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Competindo com gigantes, Razor busca seu espaço com computadores de alta performance

Startup brasileira produz workstations de alta performance com forte poder de processamento e capacidade gráfica

Teclados e mouse iluminados com uma tela de computador ligada - Startups

Essa história começa assim: um jovem de 18 anos aspirante a empreendedor, apaixonado por computadores, decide montar um pequeno negócio enquanto cursa o 1º ano de faculdade.  Uma empresa de garagem, criada fora do grande eixo de inovação e tecnologia do país, especializada em computadores de ponta.

Não, não é a Dell. Estamos falando da Razor, fabricante brasileira de máquinas de alta performance. Mas se você achou que era a gigante norte-americana, não passou tão longe. Embora tenham sido criadas em épocas e regiões muito distantes econômica e tecnologicamente, as 2 empresas têm histórias bastante parecidas. 

Michael Dell fundou a companhia em fevereiro de 1984, em Austin, interior do Texas – ao contrário da HP, Intel e Apple, que são do Vale do Silício. Começou a montar computadores com apenas US$ 1.000 no bolso, e hoje comanda uma das líderes mundiais de PCs e notebooks. 30 anos depois, Grégory Reichert criou a Razor, em março de 2014 – não em São Paulo ou no Rio de Janeiro, mas em Passo Fundo, interior do Rio Grande do Sul.

Grégory queria tanto empreender que convenceu o irmão a entrar na jogada e, juntos, entraram no mercado de workstations para profissionais que trabalham com softwares exigentes e precisam de máquinas com forte poder de processamento e capacidade gráfica. “Ele sempre teve o ímpeto empreendedor, gostava de mexer em computadores e desmontar as coisas. Eu era mais pé no chão, tinha um lado artístico, principalmente de comunicação visual”, diz André Reichert, sócio e diretor de operações da startup.

Arquiteto de formação, André trabalhava em um escritório que, na época, buscava um computador ultra potente, com velocidade e performance suficientes para rodar os softwares, renderizar os projetos multidimensionais e criar modelagens em 3D. “Montamos a proposta e o meu chefe gostou. Foi a 1ª vez que vendemos computadores do tipo que produzimos hoje”, afirma.

Decidiram unir o útil ao agradável. André conhecia as demandas do público e cuidava das mídias sociais para construir a marca no online, enquanto Grégory se encarregava da montagem dos computadores e suporte aos clientes. Investiram R$ 5.000 para lançar o e-commerce e em pouco tempo expandiram para outras regiões do país. “A gente era muito ingênuo. Achamos que seria algo regional, mas começamos a ter pedidos de vários lugares”, afirma o diretor de operações.

A companhia faturou R$ 1 milhão em 2016 e vem, no mínimo, duplicando o faturamento todos os anos desde a fundação. As vendas somaram R$ 9.2 milhões em 2020 e saltaram para R$ 22 milhões no ano seguinte. O portfólio atual inclui workstations para design gráfico e fotografia, edição de vídeo, motion e 3D, engenharia e fabricação, desenvolvedores de games, mercado financeiro e traders, pesquisa e desenvolvimento e saúde e ciência, além da parte de arquitetura e construção. Com uma fábrica de 1.000 metros quadrados, localizada em Passo Fundo, e capacidade produtiva de 25.000 máquinas por ano, hoje a Razor atende grandes clientes como o Hospital Albert Einstein, a Petrobras, Itaipu, USP, SAP, SBT e a TV Globo.

Torres de computadores de alta performance da marca Razor em cima da mesa - Startups
Computadores Razor

Desafios e planos de crescimento

Para acelerar os negócios, a Razor lançou uma oferta de equity crowdfunding na plataforma Kria, na qual espera levantar R$ 5 milhões (com cheque minimo de R$ 5 mil por investidor) a um valuation estabelecido em R$ 52 milhões. O dinheiro será usado para aumentar o estoque, otimizar a produção e acelerar os envios.

“Temos um prazo de entrega muito longo, de pelo menos 70 dias”, afirma André. Segundo o empreendor, isso acontece porque o volume de pedidos da Razor é menor do que o da maioria das gigantes internacionais. “Temos que juntar 3 ou 4 pedidos para chegar numa quantia mínima e encomendar as peças. Como são poucas unidades, não é tão fácil somar vários pedidos de uma vez. Nosso objetivo é abastecer os estoques para conseguir entregar as máquinas em até 15 dias”, completa.

Na pandemia, o prazo de entrega se estendeu para 80 dias, principalmente por conta da escassez de semicondutores, que afetou a cadeia global de produção e entrega dos fabricantes de hardware. A Razor importa os componentes de distribuidores dos Estados Unidos, que, por sua vez, importam o material de Taiwan ou da China.

“Crescer faz com que a gente consiga otimizar, pular algumas etapas na cadeia de fornecimento e importar direto de Taiwan, mas precisamos de dinheiro”, afirma o empreendedor. Ele acrescenta que, embora o volume de pedidos seja relativamente baixo, a balança compensa e o caixa fecha, porque os computadores são vendidos por um alto valor, em torno de R$ 20 mil e R$ 30 mil cada.

Outra dificuldade, segundo André, é que a maioria do público quer um produto na faixa de R$ 10 mil a R$ 12 mil, de preferência, notebooks (52%). Por isso, a Razor pretende entrar nesse segmento, ainda na vertical de máquinas profissionais e de alta performance.  “Queremos ter soluções 360º para esse mercado nichado”, afirma André. O roadmap para os próximos 2 anos inclui estruturar um time para fazer o licenciamento dos principais sofwares (Adobe, Autodesk e Dassault) e lançar a Razor Academy, uma plataforma de cursos e treinamentos nessas aplicações.

No médio e longo prazo, o plano é expandir a participação no mercado de servidores, que, segundo André, são produtos mais acessíveis e custam em torno de R$ 8 mil e R$ 9 mil, e lançar o 1º e-commerce unicamente focado em acessórios para profissionais, com opções de teclados, mouses, telas que aprimorem a atuação dos especialistas do mercado em cada uma de suas áreas de atuação. Além disso, os empreendedores querem entrar na parte de cloud de alta performance e criar a Razor Banking, com soluções de crédito para financiamento de clientes B2B e enterprise.

Foto do Grégory e André Reichert lado a lado, diretor-executivo e diretor de operações da Razor - Startups
Grégory e André Reichert, diretor-executivo e diretor de operações da Razor

Potencial de mercado

O mercado global de workstations tem um crescimento de 2 dígitos por ano, podendo chegar a US$ 100 bilhões até 2030, segundo a Razor. André atrela esse avanço à cultura data-driven, no qual as empresas precisam captar e processar um grande volume de informações para usá-las de forma inteligente e assertiva. “Aumenta a demanda por máquinas profissionais que trabalham com projetos de big data e machine learning”, explica o executivo.

“Além disso, estamos em uma época de muita produção de conteúdo, em que qualquer pessoa com um celular pode criar algo novo. Com mais competição, os profissionais precisam de ferramentas melhores para produzir conteúdos mais interessantes e de melhor qualidade”, completa. A pandemia também potencializou o mercado, já que muitos profissionais que usavam os computadores dos escritórios precisaram comprar suas próprias máquinas para trabalhar em casa.

Mesmo com o avanço, ainda é um setor pequeno: o workstation corresponde a apenas 4% do mercado mundial de computadores, de acordo com a startup. “As grandes empresas não dão muita atenção para esse público, porque é uma parte mínima da receita total. Mas é justamente por isso que a Razor se destaca: focamos no nicho”, afirma André, acrescentando que a companhia criou um time de consultores especializados para entender o perfil do cliente e suas necessidades específicas. As máquinas são fabricadas sob medidas de acordo com a configuração desejada.

A venda consultiva é ainda mais importante quando se tem um produto final de preço tão elevado, podendo chegar a R$ 50 mil e R$ 80 mil em alguns casos. Nesse valor, os clientes não querem nem arriscar errar na escolha, tornando o suporte dos profissionais ainda mais valioso. “Descobrimos essa demanda e estruturamos a empresa para ser o amigo que indica a melhor máquina para cada profissional”, explica André.

Para Grégory, a segmentação também é peça-chave dos negócios. “Posso ter uma marca genérica que abrange um público gigante, mas que por isso as pessoas não se identificam com ela, ou fazer o contrário, focar em um grupo menor, mas que é muito mais certeiro”, afirma o empreendedor, que além de fundador é diretor-executivo da startup.

Segundo os irmãos Reichert, é o público nichado e atendimento consultivo que faz a Razor se destacar de gigantes como Dell, Lenovo e HP dentro e fora do Brasil. Por enquanto, a startup só opera nacionalmente, mas já tem no roadmap a expansão internacional para os Estados Unidos, que deve acontecer a partir de 2025, ano em que espera faturar R$ 500 milhões.

“Nosso público-alvo está nos países desenvolvidos e grandes metrópoles, onde têm mais desenvolvedores e profissionais de arquitetura e engenharia. Embora seja um mercado mais competitivo, vale a pena, porque ter só 5% do mercado dos EUA é como ter 20 vezes do setor de um país emergente”, considera Grégory.

Essa demanda deve ser ainda maior se o metaverso se concretizar, mesmo que um futuro ainda distante. “Imagine o tamanho da demanda por alta performance. As empresas vão precisar de máquinas com alto processamento para fazer um metaverso verdadeiramente interativo e funcional. Tudo vai ser dirigido por dados, conexão e volume de informações. A quantidade de máquinas de alta performance vai subir muito”, prevê André.

Refletindo sobre o que falta para que o Brasil tenha mais empresas nacionais de hardware de computadores com capacidade competitiva dentro e fora do país, Grégory reconhece que ainda há muitas barreiras. “Para as empresas pequenas, existe toda uma questão legal e tributária que dificulta muito entrar nesse mercado”, afirma.

Segundo o empreendedor, o que facilitou o processo foi a Lei do Bem, que concede incentivos fiscais às pessoas jurídicas que promovem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica no país. A Razor tem o benefício desde o final de 2019. “Não foi fácil [obter os incentivos], mas mudou completamente o nosso negócio”, diz o diretor da startup. “Conseguimos reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de 15% para 4%”, explica, acrescentando que a Razor também tem um benefício estadual do Rio Grande do Sul, que garante a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 12% para 4%.

“A Razor tinha tudo para dar errado. Grandes concorrentes, um produto técnico, caro, que demanda de uma venda consultiva. Ainda assim, tem conquistado cada vez mais mercado, crescendo 10 vezes desde 2017 e com uma projeção de expandir mais 10 em 4 anos. Se tudo isso não é suficiente para convencer alguém de que o mercado tem muito potencial, não sei o que mais seria preciso”, finaliza André.