Negócios

AfrOya quer abrir caminhos para lideranças técnicas negras em TI

Hub prepara plataforma tecnológica para expandir capacitação de profissionais negros de TI

Andreza Rocha Afroya
Andreza Rocha, CEO do AfrOya Tech Hub. Foto: divulgação.

Começou como fruto de uma insatisfação com o mercado de trabalho e aos poucos vai se tornando mais e mais uma startup. Essa é a história do AfrOya Tech Hub, iniciativa criada em Porto Alegre pela fundadora e CEO Andreza Rocha.

“Ainda estamos definindo se somos uma socialtech, uma edtech, mas aos poucos vamos vendo”, afirma Andreza, depois de comentar sobre o trabalho que o hub realiza. O AfrOya tem como missão mobilizar, através de projetos de formação e conscientização, o crescimento no número de lideranças técnicas negras no mercado de TI.

A jornada que resultou no AfrOya tomou seu tempo. Natural de Brasília e formada na área de RH, Andreza se mudou para o Rio Grande do Sul há mais de 15 anos para tocar sua carreira na área de pessoas de empresas de tecnologia, mas desde cedo se incomodou com a subrepresentação negra nos times de TI.

“Atendi a diversos players grandes, e por muito tempo observei a falta de pares, especialmente nas áreas mais sênior de tecnologia, apontou Andreza, que antes de fundar o AfrOya atuava como community manager na BrasilJS.

Esta “pulga atrás da orelha”, como Andreza apontou em entrevista ao Startups, foi o catalisador para colocar a mão na massa e participar de comunidades locais e nacionais, como a AfroPython (de programadores), da qual foi uma fundadora. Neste embalo ela fundou também o AfroTechBR, braço nacional do Afrotech, comunidade digital que promove a TI entre o público afro-americano – e faz parte do conglomerado Blavity, voltado à comunidade negra. “Foi aí que comecei a promover eventos e aumentar minha rede relacionamentos com as empresas, inclusive chegando nos C-levels”, revela Andreza.

Toda essa trajetória culminou em 2020, com o desejo de criar um projeto próprio, de olho nos profissionais que já estavam no mercado de TI mas tinham desafios em subir para posições de liderança nas empresas – conectando-os com mais oportunidades (por isso a alcunha de hub).

“Criei o AfrOya com essa vontade de conversar com urgência sobre profissionais negros de TI de nível sênior e suas oportunidades para ocupar cargos de lideranças, de engenharia, de arquitetura”, explica Andreza.

Em suma, segundo a sua idealizadora, a ideia do hub é abrir caminhos de enriquecimento profissional para seu público-alvo, algo que se relaciona com o Oyá do nome da empresa. No idioma Iorubá, a palavra significa “Rio da Riqueza”, e era o nome dado antigamente para o Rio Niger, que cruza diversos países africanos e era usado como rota de transporte de mercadorias.

Resposta imediata

Segundo a CEO do AfrOya, a resposta – tanto de profissionais quanto das empresas – foi imediata. Desde então, a empresa já impactou mais de 5 mil pessoas em seus eventos e programas de formação. Recentemente, a empresa promoveu em SP um evento para mulheres negras em parceria com a UX para Minas Pretas, projeto que nasceu como ONG, mas está se tornando uma edtech focada à formação de talentos para a área de user experience.

Outro exemplo da atuação do AfrOya dado pela executiva foi o programa de lideranças que a empresa desenvolveu com o apoio da escola de programação Conquer, que forneceu a plataforma de ensino e professores.

“Tivemos três turmas, com mais de 400 inscritos, e nossas vagas esgotaram em doze horas”, destaca Andreza, completando que o programa formou 70 pessoas em suas turmas. Apesar de ser gratuito, os participantes assumiram o compromisso de “pagar” sua formação em horas de ensino para outras turmas no hub, numa espécie de rede solidária.

“Foi uma experiência reveladora, em que tivemos profissionais de alta qualificação, mas em posições subvalorizadas, recebendo abaixo do que o padrão do mercado. Vi casos de profissionais com mestrado recebendo algo em torno de R$ 3 mil no Maranhão, sendo que em São Paulo um profissional destes ganharia na faixa dos R$ 17 mil”, revela.

De acordo com Andreza, este projeto foi focado em empoderamento e soft skills, mas o plano da AfrOya é ir mais fundo na formação dos hard skills para profissionais de TI, focadas em desenvolvimento técnico (programação, gestão de equipes, metodologias ágeis). “Estamos tocando estes conteúdos e linhas de desenvolvimento com profissionais especializados de cada área, e vamos começar a desenvolver estas ofertas em breve”, aponta.

Andreza Rocha, CEO do AfrOya Tech Hub. Foto: divulgação.
Andreza Rocha, CEO do AfrOya Tech Hub (Foto: Divulgação)

Perguntada sobre a parte de desenvolvimento de skills para empreendedorismo, Andreza admite que ainda não é um plano para o hub, mas ela deixa as oportunidades abertas. “Ainda faltam algumas coisas para a conversa principal ser a de empreendedorismo negro em TI. Começa trabalhando a ideia de liberdade, do profissional negro buscar a posição que ele deseja, o emprego que ele deseja, de acordo com sua capacitação. Mas isso vai crescer. Já temos profissionais sêniors com dinheiro para investir, é um movimento natural”, avalia.

Próximos passos

Para a AfrOya, o futuro implica em se estabelecer de forma mais firme como uma empresa – aliás, Andreza faz questão de dizer que toca um negócio. “Foi um desafio fazer as pessoas verem o AfrOya como uma consultoria, pois muitos enxergam nosso trabalho como algo que uma ONG faria”, diz a CEO.

Neste momento, a companhia está passando por um momento de redesenho de suas ofertas, baseando a linha de negócios do hub em três frentes: consultorias para capacitação, eventos e plataforma online, que deve ser lançada em meados de 2023.

Com sua plataforma na internet, o AfrOya quer levar a ideia de hub para o digital conectando profissionais, empresas e oportunidades de criação de programas de formação em um único ambiente. “Estamos criando um tipo de marketplace de programas de capacitação, que as empresas podem adotar e tocar em parceria com o hub”, explica.

Para ajudar a modelar estes produtos e novas linhas de receita, a empresa trouxe novas forças para somar: Gabriela Oliveira, head de design estratégico da NTConsult, agora faz parte do conselho do AfrOya. Gabriela Santos, head de pessoas e cultura da Rebase, também entrou no time, cuidando da parte de operações.

A partir desta guinada, também faz parte dos planos da companhia buscar investimentos em 2023, de olho em fundos destinados a iniciativas focadas no público negro, como por exemplo o Black Founders Fund, do Google. “Sem financiamento, não tem como chegar onde queremos (com o hub)”, desabafa Andreza, que financiou o AfrOya desde o início com seu próprio bolso e algumas verbas de patrocínio.

Boas intenções não bastam

Perguntada sobre como as empresas menores estão abertas às iniciativas do AfrOya, Andreza é franca: “As startups são muito mais abertas a discutir a representatividade negra nos seus times de TI, mas falta orçamento para implementar projetos efetivos, ou falta o comprometimento em fazer isso de forma sistêmica e contínua”, dispara.

De acordo com a CEO, as empresas maiores sentem mais a pressão de promover políticas inclusivas e de diversidade na sua promoção de lideranças. Mesmo assim, conforme avalia Andreza, isso não é nenhuma garantia de sucesso, ainda mais em um cenário em que muitos negócios estão cortando custos e infelizmente investimentos em diversidade estão no topo da lista na hora de enxugar.

“Como qualquer projeto de desenvolvimento humano na empresa, ele custa dinheiro e precisa retornar para a empresa. No final, tudo passa por geração de receita. Não existe fazer isso apenas pelas boas intenções. Até porque, quando uma empresa precisa reduzir custos, corta no RH”, pontua.

Contudo, Andreza está determinada em levar sua proposta de promover a presença negra nos níveis mais de cima no mercado de TI, uma discussão que para ela vai se tornar cada vez mais necessária. “No geral, ainda estamos bastante na fase dos programas de formação e de entrada no mercado para o público negro. Mas já tem bastante gente que entrou, e quer mais”, finaliza.