O que o Bitcoin e as Kardashians têm em comum? Para Luigi Zingales, economista da Universidade de Chicago, a resposta é simples: a fama. “O Bitcoin é como as Kardashians. É famoso porque é famoso”, diz ele, em uma provocação sobre o real valor da moeda digital. Em entrevista exclusiva ao Startups, ele fala sobre a importância que as criptomoedas ganharam após a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos e as chances de uma bolha, mas reconhece: “economistas são péssimos em prever o futuro”.
Autor de livros como A Capitalism for the People e Saving Capitalism from the Capitalists (co-autoria com Raghuram Rajan), Luigi apresenta o podcast Capitalisn’t, que na semana passada recebeu o Nobel de Economia Eugene Fama. Durante o programa, o economista disse que, em dez anos, o Bitcoin tem muitas chances de ter seu valor reduzido a zero.
Agora, devolvemos a pergunta a Luigi, que diz não ver futuro no Bitcoin. “Se olharmos as teorias existentes, é muito difícil explicar qual o papel do Bitcoin. E aqui estou falando só do Bitcoin, não todas as criptos. Acho que stablecoins são úteis, por exemplo. Mas o Bitcoin é como as Kardashians. É famoso porque é famoso. O fato de ser famoso é bom, porque garante liquidez, o que é importante. Mas há dúvidas sobre o seu valor”, afirma.
Entre os fatores que podem fazer com que a criptomoeda mais conhecida do mundo perca seu valor estão, por exemplo, as questões ambientais e energéticas. Um estudo realizado pela Universidade de Cambridge em 2021 mostrou que a rede do Bitcoin consumia cerca de 127 terawatts-hora (TWh) de eletricidade anualmente – mais do que países inteiros, como Argentina e Holanda.
Considerando que o potencial de geração de energia global é limitado, Luigi afirma que, em algum momento, pode ser que o mundo tenha que escolher entre destinar essa energia para o Bitcoin ou para a inteligência artificial. “Entre usar energia para treinar um novo modelo de IA que terá infinitas possibilidades ou criar outro bloco de Bitcoin, do ponto de vista social, qual você escolherá?”, questiona.
O economista destaca, ainda, que do mesmo modo que o DeepSeek desbancou o ChatGPT recentemente, outras criptomoedas têm se mostrado mais eficientes que o Bitcoin. É o caso do Ethereum, que permite a execução de contratos inteligentes, entre outras aplicações no blockchain, além de consumir menos energia.
“Eu não vejo um mundo em que o Bitcoin seja útil. Exceto se eu sou um bilionário saudita ou um oligarca russo e quero movimentar meu dinheiro entre países sem ser notado pelo sistema bancário. Nesses casos, o Bitcoin vale o risco. E isso criou uma demanda”, diz Luigi.
Nascido na Itália, ele lembra que o Bitcoin tem cumprido na Europa um papel semelhante ao do ouro. “Na Europa, existe uma longa tradição de guerras terríveis. Toda família com um pouco de recursos tinha algumas moedas de ouro, porque era algo que elas podiam carregar se tivessem que fugir e recomeçar a vida em outro país. Eu vejo o Bitcoin com essa função”, complementa.
Mas se o Bitcoin é útil apenas nesses tipos de situações, que são raras, e seu único valor está nos ganhos que ele oferece aos seus compradores, o economista argumenta que, para que a moeda se mantenha valiosa, ela precisa valer cada vez mais. Ou seja, como não possui um valor em si, o Bitcoin só é interessante enquanto vai ficando mais caro. Com isso, quem compra tem a expectativa de que, no futuro, poderá vender esse ativo por um valor maior.
“Se você segue nessa linha, você tem duas possibilidades: ou o valor do Bitcoin é infinito ou a demanda irá continuar crescendo na mesma medida em que a população cresce, considerando que todas as pessoas comprarão Bitcoin”, diz Luigi, que cita a teoria das bolhas racionais (theory of rational bubbles, em inglês).
De acordo com essa teoria, uma bolha racional acontece quando o valor de um ativo aumenta mais rápido do que o seu valor fundamental. Em algum momento, investidores percebem que o ativo está mais caro do que deveria e começam a vender a sua parte, gerando a explosão da bolha, o que faz com que o preço do ativo vá a zero.
Até agora, porém, o Bitcoin tem demonstrado uma “resiliência impressionante”, afirma Luigi, que manifesta certa preocupação com a aura quase religiosa que a moeda tem ganhado em apoiadores ao redor do mundo. “Quando um argumento econômico se transforma em uma questão de fé é muito perigoso”, alerta.
Reserva de Bitcoin é “ideia estúpida”
As criptomoedas ganharam ainda mais protagonismo após a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Sua política pró-cripto fez com que o Bitcoin superasse a marca histórica dos US$ 100 mil, e há quem diga que pode chegar a US$ 150 mil durante a administração do republicano.
Um dos motivos para o entusiasmo com as criptomoedas foi o anúncio de Trump de que criaria uma reserva estratégica de ativos digitais para o país. Na visão de Luigi, essa é uma “ideia estúpida”.
“A reserva estratégica existe para que, em momentos de escassez, você possa recorrer àqueles ativos. Mas os Estados Unidos não precisam de uma reserva estratégica em outra moeda, porque o dólar é a moeda mais segura. Ao criar uma reserva de Bitcoin, os Estados Unidos minam a sua posição e sua fé no dólar como moeda definitiva. E se nem mesmo os EUA confiam no dólar, por que outros países confiariam?”, diz o economista.
Para Luigi, o apoio de Trump às criptomoedas não tem motivação econômica, nem política. São apenas negócios. Vale lembrar que o presidente e a primeira-dama Melania Trump lançaram recentemente suas próprias memecoins. Segundo a Reuters, a $Trump já gerou quase US$ 100 millhões para as entidades por trás da moeda. Entre elas, uma empresa de propriedade de Trump, chamada CIC Digital.
“Ele quer cultivar um grande grupo de pessoas que são criptofanáticas. Durante as eleições, isso significou receber muito apoio e muitas doações. Agora, ele está percebendo que pode surfar essa onda, e provavelmente ganhou algum dinheiro de verdade fazendo isso. É mais sobre o business”, afirma.