Depois de uma estreia frustrada no Brasil, a 99Food volta ao jogo. A operação de entregas da multinacional chinesa DiDi Global Inc. reinicia as atividades apostando em um cenário regulatório mais estável, na experiência adquirida com a gestão do app de mobilidade e em um caixa robusto, reforçado por R$ 1 bilhão em investimentos previstos para 2025. Após retomar o serviço em Goiânia (GO), a plataforma chega agora a São Paulo com a meta de enfrentar a hegemonia do iFood e a promessa de oferecer condições mais justas e transparentes para restaurantes, entregadores e consumidores.
“Todo mundo pede uma nova opção de delivery”, afirmou Simeng Wang, diretor-geral da 99 no Brasil, durante coletiva de imprensa nesta terça-feira (12). Segundo ele, a empresa passou meses analisando o setor e ouvindo restaurantes, motociclistas e consumidores. “Eles querem uma alternativa ao que têm hoje, e a 99Food chega para ser essa opção”, completou.
A 99Food traçou como meta voltar ao mercado brasileiro de delivery de forma a se diferenciar dos demais players. A primeira cartada foi uma campanha de marketing com tom provocativo. Nesta semana, a marca projetou em prédios de São Paulo um taxômetro gigante que exibia o valor diário cobrado em taxas pelo principal concorrente – citado apenas como “delivery vermelho”. Embora o nome do iFood não aparecesse, a referência era clara.
“Muitas vezes, o consumidor culpa o elo errado da cadeia”, afirmou Bruno Rossini, diretor de comunicação da 99, destacando que os problemas nem sempre estão nos restaurantes ou entregadores, mas nas próprias plataformas. “Há um desequilíbrio injusto no mercado. Os restaurantes, por vezes, abrem mão de até 30% da sua lucratividade para usar plataformas de delivery, e esses custos elevados acabam sendo repassados aos consumidores.”
A proposta da 99Food, portanto, é mudar esse cenário. “Queremos combater as práticas estabelecidas por um único player e apresentar uma nova forma de fazer entrega de comida, devolvendo o poder de escolha a quem realmente movimenta esse segmento – quem cozinha, entrega e consome”, ressaltou Bruno.
A estreia em São Paulo ocorre cerca de dois meses após a chegada da marca a Goiânia, seu primeiro mercado no Brasil. Segundo a 99Food, em menos de 50 dias de operação na cidade, a plataforma realizou 1 milhão de entregas, contando com mais de 15 mil entregadores parceiros. “Isso demonstra que há aderência ao serviço e que acertamos na proposta de valor. Mais do que isso, mostra que estamos maduros o suficiente para chegar a São Paulo e expandir, permitindo que mais pessoas utilizem o serviço”, destacou o diretor de comunicação.
Cartas na manga
A operação de São Paulo receberá 50% dos investimentos da 99Food no Brasil – cerca de R$ 500 milhões apenas em 2025. O plano é seguir com uma campanha agressiva de marketing para gerar volume e, em seguida, criar recorrência por parte dos consumidores. Sem muitos detalhes, Bruno Rossini antecipou iniciativas que mesclem o mundo virtual com o analógico e atividades apoiadas no DNA de música e brasilidade.
Apesar do discurso provocativo em relação à concorrência, o diretor-geral da 99 no Brasil afirma que essa não é a principal preocupação. “Nossa maior aposta não é roubar market share de um concorrente ou impedir seu crescimento. É fazer o mercado crescer”, explicou Simeng Wang. Na prática, a 99Food busca conquistar um espaço que ainda não existe, em vez de tirar espaço de quem já atua.
Para isso, a marca já colocou em prática algumas estratégias, focadas principalmente na redução de custos para todos os elos da cadeia e no aumento da margem de lucro de restaurantes e entregadores. A primeira é a isenção de algumas taxas para restaurantes durante dois anos. A empresa se compromete a não cobrar mensalidade nem comissão dos estabelecimentos que se cadastrarem na plataforma pelos próximos 24 meses.
“Estamos zerando duas das muitas taxas cobradas pelas plataformas: a comissão sobre o valor do pedido – independentemente de o restaurante cuidar da própria logística ou utilizar a da plataforma 0 e a mensalidade pelo uso do serviço”, afirmou Bruno Rossini. Ainda assim, permanecem custos relacionados à intermediação de pagamento e à entrega do produto ao consumidor, entre outros fatores. “Nossa intenção é nunca enganar os parceiros, e isso está muito claro nas páginas de onboarding e no contrato para que tenham transparência total”, garantiu o executivo.
Segundo ele, a isenção das taxas reduz, em média, pelo menos 15% dos custos dos restaurantes. A expectativa é que essa economia permita praticar preços mais baixos, ampliando o acesso dos consumidores e, consequentemente, impulsionando as vendas. “Desde que voltamos a operar no Brasil, vimos na prática que essas medidas ajudam a atrair novos consumidores que antes não pediam comida via delivery”, completou.
Os novos consumidores que se cadastrarem na plataforma ganharão cinco cupons, totalizando R$ 99 em descontos com entrega grátis. Já para os entregadores, a 99Food propõe a garantia de R$ 250 por dia ao completarem 20 corridas, sendo cinco delas especificamente de entrega de comida. Além disso, a empresa planeja investir R$ 50 milhões nos próximos cinco anos para criar uma rede de pontos de apoio aos motociclistas parceiros.
Briga de gigantes
O discurso do iFood é que o aumento da concorrência não intimida e que suas recentes iniciativas fazem parte de uma evolução natural, impulsionada pelo ganho de escala da operação. Ainda assim, o anúncio de um orçamento 25% maior – agora de R$ 17 bilhões – acontece justamente no momento em que a Keeta prepara sua entrada no Brasil e a 99 investe no relançamento do 99Food, ambos com planos de injetar alguns bilhões no país nos próximos anos. Segundo o iFood, este é o terceiro ano consecutivo em que o investimento anual supera a marca de R$ 10 bilhões: em 2023, o valor foi de R$ 10 bilhões; em 2024, subiu para R$ 13 bilhões; e agora atinge R$ 17 bilhões.
Um dos pontos que mais chamou atenção desde o relançamento da 99Food no Brasil foi o modelo das Operadoras Logísticas (OLs), no qual empresas intermediárias fazem a ponte entre o aplicativo e os entregadores. No início da operação em Goiânia, a plataforma enfrentou críticas por atrasos nos pagamentos e supostas retaliações por parte dessas empresas terceirizadas.
“O que aconteceu em Goiânia foi um período de ajuste”, avaliou Bruno Rossini em entrevista ao Startups após a coletiva. “Tivemos dificuldades para receber e consolidar as informações dos operadores logísticos. Isso acabou gerando atraso nos pagamentos dos entregadores. Mas posso dizer que, em dez dias, o problema foi resolvido”, afirmou. Segundo o executivo, os casos que se estenderam por mais tempo estavam ligados a reclamações antigas, que ainda não haviam sido tratadas diretamente, mas já tinham sido solucionadas.
Para evitar que situações semelhantes ocorram em São Paulo, a 99Food está desenvolvendo uma ferramenta exclusiva para os operadores logísticos, integrada ao aplicativo. “Deve estar disponível em pouco tempo. A ideia é reduzir obstáculos na troca de informações e, assim, zerar os problemas”, disse. “Acredito que, em São Paulo, a experiência para os entregadores que trabalham por meio dos operadores logísticos será muito diferente”, previu.
Visão de futuro
Com 55 milhões de usuários ativos na 99, a expectativa é que a 99Food esteja presente em pelo menos 100 cidades do país até meados de 2026. “Posso garantir que vamos endereçar as principais cidades do Brasil em termos de consumidores e de restaurantes disponíveis”, afirmou Bruno Rossini, diretor de comunicação da 99.
A empresa não divulga metas de receita ou volume, mas afirma esperar que a operação em São Paulo cresça em ritmo semelhante ao registrado em Goiânia. “No momento, o objetivo é alcançar um resultado expressivo para comprovar a aderência da proposta de valor e seguir expandindo. A missão de longo prazo é fazer o mercado crescer significativamente, e não tenho dúvida de que vamos nos consolidar rapidamente como uma das principais plataformas”, concluiu o executivo.