Quando chegou ao Brasil em 2014, sem falar português e dividindo o tempo entre dois empregos em restaurantes, Alejandra Yacovodonato enfrentou o mesmo desafio que muitos imigrantes e refugiados: a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Dez anos depois, a venezuelana está à frente da Fly Educação, organização que já capacitou mais de 8,3 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social e impactou outras 330 mil indiretamente, por meio de projetos que combinam educação socioemocional, tecnologia e empreendedorismo.
A Fly nasceu da experiência de Alejandra, que deixou a Venezuela para escapar da crise humanitária e encontrou no Brasil a esperança de recomeçar. Desde então, tornou-se defensora da igualdade de oportunidades para minorias, com foco na promoção de uma educação de qualidade em comunidades de baixa renda. “Depois de passar por vários empregos, consegui uma posição em uma startup e percebi o quanto o acesso a um salário digno, terapia e educação não deveria ser um privilégio. E pensei: por que algumas pessoas conseguem romper essas barreiras e outras não?”, relembra.
A partir dessa reflexão, a empreendedora decidiu criar uma ONG voltada ao desenvolvimento de competências emocionais em comunidades periféricas, com foco em grupos sub-representados, como mulheres negras, refugiados e pessoas indígenas. Para isso, uniu três grandes bases teóricas – a Educação Experiencial, a Hermenêutica e a Teoria U, desenvolvida no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) – para criar uma metodologia própria.
A proposta da Fly é que o aprendizado técnico só se torna efetivo quando acompanhado de autoconhecimento, gestão emocional e pensamento crítico. “Hoje, o principal diferencial de um profissional de excelência é saber lidar consigo mesmo e com os outros. A técnica vem depois”, defende Alejandra.
Com esse olhar, a organização busca formar profissionais preparados não só para ocupar vagas, mas para inovar, liderar projetos e gerar impacto real nas empresas e comunidades em que atuam. Entre os projetos está o Mulheres in Tech, com formações em desenvolvimento web e de jogos, big data, BI e inteligência artificial. A iniciativa já gerou mais de R$ 5 milhões em renda anual para as mulheres formadas ao longo de 16 turmas.
A Fly Educação também desenvolve programas como o Colorindo STEAM, que trabalha temas como empreendedorismo feminino, competências socioemocionais, pintura urbana e a importância da ciência; o SuperProfs, que disponibiliza ferramentas inovadoras para professores aplicarem em sala de aula; e o Empreende Fly, que promove oficinas e rodas de conversa com jovens em escolas públicas e organizações sociais, entre outros.
Crescimento e sustentabilidade
Com 10 anos de atuação, a Fly chega à segunda década de vida em um novo ciclo de expansão. Além de diversificar fontes de receita por meio de parcerias com empresas como Alura, MRV, Instituto Syn e Editora Moderna, a ONG também presta serviços corporativos e educacionais para financiar seus projetos.
Presente nas cinco regiões do Brasil e em outros três países latino-americanos – Colômbia, Venezuela e Uruguai -, a organização conquistou seu primeiro R$ 1 milhão captado em 2024. “Captar é sempre um desafio, mas a qualidade dos nossos resultados ajuda nesse processo”, diz Alejandra.
Os recursos vêm de quatro principais fontes: parcerias com empresas privadas, que destinam verbas de marketing, inovação e responsabilidade social; editais públicos e privados voltados a projetos alinhados à missão da organização; leis de incentivo fiscal; e doações de pessoas físicas, que incluem contribuições pontuais, recorrentes e ações realizadas durante eventos.
A meta da Fly para 2025 é captar R$ 2,4 milhões e impactar diretamente 10 mil pessoas, ampliando ainda mais o alcance de seus programas.
Outro foco é a melhoria dos processos internos, diante do crescimento acelerado da equipe e da quantidade de projetos simultâneos. “Estamos adaptando tudo para o novo tamanho da organização. É o tipo de dor boa, que vem com o crescimento”, brinca a fundadora.
No futuro, Alejandra quer ver a metodologia da Fly integrada às políticas públicas de educação socioemocional no Brasil. “Nosso sonho é que, em 2050, nossos programas estejam presentes nas escolas públicas de forma recorrente, democratizando o acesso ao que hoje está restrito às escolas privadas”, afirma.
Entre as próximas metas da Fly estão o aprofundamento do trabalho em masculinidades saudáveis, com foco na prevenção da violência de gênero, e a ampliação do uso da Ciência da Felicidade em suas formações. Desenvolvida em Harvard, essa teoria busca compreender o que realmente torna as pessoas felizes, saudáveis e realizadas ao longo da vida, a partir da combinação de psicologia positiva, neurociência, filosofia e estudos sobre comportamento humano.
“Queremos que o impacto seja cada vez mais mensurável, tanto na renda quanto na autonomia econômica, para comprovar o impacto real da nossa atuação”, conclui Alejandra.