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5 minutos com: Tatiana Pimenta, co-fundadora e CEO, Vittude

A empreendedora por trás da plataforma de terapia online falou com o Startups sobre temas como a captação, ser mulher no ecossistema e saúde mental

5 minutos com: Tatiana Pimenta, co-fundadora e CEO, Vittude

Em um ambiente onde ver mulheres em posição de fundadora e CEO não é algo comum, Tatiana Pimenta é uma das exceções à regra no ambiente de startups brasileiro. A entrada da empreendedora no mundo das startups também não seguiu um padrão. Engenheira civil, Tatiana trabalhou na profissão em que é formada por anos, até que um relacionamento abusivo e as dificuldades de encontrar apoio psicológico geraram a faísca que deu origem à Vittude, em 2016.

Desde então, a fundadora foi investida pela Redpoint eventures e passou pelo turbilhão que é atravessar o chamado vale da morte das startups. Com o foco em saúde mental na pandemia, a startup cresceu significativamente: a carteira inclui clientes como O Boticário, Banco do Brasil, SAP e outros, e hoje a healthtech atende mais de 600 mil pessoas em território nacional com serviços de terapia online e prevenção de adoecimento mental.

Em março deste ano, a Vittude levantou uma rodada Série A de R$ 35 milhões liderada pela Crescera Capital, acompanhada por Endeavor Scale Up Ventures e Redpoint, que reinvestiu na startup. O aporte inaugurou um novo momento na trajetória da empresa e na vida de Tatiana, que falou com o Startups sobre assuntos como o dia a dia pós-aporte, o papel dos aliados e, claro, saúde mental. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.


Como tem sido a vida de empreendedora nos últimos meses?

Os últimos meses tem sido mais tranquilos. Com o investimento, temos conseguido fazer coisas na Vittude que, até então, não tínhamos conseguido fazer. Até novembro do ano passado, a gestão da empresa era basicamente dividida entre eu e o Everton [Höpner, COO e co-fundador da empresa] enquanto o restante do time era dividido em posições mais júniores.

O que acabava acontecendo era que nós dois ficávamos exaustos e extremamente sobrecarregados. Muitas vezes, invadíamos sábados, domingos, horários em que deveríamos estar fazendo outras atividades além do trabalho. O aporte nos permitiu trazer lideranças mais sêniores, pessoas que pudessem ajudar a carregar o piano. Hoje, temos uma CMO, que toca marketing e vendas, e uma CFO, que toca relações com investidores e inclusive conduziu todo o processo de due diligence da rodada, algo que nos desonerou pra caramba.

Consigo olhar mais o estratégico e não fazer tanto o operacional. Hoje, tenho uma liderança que reporta para mim, e que por sua vez, tem uma pequena camada de gestão. Pós-captação, também consegui voltar a me colocar em primeiro lugar. Sempre tive essa vibe, de fazer atividade física, de ter uma alimentação saudável. Mas com a quantidade de coisas que estavam acontecendo na Vittude no ano passado e as jornadas de trabalho de mais de 60 horas, tudo ficou meio desregulado.

O pós-pandemia também está sendo uma redescoberta, em uma série de aspectos. Voltei a treinar, com um grupo de corrida. Voltei a fazer academia, passei na nutricionista, no cardiologista. Não quero voltar a treinar só por treinar, e sim voltar a fazer maratonas. Estou conseguindo dedicar tempo para fazer coisas que gosto, e isso tem agregado muita coisa no quesito qualidade de vida. Percebo que as decisões ficam melhores, porque a cabeça está boa, descansada.

Você fechou uma rodada um pouco antes de as torneiras no mercado de capitais começarem a secar de fato. Como é essa sensação?

O mercado já estava meio que derretendo e vinha dando sinais de mudança alguns meses antes disso se anunciar de fato. Não vou negar: é gostoso perceber que a gente está numa situação privilegiada, pois captamos uma boa quantidade de dinheiro, num momento em que o mercado está sem liquidez.  É como a sensação da formiguinha da fábula, que trabalhou o verão inteiro: a despensa dela está cheia, e ela pode atravessar o inverno sabendo que não vai morrer de fome.

Tínhamos recebido uma oferta para levantar uma rodada maior, só que a gente ficaria mais diluído. Lembro de ter olhado para um termsheet, e pensado que não precisávamos de todo aquele dinheiro. Resolvemos fazer uma rodada menor e, analisando o cenário que se desenhava, fizemos alguns cenários para usar o capital com um pouco mais de parcimônia. Nossa promessa para esse ano seria quadruplicar de tamanho no ano. Estamos vendo que, se crescermos três vezes, será lindo. E já fizemos no primeiro semestre o equivalente ao ano passado inteiro em termos de receita, sem grandes loucuras e sem contratar desesperadamente.

Quando a gente fez a captação, cheguei muito perto do breakeven, porque precisava dar resultado. Aprendemos a ser muito eficientes. E aí eu olho para o mercado, e vejo essa massa de demissões. Empresas que antes estavam contratando num ritmo insano, mandando 500 pessoas embora. Claramente, estavam sobrando recursos, pessoas.

Observar tudo isso, para mim, está sendo interessante. Porque eu sempre acreditei num uso mais eficiente de capital e sempre fui taxada como alguém que não quer crescer, ou se recusa a ter uma outra visão, mais “arrojada”. Acontece que eu venho de escolas mais tradicionais, onde o caixa é rei: se você não tem dinheiro, não consegue fazer nada. Enquanto eu ficava sempre em cima dos números importantes, o unit economics, eu olhava para o lado e via startups, não estando nem aí.

Como foi a sua experiência durante o processo de levantamento da rodada?

Tivemos desafios para captar, e ser uma CEO mulher torna as coisas ainda menos fáceis. Lembro da época do seed, de estar tão confiante que a Redpoint investiria em nós que fiz algo pouco prudente, que é não procurar mais ninguém. Deu certo. Mas depois dessa rodada, comecei a criar relacionamentos. Começou a pandemia e as pessoas começaram a olhar mais para saúde mental, com vários fundos batendo na nossa porta. Fui conversando com os investidores: na minha planilha, tenho 112 fundos com os quais tive interações desde então.

Tatiana Pimenta, CEO e co-fundadora da Vittude

Percebi que, muitas vezes, os fundos fazem um monte de perguntas e te dispensam com justificativas que não fazem sentido. Uma vez, um fundo me disse que esperava um número e mostrei no deck que estava entregando quase o triplo; me perguntei se era um caso da pessoa não prestar atenção, ou se era um caso típico de viés inconsciente. Percebi então que não seria tão simples assim, e que eu teria que entender o perfil do fundo, se o investidor em questão tinha um foco em ESG forte.

No começo do ano passado, a Crescera nos procurou, e começamos algo que se parece um namoro de fato: tomamos vários cafés, foram vários almoços, jantares, visitas.  Eles fizeram um due diligence extensivo, falaram com muitos dos nossos clientes, com os psicólogos que atuam pela Vittude. Em nenhum momento eles questionaram o caminho que estamos seguindo, e acabou dando muito certo. Fechamos com eles, com a Endeavor, e a Redpoint, que continuou nos apoiando.

Ponderamos também o fato de que alguns investidores estratégicos queriam entrar na Vittude, e concluímos que não faça sentido ter um [destes investidores] agora, porque isso poderia significar morrer mais cedo, ou fazer um exit mais cedo do que a gente acredita. Não criei esta empresa por dinheiro, e sim porque tive depressão e acredito que nossa premissa faz sentido. E eu não estou a fim de vender a Vittude, quero ir até o IPO.

Mesmo enfrentando desafios por ser mulher no ecossistema, você parece transitar bem nesse ambiente. Como você consegue fazer isso?

Foi mais difícil cursar engenharia do que transitar no ecossistema hoje. Vejo que existe uma panelinha e certos privilégios [entre homens] mas não deixo de me apoiar neles. Já tentei, inclusive, pedir ajuda para mulheres e nunca consegui. Empreendedoras que estão em estágios mais avançados que eu nunca parecem ter tempo: afinal, estão ocupadas construindo seus próprios negócios. No fim do dia, quem para pra me ajudar são os homens.

Tenho uma lista de fundadores que sempre estiveram lá para me apoiar: o Ricardo [Moraes], da Memed, recebeu ligações minhas chorando, durante a captação, e me confortou. Ele foi incansável em termos de suporte, assim como o Igor [Senra], da Cora, que revisou todos os meus decks e fez até role plays (ensaios) de pitch comigo, me deu vários feedbacks sobre a forma em que eu me apresentava, além de fazer a ponte com vários fundos. O Daniel [Pires] da Cortex já me deu muita mentoria de vendas, o Marcelo [Furtado] da Convenia e o Rodrigo [Dantas], da Vindi também estão entre os homens que estão sempre construindo junto, abertos para ajudar. Além, é claro, do Romero [Rodrigues, ex-Redpoint e atualmente sócio-diretor na Headline], que nunca minimizou a dificuldade de ser mulher nestes espaços e sempre esteve disponível quando precisei.

Outro ponto é que, se eu olhar para os unicórnios que existem hoje no Brasil, são todos [fundados ou liderados por] homens. Isso me causa uma preocupação. Faltam referências de empresas lideradas por mulheres: em Série B, temos a Sólides, a Gupy, a Theia. Mas ainda falta muito. E se a gente não contar com a ajuda dos homens, talvez a gente não chegue lá.

Seu co-fundador não aparece muito, está mais nos bastidores. Como o Everton te ajuda a navegar as complexidades e a solidão que muitas vezes existe na vida do empreendedor?

Somos muito amigos, e em vários momentos da vida nos apoiamos nos nossos altos e baixos. Principalmente nos momentos em que a gente tinha proximidade de caixa curto. Aquilo deixava ele um pouco mais sensível, mas eu sempre dizia “vai dar certo”: nunca deixei de acreditar que algo bom iria acontecer, mesmo nas horas difíceis. Por outro lado, ele sempre foi um porto seguro. No ano passado, por exemplo, tive momentos muito difíceis: precisei cuidar dos meus pais, que estavam com problemas de saúde, com as coisas a mil na Vittude.

O Everton foi a pessoa que me disse para largar tudo e deixar os pratinhos cair, cuidar da minha família – e olha que nem tínhamos fechado o aporte ainda. Esse momento em que alguém diz, “deixa aqui que a gente resolve, não vai acontecer nada” mostra uma relação de parceria, em que é possível ir fazer o que é preciso, com a certeza de que alguém está lá cuidando de tudo por você.

Na pandemia foi muito difícil, passamos uns dois meses sem nos vermos. Somos vizinhos, e depois de um tempo, começamos a nos ver a cada 15 dias, experimentando formas de almoçar na casa um do outro, trabalhar juntos, pra lidar com o estresse de não encontrar com gente. No fim do ano, alugamos uma casa em Floripa e passamos o réveillon lá, e nos aproximamos ainda mais. Não só como sócios, mas como amigos.  

Como é possível liderar uma empresa sendo mulher sem – literalmente – ficar louca?

Quando penso em saúde, penso integralmente: para mim, saúde é bem-estar físico, bem-estar social, emocional, financeiro. Se você tiver as contas no vermelho, putz, você não dorme em paz. E se você não dorme, provavelmente vai ter um burnout porque não recuperou do stress do dia a dia. O equilíbrio é sempre difícil, você está sempre na corda bamba. A gente não fica bem o tempo inteiro, não existe felicidade plena. A gente só sabe de felicidade porque tem momentos que a gente não está legal, choramos, sofremos.

E eu acho que o que a gente faz com sofrimento é super importante. Quando eu olho para a minha trajetória, lembro que só tive depressão porque eu fui vítima de violência, fiquei 16 horas em cárcere privado, convivendo com uma pessoa completamente instável. Minha depressão veio muito do questionamento do por que eu tinha entrado em uma relação tão doentia, sendo que, dentro de casa, sempre tive uma relação muito saudável com meus pais.

Ao mesmo tempo, penso que se eu não tivesse passado por isso, talvez não tivesse a Vittude hoje. Fui fazer terapia por estar doente naquela época, e continuo fazendo hoje, porque acho o processo de auto descoberta espetacular. Se não fosse aquele processo de cura, não teria começado a correr, por exemplo  – e a corrida me proporcionou boa parte dos meus amigos atuais, além de momentos e viagens incríveis.

Atuar no segmento de saúde mental te impõe mais pressão para ficar bem?

Adiciona uma responsabilidade para inspirar outras pessoas. Não dá para ser a casa do ferreiro com espeto de pau. Um destes elementos tem a ver com a normalização das questões de saúde mental. Temos várias pessoas na Vittude, por exemplo, que se tratam, que são medicadas, e estão funcionais porque estão fazendo um determinado tratamento. É super importante saber que uma doença mental não deixa ninguém incapacitado, e buscamos enfatizar isso no dia a dia.

Pessoalmente, o desafio é conseguir se mostrar vulnerável. No ano passado, tive uma série de perrengues, e todos na empresa sabiam, pois eu não estava nas reuniões. As pessoas me ligavam, perguntavam se podiam ajudar. Isso mostra que todo mundo pode falar quando não está bem. Já tive pessoas do time falando que estavam arrasadas por um término de relacionamento, e perguntando se podiam tirar a tarde off. Não sei em quantas empresas as pessoas tem a segurança psicológica para compartilhar coisas assim.  

No geral, o problema é que as pessoas querem se colocar como heróis, ou heroínas no trabalho. E a gente não é: a única certeza que a gente tem é que vamos morrer em algum momento. Tive Covid há um mês, e fiquei derrubada. Nestes momentos, percebemos como somos super vulneráveis para uma série de coisas. No fim das contas, somos todos pessoas. E está tudo bem.


Raio X- Tatiana Pimenta, co-fundadora e CEO, Vittude

Um fim de semana ideal tem…uma corrida no campus da Universidade de São Paulo (USP). Para mim, a USP é um local de confraternização também, porque acontece muito de tudo. Corremos, depois vamos tomar café, sempre tem alguma atividade ou ritual da turma da corrida. O fim de semana também é um momento de não fazer nada, ficar jogada no sofá, ler um livro.

Qual livro você está lendo agora? “Você é o que você faz: Como criar a cultura da sua empresa”, de Ben Horowitz. Também estou re-lendo “O lado difícil das situações difíceis”, do mesmo autor, que eu havia lido em 2016 e hoje faz muito sentido pra mim.

Uma música: Sultans of Swing, do Dire Straits.

Um prato favorito: Meu pai é mineiro e minha mãe é do Mato Grosso do Sul, onde nasci. Então eu gosto de comer tudo o que é comida de roça: arroz de carreteiro, rabada, polenta, peixes de rio como pacu, pintado. Também adoro preparar estes pratos: é uma cerimônia.

Algo simples que você não vive sem: Correr. Outra coisa que comecei a fazer desde a pandemia é escrever diários, a lápis, sempre em cadernos bonitos – já preenchi oito deles.