Nos últimos meses, a Antler deu um passo importante na sua estratégia e atuação no Brasil. O fundo global de venture capital early stage encerrou a primeira edição do seu programa de residência no país, também chamado de cohort. O evento reuniu 62 empreendedores de diferentes regiões e apoiou a criação e o desenvolvimento de 25 startups.
“Somos um fundo de venture capital conhecido mundialmente por criar o seu próprio pipeline de investimento”, afirma Marcelo Ciampolini, sócio da Antler, em entrevista ao Startups. Das mais de 620 startups que já receberam aportes da companhia desde 2017, a maioria foi concebida do zero com a ajuda da própria Antler.
O programa de residência surge justamente no contexto de fomentar o nascimento de novas startups. Ao longo de 10 semanas, os empreendedores mergulham na metodologia global de criação e validação de negócio do fundo e têm a oportunidade de encontrar potenciais cofundadores para o seu negócio. “Nosso objetivo [com o cohort] é investir. Embora não tenhamos a obrigação de investir em quem participa, não trazemos ninguém que não tenha o potencial de receber esse dinheiro”, explica Marcelo.
Segundo o executivo, a Antler fez um trabalho ativo para encontrar empreendedores com perfis complementares e que estão no mesmo momento de vida. O background dos participantes é dos mais distintos possíveis – de pessoas com MBA em Harvard a empreendedores que vieram do interior do Brasil e passaram por dificuldades que motivaram a criação do negócio. Mas todo mundo tem em comum a decisão de empreender e levar o negócio para frente apesar de todas as dificuldades.
“Quando recrutamos os participantes, olhamos para uma série de elementos para entender se a pessoa tem potencial para se tornar um early-founder. Se pergunto qual é o plano B e ela diz que se não der certo, vai procurar um outro emprego e entrar no mundo corporativo, já não aprova. Quero pessoas decididas. A resposta que mais gosto é que o plano B é fazer o A dar certo”, afirma.
O grupo participou de mais de 143 horas de programação e 25 palestras e dinâmicas sobre inovação, empreendedorismo e venture capital, além de 35 horas de mentorias e 45 horas de coaching. Para Melvin Menezes, fundador da edtech Sabyous, plataforma de educação corporativa para soft skills, a grande vantagem foi conectar-se com a rede de empreendedores, especialistas e mentores. “A troca de experiências foi muito interessante, criando um ambiente propício para inovar, além da oportunidade de estar focado em desenvolver novas ideias com o potencial de cada empreendedor”, conta.
Quem passou pelo 1º cohort
A companhia afirma ter feito um trabalho ativo de diversidade e inclusão. “Isso faz parte do DNA da Antler global. Vemos a diversidade não só como um dever, mas também uma super oportunidade. Pessoas diferentes trazem ideias distintas para a mesa, o que aumenta a probabilidade de surgirem propostas disruptivas”, pontua o sócio.
Dos 62 empreendedores selecionados na primeira edição, 32% são mulheres e 27% se autodeclaram pessoas negras ou pardas. “Ainda está longe de ser o ideal, mas são números muito acima da média do mercado de venture capital”, analisa Marcelo. O executivo explica que não havia uma meta de diversidade a ser cumprida, mas que o fundo buscou formas de, ainda no recrutamento, favorecer a pluralidade dos selecionados.
O processo em si era igual para todos. Uma candidatura no site, primeira triagem, entrevista incial com os associados e uma entrevista final com Marcelo ou a sócia Carolina Strobel. A diferença é que pessoas de grupos sub-representados passavam na frente nessa fila. “O homem branco da Faria Lima era ‘despriorizado’. Não deixamos de falar com ninguém, mas privilegiamos algumas conversas em detrimento de outras”, pontua.
Pela primeira vez, o programa de residência da Antler foi feito em português, enquanto no restante do mundo os projetos rodam em inglês. “Olhando para a realidade brasileira não dá para tentar ser inclusivo e trazer pessoas de perfis distintos se já fizer um corte imediato da grande maioria da população que não fala inglês. Adaptamos todo o material para fazer essa tropicalização”, explica Marcelo.
O fundo também buscou trazer uma diversidade regional com empreendedores fora do tradicional eixo Rio-São. O primeiro cohort reuniu participantes de 11 Estados brasileiros, embora pessoas da capital paulista ainda sejam a maioria, com 59% de participação. Marcelo atrela os resultados a alguns fatos, como o fato do próprio programa ser realizado em São Paulo. “Para bem e para mal, são 10 semanas de dedicação e às vezes a pessoa não pode vir por questões financeiras, familiares ou outras”, analisa.
Além disso, ele observa que ainda há um grande interesse por parte dos founders em iniciar seus negócios na região. “São Paulo ainda é o epicentro do empreendedorismo e das startups. Os empreendedores têm curiosidade de vir para cá e fazer parte desse contexto, ver como tudo acontece e se integrar ao ecossistema. Existe um valor que se agrega ao estar aqui pela quantidade de investidores e outras startups”, diz Marcelo.
Ainda assim, o médio prazo da Antler deve incluir uma expansão regional. Nos Estados Unidos, a companhia já tem escritórios em Austin, Boulder e Nova York. Algo semelhante pode ser feito no Brasil, justamente para atrair talentos que não conseguem ou desejam ir para o Sudeste do país. “Acho que no futuro vamos começar a ter uma presença regional, mas não será imediatamente.”
Cerca de 1/3 dos participantes era de pessoas com background em tecnologia. “Para uma empresa com tecnologia como produto final é muito importante que o time fundador tenha alguém com experiência e especialidade técnica”, explica Marcelo. Por não limitar o segmento de atuação, o cohort teve teses variadas, incluindo fintechs, biotechs, energia e muitas HRTechs.
Desafios e próximos passos
O empreendedor Melvin Menezes, que participou das 10 semanas do cohort, destaca que houve de fato a intencionalidade de promover diversidade entre os participantes, diferente do que ele havia observado em outros programas. No entanto, deixa algumas recomendações do que pode ser feito na próxima edição.
“A diversidade tem que ir além da intenção inicial, e o programa como um todo deve estar preparado, com um letramento racial de como conduzir esse processo. Provocamos a Antler a trazer pessoas negras para palestrar e conversar conosco, e o fundo entendeu essa necessidade. Houve abertura para o nosso feedback e estão evoluindo. Acredito que tenha sido um aprendizado e daqui para frente seja ainda melhor”, considera.
O olhar intencional para a diversidade acontece na fase de seleção. Já no comitê de investimentos, quando o fundo decide quais empresas receberão o seu cheque pré-seed, a Antler se diz “totalmente colorblind e genderblind”, ou seja, sem fazer distinções por gênero, raça ou etnia. “Essa é a hora que olhamos para os founders e as teses que acreditamos ter maior potencial. Não vamos investir em alguém porque queremos atingir um determinado coeficiente [de diversidade], mas sim porque acreditamos que o negócio vai dar certo”, explica Marcelo.
Historicamente, a Antler Global investe em aproximadamente 1/3 do cohort. Na primeira edição brasileira, 16 startups foram chamadas para a fase do comitê de investimentos – cerca de 32 empreendedores do total de 62. Antler ainda não revela quantas startups receberam o investimento no final do processo. “É muito baseado no nível de maturidade que a gente enxerga que as equipes vão adquirindo ao longo do processo.”
A 2ª edição do programa tem data de início marcada para o final de março de 2023, e as inscrições estão abertas até 24 de fevereiro. A Antler Brasil busca desde candidatos que acabaram de começar um negócio, mas que não levantaram capital ainda, aos que nem iniciaram a jornada empreendedora, pois não têm ideia de qual problema querem resolver.