Nesta última semana, rolou um dos momentos mais aguardados para fundadores e investidores do ecossistema de inovação. A aceleradora norte-americana Y Combinator, considerada um dos oráculos do mercado de startups no Vale do Silício, realizou uma nova edição de seu famoso Demo Day, que serve como uma vitrine para que as startups aceleradas apresentem seus negócios a investidores e potenciais clientes.
A grande surpresa foi que, dessa vez, apenas uma startup em toda a América Latina foi selecionada para integrar o batch. Representando toda a região, estava a brasileira Salvy, plataforma que funciona como uma operadora de celular para empresas. De acordo com o TechCrunch, as principais razões para a falta de representatividade latino-americana são a redução na participação de fintechs e o aumento da busca por soluções de IA – embora a questão seja mais complicada do que isso. Mas vamos por partes.
A última vez que a YC selecionou apenas uma startup da região em um batch foi no verão norte-americano de 2015. Desde então, a participação latina vinha crescendo progressivamente até chegar em 2022. Naquele ano, o Winter Batch da YC contou com 33 startups da América Latina – número que caiu para 16 no Summer Batch 2022 e para apenas 10 no Winter Batch 2023.
A aceleradora também reduziu os esforços que fazia anteriormente para incentivar a inscrição de startups, como paradas de divulgação global que chegaram a incluir Brasil, Colômbia e México. Segundo o TechCrunch, o último encontro deste tipo ocorreu em 2022, de forma virtual. “O número de deals da YC diminuiu em geral, não apenas na América Latina. Mas se considerarmos que cerca de 8% das empresas eram da região no lote W22, contra o atual onde a região representa menos de 1%, fica claro que a América Latina está sendo afetada de forma desproporcional”, avalia Cristóbal Griffero, CEO e cofundador da Fintoc, do Winter Batch 2021 da YC.
O que aconteceu?
O TechCrunch buscou a Y Combinator para mais informações. No entanto, a aceleradora se recusou a comentar. “Sua equipe sempre diz que investe em fundadores, não ideias. Em outras palavras, ela não pensa em termos de categorias de startups. Ainda assim, seus lotes costumam revelar muito sobre o que está na moda entre empreendedores e investidores. Este ano, é claramente IA”, diz a reportagem.
Startups de inteligência artificial dominaram o mais recente Demo Day. No Winter Batch 2024, startups de IA representaram quase o dobro das do Winter Batch 2023, e quase o triplo do Winter Batch 2021. Por outro lado, a participação de fintechs diminuiu significativamente no mesmo período. Apenas 8% do último lote da YC está listado como fintech, em comparação com 24% Winter Batch de 2022.
“Historicamente, cerca de um terço das 231 empresas latinas que passaram pela YC focaram em fintech. Esse dado pode explicar em grande parte por que as startups latino-americanas estão menos presentes neste batch. Em uma região com forte necessidade de inclusão financeira, as fintechs são há muito tempo um setor que os empreendedores locais adoram abordar. Em contraste, as empresas de tecnologia profunda representam apenas 10% do ecossistema de startups da América Latina e do Caribe. Deeptechs e fintechs não são mutuamente exclusivas; A detecção de fraudes habilitada por IA, por exemplo, se enquadraria em ambas categorias. Mas uma YC faminta por IA ainda estaria menos alinhada com o cenário tecnológico da América Latina”, explica o TechCrunch.
Mas a razão não seria exatamente a IA, e sim a abordagem da Y Combinator em relação a essa tecnologia. Das 89 startups de IA no último batch, 73 estavam sediadas nos EUA e no Canadá, três na Europa e 26 remotas. “Apesar de seus programas virtuais, a YC tem sido realmente um programa baseado na Bay Area durante a maior parte de seus 15 anos. Em uma conversa entre Dalton Caldwell e Michael Seibel, parceiros de longa data da YC, Seibel admitiu que as startups ainda podem ‘ganhar’ em outros lugares, mas argumentou que a área da baía de São Francisco ainda é o lugar para estar”, destaca a reportagem.
Potencial latino-americano
Embora muitos founders que passaram pela YC descrevam a experiência como “transformadora”, a América Latina tem um forte potencial de competitividade para se destacar a nível global mesmo sem passar necessariamente pela aceleradora.
“Quando você olha para as maiores startups da América Latina nos últimos cinco anos, elas não passaram pela YC”, disse a cofundadora e COO da Latitud, Gina Gotthilf, ao TechCrunch. “Não sabemos por quê, mas talvez seja porque a YC é melhor avaliando o mercado e as oportunidades dos EUA. A América Latina é difícil. Há muito contexto regional que é difícil de entender se você não tiver uma compreensão local e uma rede forte”, acrescentou.
Apesar de seu otimismo sobre a região, Gina entende por que um grupo focado em IA incluiria menos startups latino-americanas. “Acredito que empresas que tenham IA como seu negócio principal e estão construindo LLMs no Vale do Silício têm uma grande vantagem neste momento, e que a verdadeira inovação neste setor não virá da América Latina tão cedo.” Ainda assim, ela diz que, provavelmente, esta situação pode mudar em breve, já que cada vez mais fundadores da região estão começando a pensar de forma global.
O TechCrunch ressalta que muitas startups da região não estão se candidatando à YC ou buscando capital de risco, com muitas optando pelo caminho do bootstrapping. “Isto tem prós e contras: incentiva as startups a serem mais eficientes, mas também pode atrapalhar ambições maiores”, analisa a reportagem. De acordo com a pesquisa “State of SaaS LatAm 2024″, cerca de 31% das startups SaaS da região operam no bootstrapping.