Quem já passou por um financiamento imobiliário sabe: o caminho costuma ser lento e cheio de burocracia, testando a paciência de compradores e vendedores. Mas esse cenário começa a mudar. Bancos estão acelerando a digitalização do processo e trazendo inteligência artificial para o jogo, reduzindo etapas, ajustando juros ao perfil de risco de cada cliente e deixando a jornada muito mais rápida e segura.
É o caso da Caixa Econômica Federal, que desde o ano passado começou a substituir o processo tradicional do financiamento pelo contrato Nato-Digital, que troca a papelada e as idas ao cartório por uma experiência 100% digital. Segundo o diretor de Habitação da Caixa, Roberto Ceratto, um terço dos contratos estão nascendo dessa forma.
A estimativa, segundo ele, é que esse novo processo digital reduza em 45% o tempo de concessão do financiamento imobiliário, que hoje no Brasil pode levar semanas e até meses, dependendo do caso.
“Antes tinha que imprimir todos os documentos, fazia a assinatura, depois levava até a agência, esperava pelos procedimentos da agência, assinava o contrato, o contrato era impresso antes da assinatura e a família ia até o cartório protocolar. Depois disso, tinha que aguardar o tempo do cartório, devolver a ficha com a transferência da propriedade, então levava na Caixa e só então era feito comando de liberação do recurso”, explica o executivo.
Segundo ele, a digitalização permitiu encurtar esse caminho, queimado etapas no processo: “Hoje não precisa mais imprimir. Todo mundo assina por meio do Portal Gov.br, e o documento percorre automaticamente o caminho necessário. O cartório só recebe e já devolve a averbação via sistema, que automaticamente libera o dinheiro”, diz.
Daniel Ricci, Head de Soluções Imobiliárias da Creditas, aponta que a digitalização trouxe avanços significativos em eficiência, transformando etapas que antes eram lentas e engessadas. E, o melhor, sem comprometer a segurança.
“O que antes levava semanas, agora pode ser resolvido em poucas horas. Do ponto de vista da segurança, os modelos preditivos ajudam a mitigar riscos de inadimplência de forma mais assertiva, enquanto tecnologias de compliance e validação digital reforçam a proteção contra fraudes”, destaca.
Priscilla Marques Dias Ciolli, diretora de crédito imobiliário do Itaú Unibanco, conta que a instituição utiliza os dados que já dispõe dos clientes e ferramentas de OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) para leitura de documentos não estruturados para autopreencher formulários, reduzindo erros e o tempo gasto pelos clientes com tarefas manuais.
O advento do XML (Extensible Markup Language — linguagem de marcação que permite definir e estruturar dados de forma hierárquica) para registro de contratos nos cartórios trouxe mais eficiência e segurança ao processo, acrescenta a executiva. Com ele, os contratos são registrados de forma digital e padronizada, diminuindo o tempo de registro e garantindo maior integridade das informações.
“Além disso, muito em breve uma solução de inteligência artificial será capaz de orientar nossos clientes ao longo do processo de financiamento imobiliário, que, por natureza, envolve muitos detalhes e exceções. Desde a simulação inicial até a formalização do contrato, a IA oferecerá suporte em tempo real, esclarecendo dúvidas, antecipando etapas e garantindo uma experiência mais fluida e transparente”, explica a diretora do Itaú.
As oportunidades de digitalização desse mercado, porém, não param por aí. Roberto Ceratto, da Caixa, aponta que o movimento de transformação digital do banco ganhou força no ano passado, quando foi criado um squad de eficiência e mapeadas algumas dores do segmento. A partir daí, começaram a ser estabelecidas as entregas, de acordo com a viabilidade.
O objetivo, segundo o executivo, é que cada vez mais pessoas tenham acesso ao crédito imobiliário de forma desburocratizada, inclusive em verticais como o Minha Casa Minha Vida, onde a digitalização ainda é um desafio.
“A gente evoluiu muito tecnologicamente, mas ainda há muito a fazer, porque, cada vez mais, todo mundo quer se auto atender, no horário que quiser, sem ter que sair de casa. Esse é o nosso esforço. Colocar habitação em todos os canais para que o cliente tenha a comodidade de fazer no melhor momento, seja via app, internet banking ou agências”, afirma.
Democratização da casa própria
Durante décadas, o financiamento imobiliário foi um território restrito a quem conseguia comprovar renda formal e se enquadrar nos critérios rígidos dos bancos. Agora, com a digitalização e o avanço da inteligência artificial, esse cenário começa a se abrir. A tecnologia está permitindo que perfis antes deixados de lado tenham acesso a condições de crédito mais justas e personalizadas.
Segundo Daniel Ricci, Head de Soluções Imobiliárias da Creditas, a tecnologia funciona como um catalisador que multiplica opções e conecta clientes a diferentes bancos sem a necessidade de negociar um a um. “O grande papel da tecnologia é ampliar possibilidades, otimizar processos e criar modelos mais inclusivos, que consideram realidades diversas de renda e perfil”, afirma. Para ele, simplificar e desburocratizar o acesso ao crédito abre portas para um público que antes esbarrava em barreiras do sistema financeiro tradicional.
A democratização também passa pelo uso de algoritmos avançados que analisam dados alternativos — como histórico de pagamentos e movimentações bancárias — e reduzem custos operacionais. Isso, explica Priscilla Marques Dias Ciolli, diretora de crédito imobiliário do Itaú Unibanco, viabiliza taxas mais competitivas, acelera o processo e dá espaço a novas alternativas, como garantias digitais, crédito colaborativo e simulações personalizadas. “A tecnologia transforma o mercado imobiliário, tornando-o mais inclusivo e acessível, e aproximando cada vez mais brasileiros do sonho da casa própria”, diz.
Especializada em inteligência de dados para o setor imobiliário, a startup Liquid tem, como uma das suas verticais, a automatização da análise de crédito por meio de IA. De acordo com o CEO, Thiago Yaak, a empresa nasce para facilitar a relação entre as quatro pontas envolvidas no processo — financiador, incorporador, projeto e comprador —, reduzindo o atrito.
“O que percebemos é que muitos processos já são digitais, mas permanecem ineficientes, apenas replicando a forma como as coisas eram feitas no papel, com muito formulário. A IA permite personalizar as camadas e entender melhor o perfil de risco do comprador. Se a gente conseguisse de maneira mais sistêmica dar mais fluidez e transparência a esse mercado, e se o regulador conseguisse, por exemplo, ter mais acesso à composição de um CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários, um título de renda fixa lastreado em créditos do mercado imobiliário, como financiamentos), acredito que seria possível até mesmo ter taxas de juros mais competitivas, ainda que o cenário macro seja desfavorável”, aponta.