- Claudio Ferreira, especial para o Startups
O Love Cabaret, denominação do projeto que ocupará o espaço da icônica boate paulistana Love Story, adotou o equity crowdfunding como parte de sua estratégia. Realizado em 30/7 por meio da plataforma Divi Hub, a iniciativa levantou R$ 1 milhão em exatos 42 minutos, e as 100 cotas de R$ 10 mil cada foram arrematadas por 62 sócios. O Startups esteve na primeira reunião dos sócios majoritários com a comunidade de investidores no primeiro andar do “inferninho” criado em 1991.
“Parabéns a todos vocês que tiraram o dinheiro do sistema financeiro para investir no nosso projeto. É um exemplo importante para contestar o que está estabelecido. Temos ainda algumas discussões conceituais, mas temos um compromisso de gerar dinheiro para vocês dentro de um ambiente ético de negócios”, disse Facundo Guerra, um dos três empresários responsáveis pelo novo empreendimento, aos seus novos sócios “minoritários”. Um dos pontos éticos estabelecidos nessa relação é que ninguém pode utilizar da prerrogativa de ser sócio para obter vantagens com as pessoas que vão trabalhar no local.
Na prática, os 62 novos investidores, que ficaram com 13,3% do empreendimento, terão direito a parte do lucro do Love Cabaret. A maior parte do dinheiro captado será destinado para obras e reformas (70%), enquanto 20% serão investidos em marketing e desenvolvimento artístico e 10% do investimento vai cobrir os custos de aquisição do leilão da massa falida (marca e equipamentos) da Love Story.
O valuation do futuro cabaré está estimado em R$ 7,5 milhões, e a captação pela Divi foi feita em regime de SCP (Sociedade em Conta de Participação), na qual os lucros serão distribuídos semestralmente como dividendos. Além disso, os novos cotistas terão uma série de vantagens ao frequentar e consumir na nova casa.
Os 62 “eleitos”, pelo que vimos, confiam em Facundo. E, para quem não o conhece, ele é o nome que comanda outras conhecidas casas noturnas da capital paulista como o Bar dos Arcos, que fica no subsolo do Teatro Municipal, além da Z Carniceria e Cine Joia, entre muitos outros. Ao seu lado, estão outros dois nomes conhecidos da noite paulistana: Cairê Aoas (Fábrica de Bares) e Lily Scott (promoter).
Depois de uma breve apresentação, o trio falou dos planos para o empreendimento e revelou que a reforma do imóvel está estimada em torno de R$ 3 milhões a R$ 3,5 milhões. A casa pode ser inaugurada no fim de outubro, ou início de novembro, com capacidade estimada para 260 pessoas. Além da previsão de abertura, detalhada para a comunidade de sócios ainda na captação, há a expectativa de um faturamento bruto no primeiro ano de R$ 3,4 milhões, chegando a R$ 11 milhões no sexto ano.
Ontem (11), o Love Cabaret iniciou os trabalhos de demolição, restauro e montagem da nova cenografia no local, com a garantia que os tradicionais espelhos e os letreiros de neon do lugar serão preservados. “Queremos uma nova atmosfera, sem descaracterizar o lugar. A associação natural da Love Story é com putaria, mas vamos mudar o foco do sexo para ser uma plataforma de desejos e educação sexual. A sexualidade tem que sair da marginalidade. Venderemos memórias aqui”, filosofou Facundo.
Modelo de negócios
Como o novo nome anuncia, o Love Cabaret terá uma série de shows eróticos e fetichistas. A programação vai incluir apresentações tradicionais de pole dance – “com corpos diversos em idade e formas”, se apressou em dizer Facundo – até podolatria, BDSM, poesia e shibari, método japonês de amarração entre parceiros.
O modelo é o de uma casa de shows, com venda de drinks e comida e apresentações no meio das mesas, em uma área central do lugar, de uma em uma hora. “Estamos selecionando as atrações, vamos ‘envelopar’ [o conceito] e trazer o conteúdo para algo mais teatral”, apontou Lily, que convidou Mayume Sato, curadora de comunidades voltadas para o sexo e colunista do UOL, para ajudar na programação.
“Um fetichista ortodoxo não vai curtir, é mais pra arte. Algumas apresentações-teste me levaram à epifania”, frisou Facundo, acrescentando que os artistas vão receber valores superiores ao mercado para shows de 20 a 30 minutos. “E vamos oferecer workshops deles para o público. Estamos com a ideia de criar duas salas para apresentações exclusivas no segundo andar do imóvel. Não teremos sexo no Cabaret, mas acima dele”. Sim, os três andares acima da nova boate serão ocupados por um motel vertical da marca Lush. No total, serão 28 suítes com três tamanhos distintos.
A parceria foi necessária porque os donos do imóvel – ironicamente, a Santa Casa é um deles – só aceitaram alugar o prédio inteiro. Afinal, quando Facundo e Cairê arremataram a massa falida por R$ 200 mil em setembro de 2021, o passo seguinte era garantir que o projeto estaria no endereço icônico – na Rua Araújo, 232 – quase em frente ao também legendário edifício paulistano Copan. A aquisição da marca, aliás, gerou até ameaças de morte para os sócios. “Ainda não deu tempo, mas eu vou fazer um BO (Boletim de Ocorrência) quando puder”, garantiu, rindo, Lily.
Falando em bastidores, mas de um outro gênero, perguntamos sobre a escolha da plataforma da Divi Hub. E Facundo foi sincero: “Um amigo conhecia uma pessoa que trabalha na empresa e nos conectou com o Ricardo [Wendel, CEO da plataforma]. Pensamos antes de falar com ele em NFT, mas vimos que era volátil, assim como cripto. O legal é que o modelo da Divi foi aprovado pela CVM e é semelhante a um IPO, como um ativo mobiliário, mas com tokens, e com a garantia de lastro financeiro,” explicou.
Wendel complementou: “o nosso modelo é mais do que um crowdfunding, temos a filosofia de economia do criador. Grupos de investimento no exterior ‘adquirem’ um criador, de olho no que ele vai produzir. No caso do Cabaret, a nossa comunidade vai se autorregular e criar novos negócios. Somos uma espécie de cartório de valores mobiliários que busca projetos com foco em comunidades e propósitos”.
A evolução do negócio
Uma dessas novas vertentes do Love Cabaret, revelada por Facundo, é a de gravar as apresentações para criar uma plataforma digital com venda de assinaturas – “ainda estamos desenvolvendo o conceito”, disse. Outra possibilidade é a criação de um marketplace, para venda de produtos como lingerie, vibradores, chás e drinks afrodisíacos. “O Cabaret será uma plataforma de conteúdo mesmo. Mas isto não está no Business Plan, é um desejo”, completou.
Um sócio minoritário, preocupado com questões de médio prazo, perguntou: “Existe uma barreira, como a censura da sociedade, que pode travar o sucesso do negócio?” Facundo se apressou em responder, destilando ironia: “Acredito que não. Não vamos fazer nada chocante, mas se aparecer uma ‘senhora de Santana’ eu a coloco pra dentro e a convido a fazer uma apresentação ‘freak’”, em uma tirada que arrancou o riso de todos.
Logo depois, para equalizar as expectativas, o empresário da noite reafirmou que é preciso um planejamento sério e criar comunidades para que um empreendimento como o Cabaret tenha êxito. “Acredito que a relação proprietário e consumidor pode e deve ser horizontalizada. Existe um risco, claro, mas o propósito é fazer dinheiro para todos. O potencial aqui é gigantesco, e vocês [os sócios minoritários] vão acelerar o retorno com os contatos de vocês. Usem suas redes para fazer barulho”.
Um grupo para trocar ideias no WhatsApp com todo o conjunto de sócios, disse Facundo. E, depois de prometer ouvir a todos, pediu que o grupo seja um pouco comedido no volume dos contatos.