Negócios

Chicago pode ganhar Bolsa de startups com foco em minorias

Dream Exchange aguarda licença e aprovação de projeto de lei para começar a operar como venture exchange nos EUA

Chicago. Foto: Canva
Chicago. Foto: Canva

Para que uma startup consiga investimentos de venture capital, quase sempre, é preciso estar no lugar certo, no momento certo e com as pessoas certas. O que significa que as chances de sucesso são maiores para os fundadores que já fazem parte de grupos sociais mais favorecidos. Ou seja, que já possuem um lugar à mesa.

É para mudar esse cenário que o advogado norte-americano Joe Cecala tem se dedicado, durante os últimos cinco anos, à criação de uma nova Bolsa de Valores em Chicago, nos Estados Unidos: a Dream Exchange. O plano é que a Bolsa funcione como uma venture exchange, possibilitando que empreendimentos de comunidades sub-representadas possam ter acesso aos recursos do mercado de capitais.

O caminho até esse “sonho”, porém, tem sido longo. O principal entrave é que a legislação americana ainda não prevê o registro de venture exchanges. Para que esse tipo de Bolsa exista, é preciso que o Congresso americano aprove um projeto de lei chamado Main Street Growth Act. Depois que o texto for aprovado, Bolsas de Valores já existentes poderão solicitar à Securities and Exchange Commission (SEC) — a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do país — a aprovação para operar como uma venture exchange.

O segundo obstáculo é que a Dream Exchange ainda não é, oficialmente, uma Bolsa de Valores. Em entrevista ao Startups, Joe garante que a licença deve sair “muito em breve”, o que possibilitaria a empresa a operar no mesmo nível de bolsas como a NYSE e a Nasdaq, por exemplo.

“Nós temos trabalhado com a SEC desde agosto. Eles farão uma outra revisão final dos nossos documentos, são 2.600 páginas de documentação para a bolsa de valores, e aí terminamos. Depois disso, dependemos deles. Mas esse processo não costuma levar mais que alguns meses. Nós deveremos ter a licença ainda este ano, com certeza”, afirma.

Venture exchange

O Main Street Growth Act altera o Securities Exchange Act de 1934 para permitir o registro de venture exchanges nos Estados Unidos. Nessas Bolsas, seriam negociadas ações de empresas consideradas de risco, como startups, além de pequenas empresas em geral. Segundo Joe, porém, o processo de aprovar uma lei no Congresso americano pode ser desafiador.

“A legislação foi realmente criada, talvez, há oito anos. Em 2018 nós nos envolvemos significativamente, depois de termos feito muitas pesquisas sobre pequenas empresas de capital aberto. Foram feitas alterações significativas no projeto de lei, promovidas por nós. E uma lei reformulada foi introduzida e aprovada por unanimidade, tanto no Comitê de Serviços Financeiros, como na Câmara dos Representantes. Depois, retornou ao Senado, e provavelmente teria sido aprovada no Congresso no final de 2018. Mas então houve um fechamento do governo em 2018, e cerca de 200 leis que haviam passado nas duas Casas não foram assinadas pelo presidente. E então nós tivemos que começar tudo de novo”, lamenta o fundador da Dream Exchange.

Com a pandemia e outras “distrações”, o texto foi sendo deixado de lado. No entanto, o projeto de lei foi reintroduzido em junho de 2023 pelo senador republicano John Kennedy — que não tem relação com o presidente americano John F. Kennedy. Em dezembro do ano passado, foi então reintroduzido na Câmara de forma bipartidária pelos congressistas Tom Emmer, republicano, e Jimmy Panetta, democrata. 

“Neste último ano, desde o outono passado, voltamos ativamente. Tenho me reunido em Washington DC, provavelmente tive 70 ou 80 reuniões no Capitólio desde setembro passado. E parece muito provável que o projeto seja aprovado ainda este ano”, aponta Joe.

Joe Cecala, fundador da Dream Exchange. (Foto: Divulgação)

I have a dream…

A experiência do fundador com Bolsas de Valores começou no fim da década de 1990, quando Joe foi consultor jurídico da entidade que criou a Archipelago, empresa de rede de comunicações eletrônicas (ECN), que depois se fundiu à New York Stock Exchange (NYSE). Com a fusão, a empresa se tornou a Archipelago Exchange (ArcaEx), agora NYSE Arca, com sede em Chicago. Em 2015, Joe começou a formular ideias para mudanças na legislação que adereçassem o problema do declínio de IPOs nos Estados Unidos e, em 2018, criou a Dream Exchange.

Em 2020, o advogado Dwain Kyles passou a fazer parte do negócio, como managing member e, hoje, diretor. Nascido em Chicago, Dwain é filho do Reverendo Samuel Billy Kyles, que lutou pelos direitos civis da população afro-americana ao lado de Martin Luther King. Ele estava presente, inclusive, quando o autor do famoso discurso “I have a dream” foi assassinado na sacada de um hotel em Memphis, no Tennessee.

Para Joe, a criação de uma Bolsa de Valores que tenha sido fundada por pessoas nascidas em comunidades sub-representadas é um passo importante para atingir a igualdade social. “Por que precisamos de uma Bolsa de Valores controlada por uma minoria? Nós trazemos um ponto de vista para o jogo. Talvez a nossa mera presença acabe sendo uma presença ética para o mercado, onde nossos concorrentes não estão fazendo nada a esse respeito. Nós estamos focados em todas as empresas que têm uma boa ideia. Mas nós somos diferentes porque somos organicamente parte de uma comunidade de minorias. Nós temos acesso, por exemplo, à Câmara Nacional Negra de Comércio, onde nenhuma outra bolsa de valores está”, avalia.

Além disso, Joe acredita que a Dream Exchange pode ajudar a ampliar a comunicação, dentro dessas comunidades, a respeito das possibilidades de financiamento no mercado financeiro. A ideia também é criar uma espécie de comunidade em que empreendedores e investidores possam estar conectados.

“Muitas empresas que não seriam elegíveis agora para estar em uma Bolsa de Valores podem ser um dia. E eles terão a oportunidade, através de nós, de fazer o que eu chamo dealflow reverso, e tentar levantar algum capital privado primeiro. Nós nos tornamos uma espécie de rede social, chamada de DreamEx Connect, que faz essa conexão no early stage”, conta Joe.

Solução para seca de IPOs

A iniciativa se junta a outras bolsas “alternativas” que têm surgido pelo mundo, inclusive no Brasil. Além da Bolsa de São Paulo, o país pode ganhar uma concorrente da B3 no Rio de Janeiro, possivelmente liderada pelo fundo soberano da Arábia Saudita, o Mubadala Capital. E existem iniciativas no país para criação de bolsas de startups e de negociações em mercados secundários por meio de tokens, como fazem a BEE4 e o Mercado Bitcoin.

O objetivo é aumentar a liquidez no mercado de capital de risco e resolver o problema da falta de IPOs — o que também tem causado impactos negativos na liquidez. Dados da Bloomberg apontam que o volume de IPOs nos Estados Unidos está 92% abaixo do registrado em 2021. Na B3, não se vê uma estreia desde dezembro de 2021.

Para o fundador da Dream Exchange, a solução para esse problema, no mercado americano, está na aprovação do Main Street Growth Act, o que dará às pequenas empresas a oportunidade de abrir capital. Segundo ele, essa oportunidade hoje está restrita às startups que “ganham na loteria” e se tornam unicórnios ou estão no Vale do Silício.

“Estar na Dream Exchange significa que a empresa estará na big league? Não. Existe um processo pelo qual as pequenas empresas públicas se tornam grandes empresas públicas. Mas se você nunca for convidado para ser uma pequena empresa pública, com certeza nunca será uma grande empresa pública. O objetivo da Dream Exchange é ser um tapete de boas-vindas para aqueles que historicamente foram privados de direitos. E isso não significa apenas uma comunidade minoritária, na verdade significa uma comunidade empreendedora que pode não estar localizada no Vale do Silício, por exemplo”, diz.