Quando chegou na 99, em 2016, Peter Fernandez falou para os funcionários da companhia que ela seria o primeiro unicórnio brasileiro. A reação que o ex-executivo do Google esperava era de empolgação. Mas o efeito da frase foi exatamente o contrário. Ninguém se manifestou. “O que eu fui descobrir depois é que ninguém sabia o que era um unicórnio. Eles não sabiam do que eu estava falando. Não era um conceito tão conhecido”, contou.
Dois anos depois, a profecia de Fernandez se concretizou. E com ela, veio a aceleração de todo o mercado – agora são 11 unicórnios (não, o C6 não está na conta) e os investimentos em venture capital passam de US$ 2 bilhões. E ainda tem muito mais por vir.
“Se você olhar os dados da China, da Índia e de outros mercados, eles também tiveram pontos de inflexão similares. Em algum momento, você teve um caldo primordial que levou a uma explosão cambriana. E acho que no Brasil isso está para acontecer”, disse Mate Pencz, cofundador da Printi (vendida para o grupo irlandês Cimpress) e da Loft, que atingiu o status de unicórnio em janeiro, apenas 18 meses de sua criação.
Os dois participaram do painel “Insights into Brazil´s Silicon Valley”, durante o Asia Summit do Milken Institute. A sessão, que também teve João Barbosa, cofundador da Gympass, foi moderada por Gustavo Brigatto, fundador e editor-chefe do Startups. A abertura do painel foi feita por Luciano Huck, que disse que o Brasil pode se tornar a “primeira superpotência verde do planeta” – se tiver as lideranças e a visão para isso.
Para Fernandez, a grande diferença de hoje para aquele momento de 2016 é que na época era difícil achar bons talentos para startups porque haviam poucos bons exemplos de exits – como a compra do Buscapé pela Naspers. “As pessoas não tinham a noção de que entrar em uma startup de crescimento acelerado poderia ser bom para a sua carreira. Eu tentei e falhei em chamar pessoas de lugares como o Google, que mais recentemente têm ido às startups para buscar talentos”, disse Fernandez. Segundo Pencz, na Loft, boa parte da equipe é composta por pessoas que já trabalharam ou fundaram alguma startup.
Pencz acrescentou à mistura a disponibilidade de recursos para investimento. Ele lembrou que Fernandez foi um dos primeiros investidores na Printi, em 2012. “Não menosprezando o talento dele como investidor, mas simplesmente não havia dinheiro disponível. Quando liguei para as pessoas e perguntei quem estava investindo por aqui, eles me disseram Peter Fernandez, do Google”, contou. Pencz reforçou a avaliação de que o mercado chegou a um ponto de inflexão e disse que se a Loft tivesse nascido há uma ou duas décadas, seria praticamente impossível construir o negócio da forma como está sendo feito. “Tem também a evolução natural dos consumidores, que não estava muito acostumada a compra coisas além de bens de consumo on-line e agora procura outras coisas. É uma tendência que vinha acontecendo no mundo, mas que demorou a chegar por aqui”, disse.
Além das fronteiras
O desenvolvimento do mercado internamente também ajudou a criar companhias com ambições globais, como o Gympass.
Na expansão para 10 países em um prazo de um ano e meio, João Barbosa, cofundador da companhia que ficou responsável pelo processo, sempre recebia questionamentos sobre a origem da companhia e suas ambições. “Eu ouvia muito que é mais comum uma empresa europeia ir para a América Latina, não o contrário. Quem é a empresa europeia ou dos EUA que está fazendo isso? Quem vocês estão copiando? Mas não, estamos inventando esse mercado”, lembrou.
No processo, a Gympass acabou se tornando um unicórnio praticamente um ano antes de seu competidor americano, a ClassPass. “Temos orgulho de carregar a bandeira do Brasil para o mundo. Ser os líderes, resolver um problema global”, disse.
Em meio à pandemia a companhia precisou fazer ajustes em sua operação, reduzindo equipe e adicionando opções e uso on-line, junto com outros serviços, como psicólogo e até crédito. Para ele, excluindo os momentos mais duros da reestruturação, a companhia está em uma melhor posição melhor hoje. “Podemos oferecer uma solução mais completa não só para as empresas clientes, mas também para nossos parceiros”, disse.
Para Fernandez, o exemplo da Gympass é mais um reforço das perspectivas para os próximos anos. “A última geração de companhias inovadoras foi construída em meio à crise e não tem nenhuma razão para pensar que as próximas não estejam fazendo a mesma coisa agora. Crises criam empresas fortes”, disse.
Assista ao painel na integra: