Negócios

Cenário político é impulso para startups expandirem globalmente

Para Juan Pablo Ortega, fundador da Yuno e do Rappi, ter uma presença global ajuda a reduzir o risco de impactos políticos locais

Juan Pablo Ortega, cofundador da Yuno
Juan Pablo Ortega, cofundador da Yuno

*Vandson Lima, de Londres, especial para o Startups

O mundo nunca foi um lugar tranquilo. E certamente nunca será. Uma guerra. Uma crise econômica. Uma eleição conturbada. Algo sempre estará acontecendo em algum canto com possíveis efeitos em todo o mundo. Se a instabilidade é uma constante, o que deve fazer um empreendedor para diluir seu risco? Expandir globalmente.

A resposta de Juan Pablo Ortega, cofundador da fintech Yuno e do Rappi, parece contra-intuitiva já que ter uma operação internacional significa, na prática, aumentar o risco do negócio. Mas a ideia é que, no balanço geral, uma localidade compense a outra em momentos de dificuldade. “Acho que isso é importante para qualquer empreendedor ter, uma mentalidade que lhe permita basicamente não se preocupar com uma eleição”, diz ele em entrevista ao Startups.

Lançada há dois anos, a Yuno, que oferece um sistema de pagamento para empresas, tem conexão com mais de 300 meios de pagamento. Em sua mais recente rodada de investimento – uma série A anunciada em março – a companhia levantou US$ 25 milhões com o objetivo de impulsionar suas operações no Brasil, nas Américas, na Europa, na Ásia e na África. “Conseguimos mostrar tração em questão de dois anos, estamos trabalhando com algumas das maiores empresas do mundo”, destaca Juan Pablo.

Nesta conversa com o Startups, Juan Pablo Ortega fala sobre as perspectivas para a operação da Yuno no Brasil e também sobre o Rappi.

O cenário político global tem estado bastante conturbado nos últimos tempos. Este ano mesmo já tivemos eleições problemáticas na França, no Reino Unido e no fim do ano nos EUA não será diferente. Como uma empresa global, quais são suas expectativas aos efeitos dessas movimentações?

Quando a Colômbia estava em seu auge em termos de investimento estrangeiro, e alguns meses depois de lançarmos, o país passou a ter um presidente de esquerda que deteriorou completamente o valor do peso, expulsou completamente os investidores do país.

Mas a realidade é que, para as startups, há pouca influência da situação política. Portanto, para as empresas, nossas localidades que estão crescendo, o ambiente político, quem está pressionando, realmente não muda nada. Para mim, isso cria um impulso para olhar além de onde nascemos. 

Isso é importante para a Yuno, em termos de perspectiva?

Acho que há um motivo pelo qual a Yuno tem se concentrado em se tornar uma empresa global, uma empresa global que processa pagamentos em mais de 60 países estrangeiros, uma empresa global que gasta muito na Ásia e nos EUA.

O que isso nos permite é basicamente criar uma empresa que, se o cenário mudar em um determinado país, isso não afetará nossos negócios. Acho que isso é importante para qualquer empreendedor ter, uma mentalidade que lhe permita basicamente não se preocupar com uma eleição.

Se olharmos para a regulamentação, ela tem sido assim há muitos anos. Isso pode empurrá-lo como se fosse um vento contrário para uma empresa. Você está em uma empresa e eles vão regulamentar. Mas, como empresário, quando abrimos empresas, vemos problemas e queremos resolvê-los. Pensar assim é o caminho mais longo.

Há alguns meses, eu estava em uma viagem para esquiar. E havia um caminho para baixo e um para cima. Eles disseram ‘vamos por ali’ [pela subida]. E começamos a subir cada vez mais, e agora estávamos há 30 minutos do local. Eu estava suando, e então perguntei: por que estamos fazendo isso? E disseram: onde você abre uma empresa? Eu disse: você está completamente certo. Sempre escolhemos o difícil, sempre escolhemos a subida. E isso significa que, se é algo que não nos desmotiva, ao contrário, vamos continuar nos esforçando.

Falando sobre o setor de pagamentos, como você vê o cenário e como a Yuno está inserida nele?

O orquestrador de pagamentos é basicamente um software que ajuda grandes empresas a receber e também a distribuir pagamentos em todo o mundo. Portanto, mesmo que você seja apenas uma empresa brasileira, como nós temos, empresas no Brasil, como a Smart Fit, como o McDonald’s, elas usam nossos serviços para cortar custos e aumentar a receita.

Como fazemos isso? Em primeiro lugar, nós os habilitamos a aceitar todos os diferentes métodos de pagamento necessários. Então, no Brasil, você poderia pensar, ‘ei, eu tenho Pix e isso é suficiente’. A realidade é que há muitos métodos de reembolso que levam 70% dos brasileiros a ainda preferir pagar. Há Pic Pay, você tem cartões de crédito, você tem cartões de débito. Você tem uma grande variedade de métodos de pagamento que os brasileiros utilizam.

A realidade é que as empresas precisam investir muito em desenvolvedores de software, equipe de operações para criar todos os recursos necessários para poder oferecer isso. Portanto, o que fazemos é sermos um software realmente fácil de usar. Nossos clientes podem tirar proveito da possibilidade de oferecer todos os diferentes métodos de pagamento em um único lugar, o que lhes permite vender mais, aumentar suas taxas de aprovação e ter sistemas antifraude para economizar dinheiro.

Temos mais de 150 conexões em todo o mundo que permitem às empresas acessarem mais de 300 métodos de pagamento e provedores de pagamento diferentes. Isso permite que elas tenham uma vantagem. Assim, com o tempo e usando nossa plataforma, elas podem economizar nos custos de processamento. 

Em março vocês anunciaram uma série A de R$ 125 milhões. Uma bolada em uma fase de mercado ainda complicada, restritiva em termos de novos aportes. Como vocês conseguiram chegar nesse cheque?

Estamos no momento em que o investimento está vindo. Conseguimos mostrar tração em questão de dois anos, estamos trabalhando com algumas das maiores empresas do mundo. É algo que os investidores gostam e havia uma necessidade disso, porque todas as empresas estavam tendo dificuldades com pagamentos.

Mas eles diziam: “Você vai conseguir resolver isso?” Porque é um problema realmente complicado. E eu acho que, ao criar isso, se nós criamos ajudando essas grandes empresas a fazer isso, você dá a elas a confiança de que isso é um tipo de trabalho para você. 

E quais as perspectivas para o Brasil?

O Brasil é um dos países mais importantes para nós. Estamos crescendo e vamos anunciar novos clientes. Portanto, vocês ouvirão essas novidades em breve, pois o Brasil está na vanguarda da tecnologia financeira e dos serviços financeiros. Foi o primeiro país da América Latina a estabelecer a execução e o fechamento de todas essas leis para ajudar. E as fintechs.

Portanto, vemos sempre o Brasil como um país onde temos que estar, sempre desenvolvendo novas tecnologias, sempre habilitando todos os novos métodos de pagamento, porque estamos vendo que essas tendências estão acontecendo primeiro no Brasil. Nós vamos replicá-las no resto do mundo. Será no México, mas também poderá ser na Indonésia e na Arábia Saudita, pois as pessoas, de modo geral, querem comprar com mais facilidade.

E o fato de podermos ser o orquestrador de um país como o Brasil, que está na vanguarda da tecnologia financeira, nos coloca em um ótimo lugar à medida que avançamos pelo mundo. 

Quais você acha que são os desafios em termos de legislação, regulamentação, para operar no Brasil? 

Não temos grandes desafios. O Brasil é um dos países com as melhores e mais claras leis em relação a pagamentos, em relação a qualquer coisa relacionada a fintech. É também um dos mais rigorosos.

Vamos colocar o exemplo do Rappi. O Rappi pode cobrar dos clientes, dos cartões de crédito, de qualquer coisa. Basicamente, eles podem economizar seu dinheiro e distribuí-lo para seus restaurantes e para uma operadora. E isso não o coloca em uma situação em que você é uma instituição regulamentada. Esse não é o caso do Brasil.

O Brasil aprovou uma lei há cinco anos em que a transferência, o processador de pagamentos, tinha que dividir o pagamento e basicamente não podia reter fundos de terceiros. Portanto, para nós, em termos de regulamentação, trata-se apenas de garantir que estamos nos desenvolvendo e que temos todos os recursos de que nossos clientes precisam.

Na Colômbia, em comparação com o Brasil, ele tem o processador de pagamentos, que basicamente recebe. Todos esses pagamentos passam por sua conta bancária, e então nós pagamos aos provedores, eles podem enviar uma transferência bancária. No Brasil não. Temos que especificar na solicitação de pagamento, ok, você está cobrando US$ 100, desses US$ 100, US$ 80 vão para o restaurante. US$ 20 vão ficar com a empresa. E o adquirente é quem faz essas separações. 

É bem específico, então

Isso. Acho que mais do que essa regulamentação, o Brasil tem muitos casos de uso específicos. Outro grande exemplo de coisas que temos de gerenciar é que a maioria dos cartões são combinados, é tanto de crédito quanto de débito. E a única maneira de dizer qual é o caminho a seguir é o usuário selecionando. 

Muitas empresas que vêm para o Brasil têm dificuldades. E essas são as coisas em que ajudamos as empresas, à medida que expandimos no Brasil, a entender as pequenas nuances. 

E parcelamento, imagino. 

E para entender também que você pode parcelar e muitas pessoas dizem: “Ah, eu deveria comprar agora e pagar depois”. Então, para parcelar, você pode fazer isso facilmente. E essas são coisas locais que acontecem no Brasil e que temos de criar um monte de recursos.

Portanto, na regulamentação, é realmente muito simples. É mais sobre como as coisas funcionam, como você localiza a experiência dos clientes para que eles possam realmente crescer e expandir no país.

Falando do Rappi, empresa que você foi um dos cofundadores. Nesse cenário desafiador para as startups e empresas de tecnologia em geral, como está a saúde financeira da companhia?

Olha, o que vemos é um momento incrível, porque a Rappi tem nove anos, vai fazer dez anos. Começamos por volta do início de 2015. E passamos por muitos altos e baixos.

O que você vê hoje é que o Rappi, foi anunciado há alguns meses, alcançou o breakeven. Tem conseguido manter sua posição financeira à medida que se expande. Agora estamos em nove países diferentes e o CFO Tiago Azevedo, que vem do Mercado Livre, com Henry e alguns executivos da DoorDash. Chegou a um ponto em que conseguiu continuar crescendo sem investir demais e sem as coisas que estavam acontecendo antes.

Portanto, embora você tenha mencionado que não é um momento fácil, acho que as empresas estão se concentrando em resolver os problemas que as pessoas têm.

Se olharmos para trás, veremos que os momentos mais desafiadores foram quando as melhores empresas foram criadas. Em 2000, tivemos o Google e a Amazon e tudo estava em baixa.

Por isso, acho que o mercado é cíclico e estamos passando por esse período incrível em que, digamos, os próximos unicórnios, ao longo da década, nascerão durante esses tempos desafiadores. 

Você falou do DoorDash. Muito se especula sobre uma união de DoorDash e Rappi. Isso é uma possibilidade? 

Isso é algo de que não tenho conhecimento. Gostaria de ver se acontece ou não, porque não estou mais envolvido com a empresa.

Mas, como cofundador, não acho que esse seja o objetivo da empresa. E não acho que esse será o plano. 

A Rappi se lançou em diversas iniciativas como RappiPay e RappiTurbo. Qual a prioridade?

Entregas rápidas. Você tem estratégias diferentes em cada país. Nosso foco é ter experiência em cada mercado, o que significa que a estratégia e a equipe tinham de ser localizadas e tinham de estar em uma estratégia doméstica. O que estávamos construindo em Bogotá, não funcionaria em São Paulo porque não entendíamos o mercado deles.

Então, desde o primeiro dia, contratamos uma equipe local e hoje toda a operação no Brasil é feita em São Paulo.