tenho várias na minha mesa.

Sua melhor qualidade: Ser muito calmo.

Um livro favorito: With Winning in Mind, de Lanny Bassham (sem tradução para o português). O autor fala sobre a trajetória de um atleta de alta performance, que é medalhista olímpico. Como a cabeça deste atleta funciona e como ele se treina mentalmente para funcionar bem em competições. Achei esse livro muito útil para a vida como um todo.

Uma música que você curte: Sou muito eclético e obviamente, muito influenciado pelas minhas filhas, porque elas dominam o som de casa. Mas com certeza, qualquer música sertaneja me agrada.