Andrew Ng está otimista com o potencial da IA no Brasil

Ex-Google Brain, conselheiro da Amazon e investidor em IA pelo AI Fund, Andrew Ng acredita na criação de aplicações, não de novos modelos

Andrew Ng, do AI Fund, durante evento em São Paulo
Andrew Ng, do AI Fund, durante evento em São Paulo | Gustavo Brigatto

Em sua primeira visita ao Brasil, Andrew Ng, um dos principais especialistas e investidores em inteligência artificial da atualidade, demonstrou otimismo com o potencial do Brasil na área. “Muitos setores já estão trabalhando nisso. Serviços financeiros, logística, agricultura. Apesar dos EUA estarem à frente em alguns aspectos, e de a IA ser uma tecnologia mais recente, e ainda tem muita gente começando a usar, existem muitas oportunidades”, disse ele durante o “The Future of AI”, evento para cerca de 50 pessoas promovido pela Intelipost em São Paulo. O Startups foi o único veículo de imprensa presente.

Andrew reforçou a percepção recorrente de que o valor está na construção de sistemas que funcionam em cima de modelos de inteligência artificial que estão sendo construídos por empresas como a OpenAI e a Anthropic. “Se você quiser competir com a OpenAI, espero que você tenha alguns bilhões para gastar”, brincou. “Construir aplicações é muito mais eficiente em termos de uso de capital. É um ótimo momento para implementar essas aplicações”, recomendou.   

Cofundador do Google Brain, a divisão de deep learning da companhia, e desde abril no conselho da Amazon, Andrew lidera atualmente o AI Fund, um veículo com US$ 175 milhões captados para investir em startups de IA. O fundo opera como uma venture builder, construindo novos negócios em parceria com especialistas em áreas específicas. São mais de 30 projetos criados.

Andrew disse que contratou uma equipe para trabalhar remotamente acompanhando o país, e que espera poder fazer algum negócio por aqui em breve. Ross Saario, CEO da Intelipost, é venture partner do fundo e ajuda na busca de oportunidades.

O investidor acrescentou que o AI Fund tem uma equipe de engenharia grande na Colômbia, o que também o deixa conectado com a América Latina. Além disso, Andrew também tem um investimento pessoal na CrewAI, startup fundada pelo brasileiro João Moura na Califórnia (EUA).

Visão pragmática

Com uma visão muito otimista, mas extremamente pragmática sobre IA, Andrew destacou a importância de sua aplicação em casos de uso reais no mundo dos negócios, e não só usar a tecnologia pela tecnologia. “A IA é uma tecnologia de aplicação geral que pode ser usada para muitas coisas diferentes. A chave é encontrar os parceiros certos que entendem um segmento e que conseguem identificar aplicações valiosas”, argumentou.

Umas das áreas que ele destacou é a de workflows feitos por agentes – agentic workflows. Nessa estrutura, os sistemas atuam de forma coordenada e em diferentes momentos, de uma forma mais parecida com os seres humanos. E não apenas produzindo respostas únicas. De acordo com ele, isso tem permitido ganhos significativos de produtividade em áreas como a análise de documentos jurídicos e o diagnostico médico. “Se você tentar criar um modelo de linguagem natural maior para conseguir uma resposta final, ele, normalmente, vai alucinar”, explicou. “Mas tendo um sistema que passa por um agentic workflow, criticando e melhorando o trabalho, podemos conseguir resultados mais precisos e valiosos”, afirmou.

Ele encorajou as empresas a começarem a experimentar com a IA, mesmo com iniciativas limitadas e que vão crescendo aos poucos. “As oportunidades são vastas”, acrescentou.

Uma forma de fazer as coisas andarem no mundo corporativo é promover treinamentos para que os líderes encontrem oportunidades em suas áreas. “Geralmente a gente começa com uma apresentação sobre IA para dar aos líderes não técnicos um conhecimento básico para eles trabalharem”, contou. O próximo passos é chegar a pelo menos 10 potenciais casos de uso e avaliar sua viabilidade e retorno para o negócio.

Depois vem a decisão de contratar de fora, ou construir internamente uma solução. Mas como, muitas vezes, não existe nada pronto, é preciso partir para a construção própria. Uma opção para fazer isso é transformar a iniciativa em um negócio novo separado da empresa, para dar mais autonomia em seu desenvolvimento.

Esqueça o apocalipse das máquinas

O especialista admitiu os riscos potenciais do mal uso da IA, como os deepfakes pornográficos, feitos sem consentimento dos envolvidos, mas disse acreditar que seus benefícios serão muito maiores do que os problemas.

Para ele, o medo de uma dominação humana pelas máquinas é muito mais uma questão de “ficção científica do que de ciência”. Andrew, inclusive, vai na contramão de outro especialista da área, Ray Kurzweil, que prevê que a inteligência artificial geral – aquela capaz de desempenhar qualquer tarefa feita por um ser humano – será atingida em 2029.

Para ele, isso ainda vai demorar algumas décadas, ou mais. “Eu acho que o termo está perdendo sentido. É tipo um termo da moda”, cravou ele, comentando que a definição do que é AGI muda de acordo com o interesse de quem usa o termo e que, por isso, esse momento já pode até ter chegado, ou estar mais longe ou mais perto.

Ele afirmou que tenta nem falar sobre esse conceito por conta dessas diferentes interpretações possíveis. Mas, mostrando seu lado otimista, disse esperar esse momento chegar. “não vejo nenhuma limitação fundamental na física para que isso não aconteça. Eu espero que aconteça. E que venha enquanto estivermos vivos. Mas acho que estamos há pelo menos 10 anos distantes disso acontecer”, disse.  

Expectativas e valuations inflados

Perguntado pelo Startups sobre os altos valuations de companhias como OpenAI e xAI, e se estes valores são realistas, Andrew disse que ainda é preciso esperar para ver se essas companhias vão gerar as receitas necessárias para justificar o que os investidores esperam delas. Segundo ele, sua perspectiva é cautelosamente otimista. “Elas vão chegar lá em algum momento. Mas quanto tempo isso vai demorar pode ser um problema para as companhias”, disse.  

Para ele, o problema no momento é que o mercado está muito competitivo e os custos são muito baixos para as empresas. Isso permite que uma funcionalidade seja migrada entre plataformas facilmente.

Ele ponderou, no entanto, que as empresas têm gente muito inteligente e que certamente estão trabalhando em formas de driblar essas questões. A OpenAI, por exemplo, tem um bom negócio entre assinantes individuais, até onde ele saiba. “Sou amigo de todos os CEOs, então eu realmente espero que eles sejam bem-sucedidos”, brincou.