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Com foco na população indígena, Maní Bank propõe neobanco com impacto social

A fintech idealizada pelo comunicador Anàpuáka Tupinambá quer fornecer crédito, investimentos e educação financeira

Divulgação/Alfredo Boc Boc
Divulgação/Alfredo Boc Boc

Depois de uma trajetória de décadas liderando iniciativas com foco em tecnologia e culturas indígenas, o comunicador Anàpuáka Tupinambá se prepara para uma nova empreitada, o Maní Bank. O banco digital deve ofertar serviços financeiros pensados de acordo com as demandas dos mais de 300 povos originários que vivem no país e tem a ambição de mudar realidades.

Anàpuáka é fundador da Radio Yandê, primeira webrádio dedicada à população indígena do Brasil que transmite para 90 países com mais de 3 milhões de ouvintes, e deve começar a operar da sede da Associação Brasileira de Imprensa a partir de 2023, além de ser o criador da Rede de Cultura Digital Indígena. O empreendedor teve o estalo que daria origem ao Mani Bank quando buscava novos caminhos em meio ao isolamento imposto pela pandemia. Foi provocado por um grupo de empreendedores estrangeiros sobre projetos que combinassem tecnologia e empreendedorismo indígena, e quando pagou pela pizza que pediu em meio às suas elucubrações, surgiu a ideia de criar um banco para os seus.

“Comecei a pesquisar e descobri que ninguém estava falando nem pensando sobre sobre esse tema – não encontrei nem mesmo um TCC a respeito [de serviços financeiros para a população indígena]. Pensei então que haveria um espaço para promover autonomia e protagonismo a partir de um banco que gera impacto social nos territórios indígenas, e os usa como ambiente de construção de uma economia diferenciada”, diz Anàpuáka, em entrevista ao Startups.

O público-alvo inicial do Mani Bank serão os cerca de 75 mil universitários indígenas espalhados nos quatro cantos do Brasil. O número veio de mapeamentos feitos por Anàpuáka a partir de dados públicos. “Hoje, temos quase 1 milhão de indígenas espalhados pelo Brasil. Eu tinha que iniciar por um caminho, e decidir qual segmento abarcar inicialmente. Comecei a pensar num grupo de indígenas que já mobilizam uma economia, que são os estudantes indígenas: todos eles estão no sistema bancário, recebem bolsas de estudo. E quando eles voltam para a aldeia, levam o cartão do banco para suas famílias e comunidades”, pontua. O neobanco também deve focar em mulheres e o público com mais de 50 anos de idade como públicos prioritários.

Além da conta digital, a ideia é que o Mani Bank também ofereça produtos de crédito de acordo com os perfis das populações indígenas e investimentos atrelados a agricultura familiar, energia solar e outros nichos da economia com viés de impacto social, e programas de educação financeira para indígenas.

“Queremos criar um modelo onde o cliente saiba que cada centavo colocado lá será convertido em crédito para investir no meio ambiente, terras indígenas que nunca tiveram uma atenção adequada. Bancos convencionais hoje montam linhas de crédito para destruir esses locais, e investem diretamente no agronegócio, na mineração, em madeireiras. Queremos combater esses bancos que apoiam a destruição do meio ambiente”, diz Anàpuáka.

“Mesmo sendo um banco que tem de lucrar, queremos que o dinheiro colocado lá contribua para proteger o meio ambiente, que gere impacto positivo na educação, na cultura e no sistema energético do país. Queremos poder dialogar diretamente com a bolsa, comprar a produção de agricultores indígenas e vender junto, auxiliar os indígenas a não ficarem dependentes do assistencialismo do Estado”, acrescenta o empreendedor. O projeto também inclui a intenção de criar pontos físicos de atendimento, bem como cartões com grafismos que remetem ao povo indígena ao qual o cliente pertence.

Segundo Anàpuáka, o slogan inicial do Mani Bank é “o banco das nossas raízes”, que vem de encontro ao orgulho que o povo indígena tem de suas origens. “Queremos prover serviços de qualidade e crédito para fomentar o empreendedorismo indígena, e sair dessa falácia que indígena não gera nada para o país, e que somos um peso morto para a nação. Somos a base primária desse país e vamos participar de seu futuro econômico também”, diz o fundador, pontuando que a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil seriam alguns dos concorrentes iniciais.

Visão de prosperidade

Segundo Anàpuáka, o nome do banco vem de encontro à cosmovisão indígena ilustrada na história da mandioca, onde a pequena Mani, que era muito querida por todos da aldeia, um dia foi encontrada sem vida pela mãe. O povo então enterrou a menina na oca onde morava (daí o nome mani, do nome da criança, e oca, onde foi enterrada). A terra ficou umedecida com as lágrimas dos parentes, e depois de alguns dias, no mesmo local nasceu a planta que saciou a fome da aldeia e se tornou onipresente na dieta dos povos indígenas.

Anàpuáka Tupinambá, fundador do Mani Bank. Crédito: Alfredo Boc Boc

“A mandioca, ou mani, é comum a todos os povos indígenas do Brasil, e todo mundo entende que tem a ver com prosperidade. Um alimento que, se você não tiver, você não se fortalece. Consegui conectar essa ideia da mani com o banco, com a ideia de lucrar, de poder crescer”, pontua o empreendedor.

Filho de pai indígena e mãe negra, Anàpuáka comenta sobre a quebra de paradigmas que seu projeto apresenta: “A visão predominante de [líderes de] banco é a de pessoas brancas, de berço esplêndido, não de um cidadão como eu, indígena do nordeste tupinambá. Mas o empreendedor pensa de outra forma: como conectar um monte de gente para fazer ideias acontecerem”, frisa.

Em relação aos recursos necessários para colocar o projeto em pé, Anàpuáka diz ter recebido o interesse de vários empresários de diversos setores, com os quais teve contato quando esteve à frente de projetos como o Yby, primeiro festival de música indígena. O evento, que durou três dias e aconteceu no Unibes Cultural em São Paulo pouco antes da pandemia, deve ser retomado, com planos de internacionalização.

Porém, para tirar o Mani Bank do papel o empreendedor vai precisar de um time. O comunicador então se aproximou do mesmo público que quer atingir inicialmente – ou seja, universitários – para operacionalizar o neobanco, começando pelo Encontro Nacional de Estudantes Indígenas, que aconteceu na Unicamp, no mês passado.

“Para montar um time de operação bacana, tem que achar essa galera, e tenho feito muito corpo a corpo para desenvolver contatos neste sentido. Tive a oportunidade de falar com um grupo de estudantes que estão se formando em administração e economia, sobre o empreendedorismo indígena, e ouvi que muitos não sabiam o que fazer da vida uma vez que entrassem no mercado de trabalho, e que querem estar junto, serem sócios, ou estar na operação de alguma forma”, pontua.

Ao mesmo tempo, o empreendedor começou a falar com investidores e até com organizações que querem levar o banco, uma vez estruturado, para países latinos com populações indígenas como o México. As conversas com entes do setor de serviços financeiros também estão informando a estratégia de como “empacotar” os produtos de crédito e investimento.

Aspectos práticos

Anàpuáka também tem dialogado com players sobre a implementação da tecnologia necessária para tornar o banco digital uma realidade. “Descartei dois deles pois eu pagaria taxas muito altas e teria que repassar isso [aos clientes] e começaria como qualquer outro banco. Agora estou em discussões com outros profissionais e buscando tecnologia e investidores para resolver estes aspectos práticos”, diz o fundador.

A busca por parceiros também apresenta desafios. Segundo o empreendedor, converter o interesse em investimentos e participações no time de fato é um deles, assim como atrair pessoas com a mesma energia e propósito. “Nas minhas conversas faço quase que um pitch reverso: não é só uma questão de dinheiro ou de expertise, e sim de saber como a pessoa vai estar motivada a trabalhar naquele projeto. Quero saber não só qual é o sonho individual da pessoa, mas sim seu sonho coletivo”, pontua.

“O indígena tem naturalidade para buscar soluções coletivas, é uma dinâmica diferente da [busca por] bens de consumo. Queremos ter dinheiro para poder auxiliar outras pessoas a terem uma qualidade de vida digna e serem respeitados como cidadãos indígenas, não só pelo poder do capital, mas pelo poder de poder mudar as pessoas, gerar impacto social”, ressalta.

Segundo Anàpuáka, o objetivo é que o Mani Bank esteja com uma operação mínima rodando até o fim de 2023. Até lá, o empreendedor, que é baseado atualmente no Rio de Janeiro, deve decidir se o banco será registrado naquele estado, ou em São Paulo – segundo ele, a decisão será informada por fatores como questões tributárias.

Independente das tarefas a cumprir e dos desafios à frente para dar forma ao Mani Bank, Anàpuáka acredita no sucesso de sua iniciativa, e no potencial que um banco para indígenas tem de subverter as atuais estruturas de poder. “Naturalmente, o indígena é um empreendedor e quer gerar resultados. Quer trazer mudanças, com foco na coletividade. O mesmo vale para mim: meu trabalho é orientado por ser um bom ancestral hoje”, conclui.