Diretamente de Garopaba, Santa Catarina, Jéssica Cardoso encontrou no empreendedorismo uma maneira de mudar sua realidade, apoiar mulheres pretas no mercado de trabalho e promover acessibilidade para a comunidade surda. Formada em Serviço Social e Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), ela criou a InterPrêta a partir de uma inquietação pessoal, três meses depois do nascimento da segunda filha.
“Estava em um trabalho exploratório, com jornadas de 12 horas por dia e um salário de apenas R$ 1.000. Além de ser uma condição desumana, isso me afastava das minhas filhas. Saía de casa quando elas ainda estavam acordando e só voltava quando já tinham ido dormir. Foi nesse contexto que comecei a questionar minha situação profissional e a buscar alternativas para mudar aquele cenário”, conta Jéssica, em entrevista ao Startups.
Foi então que decidiu criar o próprio negócio, com o objetivo de transformar não apenas sua realidade, mas também a de outras mulheres pretas que enfrentam desigualdades em cargos, salários e oportunidades no mercado de trabalho. “O racismo está presente em todo o Brasil. Minhas oportunidades de trabalho sempre foram limitadas e, quando surgiam, eram com salários muito abaixo da média do mercado”, relata.
Em 2021, nasce a InterPrêta, startup que oferece serviços de tradução e interpretação em Libras prestados por mulheres pretas. A startup também promove workshops, consultorias e capacitações para empresas, com o propósito de garantir inclusão e acessibilidade para a comunidade surda, enquanto gera trabalho e renda para essas profissionais. “No empreendedorismo, encontrei uma maneira de abrir portas para outras mulheres pretas e de contribuir para que minhas filhas, Lara e Zahara, tenham mais oportunidades do que eu tive”, destaca.
Geração de impacto
Desde o primeiro mapeamento, que identificou 10 mulheres negras intérpretes de Libras, muita coisa aconteceu. Em 2022, a InterPrêta foi selecionada para o Pulse, programa de aceleração da B2Mamy, maior comunidade de mães empreendedoras do Brasil, e, no mesmo ano, concretizou suas primeiras vendas no mercado B2B.
A companhia atende principalmente médias e grandes empresas comprometidas com impacto social e inclusão em suas relações com clientes, parceiros e colaboradores. “O carro-chefe da InterPrêta é a participação em eventos, oferecendo serviços de tradução e interpretação em Libras para tornar o conteúdo acessível à comunidade surda”, explica Jéssica. Ela destaca que os primeiros clientes da startup seguem como parceiros até hoje, evidenciando a qualidade e a confiança conquistadas pelo trabalho da startup.
Além de eventos, a InterPrêta atua em processos seletivos, ajudando as empresas a torná-los mais acessíveis e inclusivos. A startup também oferece workshops e consultorias para promover transformações na cultura interna das organizações. “Nosso objetivo não é apenas inserir mulheres pretas no mercado de trabalho, mas garantir que elas atuem em espaços respeitosos, que as valorizem com remuneração justa e um ambiente verdadeiramente inclusivo e acolhedor”, pontua.
Atualmente, a startup reúne mais de 100 mulheres pretas intérpretes de Libras, espalhadas por estados como São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso. Apenas em 2023, a startup gerou mais de R$ 150 mil em trabalho e renda para essas profissionais. Em 2024, esse valor já é quatro vezes maior e, segundo Jéssica, a empresa impacta mensalmente entre 15 e 20 mulheres, que atuam sob demanda, ampliando suas oportunidades no mercado.
Próximos passos
Em 2025, o foco da InterPrêta será expandir o time para atender à crescente demanda. “Estamos recebendo cada vez mais solicitações e precisamos de mais pessoas para aumentar nossa capacidade de entrega”, explica Jéssica. Atualmente, a maioria dos clientes da startup chega por indicação orgânica. “Quem contrata nossos serviços geralmente nos recomenda, o que é muito positivo. No entanto, sabemos da importância de investir em vendas ativas, e essa será uma das nossas prioridades no próximo ano”, acrescenta a empreendedora.
Os planos também incluem a estruturação do marketing para atrair e fidelizar mais clientes. “Já entendemos quais são os meses de pico de vendas, conhecemos nossa base de clientes e sabemos como funciona a recorrência de compra. Temos uma visão clara de todo o processo de compra”, destaca Jéssica.
A InterPrêta opera atualmente com recursos próprios, mas Jéssica expressa interesse em realizar uma captação de investimentos em breve. “Um dos desafios que enfrentamos no início foi que muitas mulheres não tinham os recursos mínimos necessários para prestar atendimento remoto, como câmeras e computadores”, conta. A solução encontrada foi buscar apoio de parceiros para a doação dos dispositivos, viabilizando o trabalho. “É muito difícil seguir apenas com recursos próprios. Tenho pensado em fazer uma captação para acelerar o crescimento da empresa”, conclui, reforçando que ainda não há nada concreto nesse sentido.