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Conheça 10 fundadoras negras transformando o ecossistema de startups no Brasil

No Dia Internacional da Mulher, o Startups analisa os desafios para fundadoras negras e destaca mulheres atuantes neste espaço

Mulher sentada na cadeira falando no celular - Startups

Apenas 4,7% das startups brasileiras foram fundadas exclusivamente por mulheres, quase 20 vezes a menos do que aquelas com apenas fundadores homens, segundo o Female Founders Report 2021, estudo elaborado pelo Distrito em parceria com a Endeavor e a B2Mamy.

Quando olhamos para o recorte das empreendedoras negras, a situação é ainda pior. Enquanto 56% dos brasileiros se autodeclaram negros, segundo dados do IBGE, apenas 19,1% das founders brasileiras são negras (sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas).

“O mundo não quer uma mulher preta vencedora”, afirma Janine Rodrigues, fundadora da edtech Piraporiando, em entrevista ao Startups. “A maior parte dos lugares onde cheguei e frequentei são espaços que não me sonharam.”

A empreendedora destaca inúmeros eventos e projetos em que foi deixada de fora, e o rancor estampado no rosto de algumas pessoas quando a viam atingir qualquer nível de sucesso – seja vendendo seus livros para escolas de todo o Brasil ou criando conteúdos de educação antirracista para apoiar a diversidade.

“A ideia perversa e tóxica do `só depende de você’ é uma mentira racista. Depende de você, [mas] depende igualmente da estrutura emocional que você tem, dos meios e oportunidades que você terá ou não acesso e do tamanho dos privilégios que aqueles que estão do seu lado terão”, pontua Janine.

A criação de oportunidades para fundadoras negras ainda é pequena e bastante recente. O Black Founders Fund, projeto do Google for Startups que investe em negócios fundados ou liderados por empresários negros no Brasil, foi lançado no Brasil só em 2020. O fundo estreou com R$ 5 milhões para investir em negócios fundados ou liderados por pessoas negras. Recentemente, a gigante de tecnologia anunciou R$ 8,5 milhões em recursos adicionais para o projeto. Das 33 startups investidas pelo Black Founders Fund, 48% são fundadas ou co-fundadas por mulheres.

A Pretahub, hub de criatividade, inventividade e tendências pretas no Brasil, é de 2018, resultado de 18 anos de atividades do Instituto Feira Preta no trabalho de mapeamento, capacitação técnica e criativa, aceleradora e incubadora do empreendedorismo negro no Brasil. No ano passado, o Distrito, em parceria com Via e Unilever, lançou o Black Scale, um programa de aceleração para startups fundadas por pessoas negras.

Não coincidentemente, quanto mais as portas começaram a se abrir, mais empresas lideradas por fundadoras negras foram criadas: a maioria (29,8%) das startups com lideranças deste recorte racial surgiu em 2020 e 17,4% em 2021, contra apenas 14,9% em 2018 e 13,2% no ano seguinte. Os dados são do BlackOut: Mapa das Startups Negras, estudo realizado em 2021 pelo hub de inovação BlackRocks Startups, em parceria com a Abstartups (Associação Brasileira de Startups).

A BlackRocks Startups nasceu em 2016. Criado por Maitê Lourenço, o hub promove acesso à população negra em ambientes altamente inovadores e tecnológicos, conectando empreendedores a capital e oportunidades no ecossistema de startups. Desde a sua fundação, a aceleradora paulistana já impactou mais de 5 mil pessoas diariamente.

Investimentos desiguais

Sem considerar o recorte étnico e racial, dados gerais do Female Founders Report, publicado pela B2Mamy e Endeavor em parceria com a Distrito, sugerem que para 60% das empreendedoras o principal desafio enfrentado é escalar a startup, seguido pela validação do modelo de negócio (56,4%), a falta de boas conexões com investidores, mentores e outros empreendedores (44,6%) e a dificuldade em captar investimentos (38,8%).

Analisando o cenário atual de investimentos em relação ao empreendedorismo feminino, a Distrito identificou que, apesar de serem 4,7% do ecossistema, startups fundadas só por mulheres receberam apenas 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado brasileiro em 2020.

“Conseguir investimento é um grande desafio”, afirma Mia Lopes, fundadora da sportstech AfroEsporte. Fundada em 2019, na cidade de São Paulo, a startup ainda não conseguiu conquistar o capital semente. O 1º convite para um pitch foi no início do ano, no Desafio Like a Woman, voltado exclusivamente para founders femininas, promovido pelo centro de fomento à inovação e empreendedorismo esportivo Arena Hub.

A startup foi uma das 8 que participou da etapa de mentorias e meet-ups, mas não foi selecionada para a aceleração. “Ter o recorte de gênero nos abriu uma porta. Sem oportunidades desse tipo, nossa empresa vai seguir disputando espaço com startups que já nascem com o smart money. Uma disputa desleal”, pontua Mia.

Segundo a pesquisa, a disparidade de investimentos ocorre por diversos fatores, incluindo a desigualdade de gênero na indústria de venture capital e a alocação desigual de capital entre empresas lideradas por homens e mulheres. 72,4% das fundadoras que passaram pelo processo de captação de recursos afirmaram terem sofrido assédio moral, principalmente relacionado a questões de gênero e maternidade.

Os entraves não param por aí. Mais de 60% das empreendedoras brasileiras disseram já terem sido questionadas por investidores se “teriam condições” de tocar o negócio, 45,7% se “conheciam termos técnicos básicos” e 14,2% se a empresa “tem um homem no quadro societário”.

“A luta é diária. Como mulheres, temos que aprender a nos impor e insistir naquilo que consideramos essencial para o futuro. Trabalhando com tecnologia, tudo fica mais complexo, porque muitos desprezam o nosso conhecimento”, afirma Débora Moretti, cofundadora da iBench.

O estudo aponta que o momento mais difícil da captação é o 1º contato com o investidor – ponto levantado por 41,1% das founders mapeadas pelo Distrito. Em seguida, elas destacam a hora do pitch (36,2%) e o Due Diligence, um processo de investigação e análise de informações de uma determinada empresa (19,7%).

Fundadoras negras que você precisa conhecer:

Neste Dia Internacional das Mulheres, selecionamos 10 fundadoras negras que estão mudando a cara do ecossistema no Brasil. Veja, a seguir:

Foto das fundadoras negras Andreia Oliveira e Débora Moretti, da iBench - Startups

Andreia Oliveira e Débora Moretti, iBench

A iBench é uma plataforma de compra e venda de produtos e equipamentos laboratoriais com mais de 170 mil itens cadastrados. À frente da empresa estão Andreia Oliveira e Débora Moretti – biomédicas, cientistas e ex-alunas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Víamos pesquisadores perderem muito tempo correndo atrás de fornecedores, buscando insumos e sofrendo com suas pesquisas sendo canceladas por falta deles”, conta Débora. A companhia nasceu em 2019, no Rio de Janeiro, e 2 anos depois foi uma das 12 empresas selecionadas pelo Black Founders Fund.

Foto da fundadora negra Carolina Moreira, Negras Plurais - Startups

Caroline Moreira, Negras Plurais

Caroline já empreendia na época da faculdade, vendendo trufas nos corredores do Centro Universitário Metodista IPA (RS), onde cursava Ciências Contábeis. Descobriu-se negra em 2012, quando deu à luz ao filho em uma das maternidades mais caras de Porto Alegre e viu a mãe ser impedida de acompanhá-la no quarto – um benefício preestabelecido pelo plano de saúde. A partir de então, começou a perceber que tinha oportunidades negadas por conta da cor da sua pele: “quando caiu a ficha de que eu era uma mulher negra nessa sociedade [brasileira] e o que isso representava, fui criando algo que trouxesse uma ligação com o meu propósito”, disse Carol, em entrevista ao canal Soul Black. Em 2018, ela fundou a Negras Plurais, uma startup de aceleração de negócios de mulheres negras. A companhia organiza mentorias, workshops, palestras e encontros para trocar informações, gerar ideias e estimular a auto-estima e atitude protagonista de mulheres negras. Em 2020, a empresa lançou um app que reúne mais de 5 mil empreendedoras de diversas áreas e automatiza o match com consumidores.

Foto da fundadora Itala Herta, DIVER.SSA - Startups

Itala Herta, DIVER.SSA

Itala já fez de tudo um pouco, de produtora musical a ativista e empreendedora. Em 2016, ela cofundou a empresa baiana de impacto social Vale do Dendê, que desenvolve projetos de educação, consultoria e aceleração de startups com foco na diversidade. Pouco depois, cocriou o Festival Ocupação Afro.Futurista, que aborda temas de tencologia, inovação e empreendedorismo relacionados ao universo afro-brasileiro. No final de 2019, em Salvador, Itala lançou a edtech Diver.SSA, uma plataforma de aprendizagem e conexão para fomentar o empreendedorismo feminino de impacto social no Norte e Nordeste. Atuando há mais de 15 anos com projetos interculturais de inovação, economia criativa e responsabilidade social em instituições públicas e privadas, a  empreendedora foi convidada a fazer parte do Comitê da Diversidade Racial da Ambev, desde 2020.

Foto da fundadora negra Janine Rodrigues, Piraporiando - Startups

Janine Rodrigues, Piraporiando

Com 12 anos de trabalho na área ambiental, próxima a pequenos agricultores e comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, Janine passou a vida encantada com a ideia de contar histórias. “Sempre amei crianças, escrever e a própria infância”, diz. Produziu seu 1º livro com apenas 10 anos e, em 2013, publicou a obra infantil “No Reino de Pirapora”, sobre bullying e solidão. O livro foi adotado por diversas escolas e Janine começou a receber convites para palestrar sobre diversidade. Em 2015, ela criou a edtech Piraporiando, que começou como uma editora de livros infantojuvenis e foi reestruturada como uma startup de impacto social. A companhia promove a educação antirracista, antibullying e anti-preconceito, por meio de programas de educação, formação continuada de professores, conteúdos para famílias e produção de livros. A Piraporiando já publicou 6 obras de temática inclusiva e foi reconhecida pelo Prêmio Criança 2018 da Fundação Abrinq. Seus trabalhos já impactaram empresas como SAP, Abbott e Nivea, e mais 122 mil pessoas em escolas de 22 estados do país, além de Colômbia, Argentina e Chile.

Foto da fundadora negra Lettycia Vidal, Gestar - Startups

Lettycia Vidal, Gestar

Quando tinha 13 anos, Lettycia ganhou um irmão mais novo, mas viu de perto o sofrimento da mãe causado pela violência obstétrica. Interessada por assuntos relacionados à gestação, a jovem fez um curso de doula durante a faculdade de publicidade e entregou um trabalho de conclusão que unia as 2 temáticas. O projeto deu origem à Gestar, plataforma que conecta gestantes e famílias a profissionais que atuam de forma humanizada na saúde materno-infantil. A femtech auxilia desde quem está tentando engravidar até as famílias na 1ª infância da criança. Os usuários podem acessar conteúdos, agendar consultas com profissionais de abordagem humanizada e entrar para uma comunidade de acolhimento com mais de quase 6 mil pessoas. A startup ganhou o selo Shell Iniciativa Jovem Empreendimento Sustentável 2020, participou da aceleração da B2Mamy Powered by Google Launchpad e desde o ano passado faz parte do Black Founders Fund, do Google for Startups.

Foto da fundadora negra Mia Lopes, AfroEsporte - Startups

Mia Lopes, AfroEsporte

Jornalista por formação, Mia sempre foi apaixonada por esportes e vida saudável, e lutou boxe até os 16 anos. “Já adulta, quando retomei a prática esportiva encontrei um ambiente hostil, masculino, branco e hétero. Grupos sub-representados conseguem menos patrocínio e não têm suas histórias contadas pela mídia”, afirma. Foi a falta de diversidade no setor que levou Mia, que é também influenciadora digital, a criar a Afro Esporte, uma startup de produção de conteúdo com foco em resgatar a história de atletas negros e LGBTQIA+ no mundo do esporte. Desde a sua fundação, a sport tech já alcançou mais de 150 mil usuários. As postagens relacionadas às Olimpíadas, por exemplo, receberam mais de 13 mil interações no Instagram apenas entre 7 e 13 de agosto.

Foto da fundadora negra Nina Silva, D´Black Bank - Startups

Nina Silva, D’Black Bank

Eleita a mulher mais disruptiva do mundo pelo Women in Tech Global Awards 2021, Nina é fundadora e diretora-executiva da fintech D’Black Bank, que conecta consumidores a empreendedores negros por meio de serviços financeiros digitais. A empreendedora também fundou o Movimento Black Money, para estimular o consumo e a prestação de serviço entre pessoas negras a fim de impulsionar os negócios e fortalecer a circulação de recursos financeiros na comunidade. Executiva da área de tecnologia há mais de 20 anos, Nina foi eleita uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo com menos de 40 anos pela Mipad (Most Influential People of African Descent), chancelado pela ONU, em 2018, e hoje faz parte do conselho da startup Lady Driver e da Wishe Women Capital, hub de investimento focado em startups fundadas por mulheres.

Foto da fundadora negra Priscila Gama, Malalai - Startups

Priscila Gama, Malalai

A arquiteta Priscila Gama reformulou toda a sua jornada profissional quando, em 2015, deparou-se com um relato de violência sexual durante um translado. A inquietação deu origem à Malalai, startup de Belo Horizonte que desenvolve tecnologias para a segurança pessoal feminina. Entre as soluções, estão um app que mostra as rotas mais seguras, com base na movimentação, comércios abertos, policiamento próximo e ocorrências de assédio no local, e permite que as usuárias compartilhem um trajeto com alguém. A companhia também criou um anel que com apenas um toque ativa o celular e envia um alerta com a localização para o contatos de emergência. A iniciativa foi reconhecida pelo prêmio Creator Awards, da WeWork, o Startup Games, competição organizada pelo Consulado Britânico durante os Jogos Olímpicos de 2016, No Rio de Janeiro, e o Trip Transformadores, realizado pela revista Trip e a companhia aérea Gol.

Foto da fundadora negra Tayanara Alvez, InQuímica - Startups

Taynara Alves, InQuímica

Taynara pegou o gosto pela Química na 1ª aula do Ensino Médio, quando percebeu que queria passar a vida fazendo pesquisas e manipulando pipetas e tubos de ensaio no laboratório. Em 2017, motivada a usar a ciência para solucionar alguns dos problemas que afetam a sociedade, ela criou a InQuímica, com sede em São Paulo. A startup desenvolveu o produto InAgro, que promete retirar até 85% dos metais pesados de frutas, verduras e legumes, provenientes da utilização de agroquímicos, defensivos agrícolas, solos contaminados e fertilizantes químicos. A empresa passou pelas acelerações da Emerge Labs, que apoia startups de base científica; BlackRocks Startups, de fomento a projetos de empreendedores negros; e Artemísia, iniciativa para negócios de impacto social que injetou R$ 20 mil na empresa. Em 2019, Taynara foi eleita um dos 20 jovens brasileiros inspiradores pela consultoria global McKinsey & Company.