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Com PreCapLab e BlackWin, Luana Ozemela aproxima founders negros de investidores

A economista acelera iniciativas para minimizar vieses sistêmicos na alocação de capital para empreendedores negros

Com PreCapLab e BlackWin, Luana Ozemela aproxima founders negros de investidores

* por Carolina Frederico, especial para o Startups

No país que recebeu os primeiros escravizados africanos e que foi o último do mundo a libertá-los, uma cena real, ainda que um tanto rara. O ano é 2022, mulheres e homens negros, bem-vestidos, de dreads, turbantes e cabelo black power, comendo canapés e tomando champagne ao som de jazz, num dos metros quadrados mais caros do país. Tudo isso a convite de uma anfitriã negra, doutora em economia, para tratarem de assuntos como empreendedorismo e investimentos.

Essa é a exata descrição do que aconteceu na noite de sexta-feira passada (15), no Jardim Paulista, em São Paulo. No evento, Luana Ozemela, PhD, celebrou a graduação e entregou os canudos para a primeira turma de formandos do PreCapLab, um programa de aceleração para empreendedores negros que a economista concebeu, elaborou e concretizou. Formandos incluíram Gilmar Bueno, CEO da Unicainstancia, legalfintech que que usa tecnologia em prol dos direitos do consumidor, e Bia Santos, CEO da Barkus, edtech que fornece educação financeira via WhatsApp.

O PreCapLab foi desenvolvido pela DIMA Ventures Lab, consultoria financeira da qual Luana é CEO e fundadora. O objetivo da iniciativa é minimizar o viés sistêmico inerente ao mundo de investimentos, desbloqueando maiores retornos para os investidores e oferecendo um processo de captação de recursos menos traumático para os empreendedores negros.

Já a DIMA nasceu em 2019, como uma consultoria de serviços profissionais para a indústria de investimentos especializada em desenhar estratégias de diversidade para o mercado financeiro. Com o intuito de aproximar a América Latina do Oriente Médio – incluindo, mais tarde, o continente Africano – a DIMA foi a primeira empresa de uma mulher brasileira (e negra) a ser registrada no Centro Financeiro do Qatar.

Usando como insight para seu discurso a palavra “timing”, que ela traduziu como “sincronia”, “sincronização”, “sincronicidade”, a PhD em Economia demonstrou, na teoria e na prática, por que mais do que pertencer à elite, ter acesso a informações e a lugares, é por meio do dinheiro e de seu capital relacional (o famoso QI, de “quem indica”), além de como empreendedor e investidor, que o negro brasileiro vai, finalmente “chegar lá”.

“É justamente por essa razão que a gente criou o PreCapLab, que é a sincronização entre a demanda por capital e a oferta de capital”, diz Luana. A economista lembra que, há sete anos, mesmo respaldada pelo BID (Banco Inter-Americano de Desenvolvimento), uma das mais respeitadas organizações de desenvolvimento da America Latina, foi quase impossível convencer investidores de que existiam talentos negros no mercado brasileiro, e empreendendo.”

Protagonizando a alocação de capital

Entre fintechs, edtechs, construtechs e seus criadores, o coquetel de encerramento da primeira edição do PreCapLab contou com a presença dos 20 empreendedores das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, que foram selecionados com base em critérios como estar em operação, o impacto e a diversidade de seus negócios, a qualidade de seus pitches e o tamanho de suas equipes.

Os formandos da primeira turma do PreCapLab | Crédito: Carolina Frederico
Os formandos da primeira turma do PreCapLab | Crédito: Carolina Frederico

Entre os formandos do PreCapLab inaugural estava Alan Almeida, CEO da Parças Developers School, startup de educação e tecnologia que capacita ex-detentos da Fundação Casa e os inclui no mercado de trabalho como técnicos de TI e desenvolvedores. Segundo Alan, a empresa já tem uma folha de pagamento com 25 funcionários, que recebem um salário bruto de pelo menos R$ 7 mil por mês. “Me sinto mais preparado para as futuras rodadas de captação de investimentos”, conta.

“Com o programa de aceleração, a Viverde Casa vai se tornar o primeiro unicórnio de construção civil do Brasil”, profetizou Camila Maria de Lima, outra formanda e criadora do portal que conecta os vários pontos da cadeia construtiva, ao falar com a reportagem do Startups.

Para enfrentar o abismo que existe entre a demanda e a oferta de capital, que entre outras coisas reflete um desequilíbrio de poderes, Luana também anunciou, durante o evento, o lançamento da BlackWin, primeira plataforma de investidoras-anjo negras do Brasil. “Porque a gente sabe que também é preciso protagonizar a alocação de capital. Não é só trabalhar na indústria, não é só receber capital, mas alocar, determinar o destino do cheque”, explica a CEO da DIMA, apoiadora da iniciativa que tem entre suas co-fundadoras Jéssica Silva Rios, ex-sócia da VOX Capital.

A estimativa do clube, que será lançado no dia 25 deste mês, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana, Caribenha e da Diáspora em um evento online, é de investir R$ 100 mil por rodada, em aportes que podem ser alavancados por aliados e coinvestidores. A tese tem foco em negócios early-stage fundados por pessoas negras que detêm 50% da empresa e/ou com uma equipe majoritariamente negra em cargos de C-level.

Decodificando complexidades

Luana ressalta que um dos principais objetivos do programa é preparar empreendedores que representem diversidade para captar investimentos, além de equipá-los com as habilidades para navegar pelo mercado de investimentos com confiança. O PreCapLab inaugural conseguiu atrair o interesse de mais de 100 fundadores, sem qualquer publicidade.

“Não existiam programas que decodificassem as complexidades da indústria de investimentos, que aproximassem os empreendedores negros de investidores e que dessem a confiança para que esses mesmos empreendedores negros soubessem que são capazes, mas que existem, sim, vieses raciais e de gênero na indústria de investimentos”, acrescenta.

Bia Santos, CEO da Barkus, com Luana Ozemela, CEO e fundadora da DIMA Ventures Lab | Crédito: Carolina Frederico
Bia Santos, CEO da Barkus, com Luana Ozemela, CEO e fundadora da DIMA Ventures Lab | Crédito: Carolina Frederico

A sincronização entre oferta e procura por capital ainda não é perfeita, mas, para a economista, há uma maior conscientização entre investidores de que investir em empreendedores negros gera, sim, lucro. “Nos últimos anos nós vimos uma maior sincronização desse sistema, seja pelas crises que a gente tem testemunhado, seja por causa da ocorrência de algumas tragédias que fizeram com que as corporações passassem a olhar mais para esse tema, pelo aspecto de compliance ou pelo de rentabilidade”, afirma.

Para Lúcio Vicente, head de ESG do Carrefour Brasil, que patrocinou a primeira edição do programa e estava presente no evento de formatura, as experiências que todos os mentorados trouxeram demonstram que eles já possuíam um estágio de maturidade. “Já estamos negociando [com a DIMA] sobre como dar prosseguimento à iniciativa”, adianta.

Uma análise feita pela equipe da DIMA com base nas PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) dos últmos dez anos aponta um crescimento exponencial dos empregadores negras e negros. Com base nos dados sobre o número de empreendimentos de pessoas negras comparados ao número de empregadores, de acordo com gênero e raça, o estudo aponta um aumento significativo de mulheres negras, com e sem nível de educação superior, que empregam ao menos uma pessoa.

“A quantidade de mulheres negras empreendedoras aumentou em 45% nos últimos 10 anos, e entre homens brancos essa taxa diminuiu em 5%”, revelou Luana, em sua fala de abertura. “E essa rentabilidade não vem apenas do fato de que o segmento empresarial negro brasileiro é um dos que mais cresce, mas porque os empreendedores negros têm avaliações muito mais realistas de seus empreendimentos –e não inflam essas avaliações, mas as deflacionam, pois antecipam que vão ser discriminados no processo de captação e acabam vendendo barato suas ações na empresa”, acrescenta.

O primeiro programa PreCapLab teve duração de 10 semanas e forneceu a seus participantes conhecimentos técnicos, como estruturas de negociação e análise de cenários para ajudar empreendedores negros a dominar a negociação e visibilizar a atratividade do seu negócio.

Ao passarem pelas quatro trilhas oferecidas, “Preparando-se para captar”, “O processo de captação”, “O processo de Due Diligence” e “Negociando o investimento”, os mentorados tiveram acesso a aulas virtuais, ao vivo e gravadas, pitchs e entrevistas com investidores, networking, workshops, mentorias e um encontro presencial. Para se graduar no programa, todos os inscritos tiveram que estar presentes em 80% das aulas ao vivo, além de entregar todas as atividades propostas. O próximo PreCapLab tem início previsto para agosto e os interessados podem se inscrever no site da iniciativa.