* Por Cláudia Mesquita e Diana Marcondes de Paula, especialistas em patentes do Di Blasi, Parente & Associados
Os últimos anos vêm sendo marcados pela incansável busca de melhorias tecnológicas e soluções facilitadoras para problemas nunca resolvidos como, por exemplo, a criação dos bancos digitais que propõem o fim das diversas burocracias estabelecidas pelos grandes bancos físicos que dominam esse mercado. É nesse contexto que se enquadram as startups, empresas que fornecem produtos e serviços únicos e necessários que ainda não tenham sido criados e que detêm uma importância devastadora no que cerne o desenvolvimento da sociedade.
De acordo com Steve Blank, renomado empreendedor do Vale do Silício, uma startup é “uma organização temporária destinada a busca por um modelo de negócios repetível e escalável”, enquanto empresas padrões se dedicam a seguir um plano de negócios fixo. Por meio de ideias disruptivas que promovem as inovações constantes propostas por essas empresas, estas têm adquirido uma posição engrandecida em seus ramos de atuação, alcançando valores de mercado que caracterizam seu constante crescimento exponencial.
Tais ideias, responsáveis pelo deslanche do desenvolvimento de uma startup, podem ser consolidadas como o seu capital de partida – e o mais valioso – as quais resultam em criações inovadoras que possuem o poder de impactar o atual modelo das empresas padrões. Diante de tamanho destaque e da importante relação de causa-efeito decorrentes desse cenário, é de suma importância que as startups detenham uma segurança jurídica para essas criações de forma a garantir que estas não sejam reproduzidas por outras empresas.
Tendo em vista que estas criações são os principais ativos intangíveis das startups, a propriedade intelectual entra em cena a fim de resguardar os direitos dessas empresas sob tais criações por meio da proteção por patentes, registros de marcas, desenhos industriais e programas de computador.
No que tange os novos produtos e/ou processos criados pelas startups, estas têm a possibilidade de proteger tais desenvolvimentos por meio de depósito de pedido de patente, o que traz uma maior segurança jurídica e valorização dos ativos dessas empresas. Além disso, a concessão de uma patente confere às startups o direito exclusivo à exploração dessas criações por um período determinado, conforme estabelecido pela Lei da Propriedade Industrial. Dessa forma, essas empresas conseguem garantir que terceiros não se apropriem das soluções disruptivas resultantes dessas invenções.
Entretanto, a relação das startups com essas formas de proteção é ainda bastante embrionária no que tange o cenário dessas empresas no Brasil. De acordo com o Radar Tecnológico, um relatório estatístico baseado em informações de patentes elaborado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com o intuito de promover o acesso à informação tecnológica para fins estratégicos pela indústria brasileira, das 2.478 startups cadastradas junto à Associação Brasileira de Startups – ABStartups até maio de 2019, apenas 42% fizeram uso do sistema de Propriedade Intelectual.
O relatório ressalta ainda que para a maior parte das empresas analisadas, o registro de marcas é o ativo mais utilizado, perfazendo um total de 973 empresas que utilizaram o sistema de marcas do INPI. Enquanto isso, patentes, desenhos industriais e programas de computador ficam para trás, englobando um número consideravelmente menor de empresas que buscam por essas proteções. Em geral, as startups não possuem um número significativo de pedidos de patente, sendo apenas sete empresas as quais apresentam três ou mais pedidos de patentes depositados no INPI.
Em março de 2020, o SEBRAE divulgou uma lista das 9 startups consideradas como as mais promissoras para os anos de 2020 e 2021. Em uma breve busca no banco de dados de patentes, desenho industrial e software do site do INPI, foi possível verificar que apenas duas dessas startups mais promissoras citadas pelo SEBRAE possuem algum processo em andamento para proteção de seus ativos perante o INPI.
Dessas duas empresas, uma é voltada para o agronegócio e propõe o uso de drones para a pulverização de grandes áreas de cultivo, enquanto a outra oferece um imediatismo para logísticas de entrega e transporte por intermédio de um aplicativo desenvolvido para esta finalidade. De acordo com a busca realizada, apenas 1 pedido de patente foi encontrado na base de dados do INPI para cada uma dessas startups e nenhum pedido de registro de desenho industrial e de programas de computador.
Desta feita, a partir desse cenário, fica claro que a busca pela proteção de suas criações por parte de empresas desse tipo ainda é bastante restrita, haja visto que os números aqui expostos no que se refere ao uso dos ativos ora mencionados por parte dessa categoria de empreendedores perante o INPI ainda é bastante reduzido.
Por essa razão, a implementação de estímulos para que haja um aumento na busca pela proteção das criações das startups por meio da propriedade intelectual se faz altamente necessária, uma vez que a proteção desses ativos também possui diversos papeis relevantes frente a competição entre essas empresas, tal como a redução de condutas de concorrência desleal.
É nesse contexto e mediante o crescimento acelerado das startups que o INPI, através da Portaria INPI PR nº 247 de 22 de junho de 2020, estabeleceu que depositantes de patentes que se enquadram na definição de startup poderiam requerer prioridade para o exame de seus pedidos a fim de facilitar a comercialização de suas invenções.
Desde 12 de maio de 2020, o INPI disponibiliza painéis interativos que permitem o acompanhamento de requerimentos de pedidos de patentes através dos trâmites prioritários disponibilizados por este Instituto, dentre os quais se encontra aquele direcionado às startups. Esses painéis permitem identificar a quantidade de pedidos para os quais o trâmite prioritário foi requerido, a natureza dos mesmos, bem como o país dos depositantes, dentre outras informações relevantes.
Através de uma breve análise deste painel, foi possível verificar que, até a última atualização dos dados desses painéis pelo INPI, em 17 de março de 2021, o trâmite prioritário para startups foi requerido apenas para dois pedidos de patentes, sendo um deles de uma empresa norte-Americana do setor de produtos farmacêuticos e o outro de depositantes brasileiros, cuja invenção se refere ao campo tecnológico de transportes. Além do número extremamente reduzido, somente para o primeiro pedido foi dada continuidade na tramitação da análise quanto à participação do mesmo no programa em tela, estando, nesse momento, em fase de confirmação da tecnologia. Quanto ao pedido de patente brasileiro, este teve a petição do trâmite prioritário não conhecida pelo INPI, uma vez que os depositantes são pessoas físicas e, portanto, não se enquadrariam no programa.
Considerando o exposto, fica claro o quanto a propriedade intelectual, especialmente a proteção por patentes e programas de computador, ainda não representa um papel de destaque na estratégia de negócio das startups, haja visto o número reduzido de empresas desse tipo que buscam pela proteção desses ativos. Além disso, ainda que o INPI, órgão este tão responsável pelo estímulo ao desenvolvimento de tecnologias no Brasil, tenha dado um grande passo no incentivo a essas empresas com a implementação do trâmite prioritário descrito aqui, poucas são aquelas que buscaram por esta ferramenta até então.
De toda forma, em vista de todas as vantagens competitivas trazidas pela proteção de suas inovações, é altamente recomendável que os empreendedores de startups incluam a proteção de seus ativos intangíveis dentre seus principais interesses e estratégias de negócio, de modo a garantir que o desenvolvimento de suas tecnologias esteja assegurado e restrito aos seus desenvolvedores. Do contrário, as consequências podem ser devastadoras e podem pôr em risco a consolidação dessas empresas no mercado.