Criada como um laboratório de curadoria e produção de conteúdo e agenciamento de carreira para conectar atletas negros e LGBTQIA+ com o mundo digital, a startup Afro Esporte planeja o próximo movimento de sua estratégia. A companhia tem planos de diversificar as fontes de receita e lançar novos projetos em 2023, reforçando sua missão de fortalecer a diversidade no esporte e democratizar o acesso à vida saudável.
O negócio foi fundado em meados de 2019 pela jornalista Mia Lopes. Apaixonada por esportes e vida saudável, ela lutou boxe até os 16 anos e, quando retomou a prática esportiva na vida adulta, deparou-se com um ambiente majoritariamente masculino, branco e hétero, no qual grupos sub-representados recebem menos patrocínio e não têm suas histórias contadas pela mídia. Foi a falta de diversidade no setor que a levou a criar a Afro Esporte, ao lado do sócio e companheiro Keise Oliver.
Nos últimos anos, a sport tech fechou projetos com marcas como Decathlon e criou conteúdos relacionados a grandes eventos esportivos como as Olimpíadas. No ano passado, a empresa participou da etapa de mentorias e meet-ups do Desafio Like a Woman, promovido pelo centro de fomento à inovação e empreendedorismo esportivo Arena Hub, e foi selecionada para participar do Black Start, programa do Sebrae For Startups que apoia pessoas empreendedoras negras em tecnologia.
“Agora estamos em um momento de construção de autonomia financeira. Sempre conversamos com os atletas sobre a importância de não depender das marcas, e também não queremos seguir esse caminho”, diz Mia em entrevista ao Startups. A companhia já começou a estruturar os projetos para diversificar as fontes de receita, com ações e experiências esportivas a serem implementados já nos próximos dias.
Para começar a movimentar a comunidade, a Afro Esporte realizará neste domingo o Nós No Corre, movimento mensal e gratuito que busca incluir e acolher corpos diversos no mundo da corrida, entre eles, pessoas negras, gordas, com deficiência, LGBTQIA+, entre outros. Esta primeira edição recebeu quase 60 inscrições – o que, segundo Mia, foi um resultado bastante positivo pois mostra que mesmo com outros grupos na cidade de São Paulo, ainda há muita demanda. Mas o objetivo é ir além.
“Já existem ações esportivas para pessoas negras, principalmente ligadas à corrida ou ao futebol, que são mais acessíveis. No entanto, quando olhamos para esportes de elite, como beach tênis, hipismo, patinação no gelo, montanhismo e golfe, esse número cai”, explica Mia. Por esse motivo, em paralelo ao Nós No Corre, a Afro Esporte vai começar a vender pacotes e experiências de turismo esportivo para pessoas de grupos sub-representados com foco em esportes de elite.
“A ideia é ter grupos pequenos para não perder ninguém de vista, oferecer conforto e segurança. Sabemos que muitos dos espaços que vamos entrar, como os clubes de golfe, não estão preparados para receber pessoas negras, então vamos parar os participantes e abordar, entre outras questões, como vamos enfrentar os episódios de racismo que podem acontecer”, pontua Mia.
Projetos na manga
O empreendedorismo afroesportivo vem ganhando espaço nos Estados Unidos impulsionado por grandes personalidades do setor. A tenista Serena Williams criou sua própria gestora de recursos, a Serena Ventures, para apoiar startups lideradas por mulheres e pessoas negras. Outro exemplo é o multicampeão da F1 Lewis Hamilton, que já realizou investimentos em startups e uniu-se à Mercedes para financiar ações e bolsas de inclusão que aumentem a representatividade negra no esporte.
No Brasil, a iniciativa ainda é bastante incipiente, e a Afro Esporte se posiciona como pioneira desse movimento. “Normalmente, os atletas para custear suas carreiras, vendendo marmita, brigadeiro ou produtos de beleza. Poucos percebem que podem empreender na própria área em que atuam”, diz Mia. Isso costuma ocorrer apenas nos níveis mais avançados de maturidade profissional, ou seja, quando um atleta chega no nível de Neymar ou Anderson Silva e lança produtos próprios ou em parcerias com grandes marcas – o que não é a realidade para a maioria da população.
Anualmente nos Estados Unidos acontece o Black Sports Business Symposium, evento que une, cultiva, ilumina e celebra profissionais negros na indústria de negócios esportivos. Por enquanto, a Afro Esporte está focada em criar a comunidade de empreendedores negros no setor, mas no longo prazo, espera trazer esse debate do exterior para o Brasil, mostrando como as pessoas negras podem crescer na área e incentivar os atletas a se perceber como marca.
As ações começaram no ano passado, quando a startup lançou o Afro Esporte Fund, primeiro fundo de apoio ao empreendedorismo afroesportivo no Brasil. O programa selecionou 10 projetos para desenvolver produtos voltados para pessoas negras, como um capacete para o cabelo crespo, e ofereceu treinamentos, mentorias e recursos financeiros com a oportunidade de comercializar os produtos no marketplace da Decathlon. Em 2023, o objetivo é lançar a 2ª fase do projeto com mulheres negras atletas que desenvolvam suas marcas pessoais e empreendam utilizando as redes sociais.
A Afro Esporte também vai reforçar seus serviços de agenciamento de carreira. Não apenas cuidar dos contratos, mas oferecer media training para entrevistas, letramento social, racial, LGBTQIA+ e de gênero, além de conteúdos sobre saúde mental, finanças pessoais, empreendedorismo e como se posicionar e gerar alcance na internet.
Além disso, a sport tech uniu-se à plataforma Futuros Possíveis e à Opinion Box para fazer uma pesquisa sobre o mercado esportivo no Brasil. “Quando apresentamos um pitch, os investidores sempre perguntam o tamanho do mercado. Mas no Brasil não há dados de quantas pessoas negras praticam esporte, como é o acolhimento, se fazem esportes de elite ou quanto o marketing de conteúdo esportivo de atletas negros geram no país”, explica Mia.
Não ter esses dados, aponta a empreendedora, coloca a empresa em um lugar ainda maior de vulnerabilidade, mas traz oportunidades. “A ausência de pesquisas é um sinal de que precisamos entrar nessa área. É um setor inexplorável com espaço para inovar, e ser pioneiro em fazer esse levantamento”, explica. A expectativa é lançar o estudo ainda este ano.
Vai de bootstrapping
Crescendo com recursos próprios desde o lançamento, a Afro Esporte ainda não levantou o primeiro aporte – o que, segundo Mia, não foi por falta de tentativas. A startup chegou a participar de diversos pitches, rodadas e apresentações, muitas vezes a convite dos próprios investidores, mas captar dinheiro ainda é um grande desafio.
Embora o aporte fosse fundamental para escalar a operação e a companhia ainda considerar as oportunidades que chegam, esse não é mais o foco. “Passamos por tantos episódios racistas em rodadas de investimento que foi exaustivo. De um lado, temos marcas e pessoas com quem construímos autoridade e reconhecem nosso trabalho. Do outro, o mercado de startups que ainda precisamos convencer. Então vamos trabalhar com quem já confia, acredita e entende o que é o nosso negócio”, finaliza a empreendedora.