*Por Renato Pezzotti, especial para o Startups
É só ligar a TV e prestar atenção: comerciais de empresas nativas do mundo digital estão toda hora na telinha. E não é só na televisão não: um número cada vez maior de companhias do mundo online tem passado a anunciar em mídias chamadas de ‘offline’. São grandes campanhas em canais abertos ou de TV a cabo, anúncios em mídia exterior ou patrocínios esportivos, por exemplo. As novatas e disruptivas se renderam às mídias tradicionais.
Há uma explicação financeira para esse movimento: o custo dos anúncios digitais, principalmente em buscas em plataformas de redes sociais, aumentou muito desde o começo da pandemia. A tão enaltecida explosão da digitalização do consumidor fez a concorrência pela atenção das pessoas crescer muito e isso aumentou os valores das propagandas online – e consequentemente o custo de aquisição de clientes, ou CAC, umas das principais métricas para companhias digitais. Algumas empresas falam da altas e 30% a 50% dependendo do termo a ser usado.
Além da maior demanda, custos operacionais estão subindo. No ano passado, o Google foi acusado de cobrar taxas de publicidade até quatro vezes acima da concorrência, segundo o Wall Street Journal, com base em uma ação judicial que envolve a empresa em curso no Texas (EUA).
Esse cenário de encarecimento levou até a disputas judiciais por causa de links patrocinados/adwords. A judicialização acontece quando o uso da ferramenta é considerado concorrência desleal ou envolve o uso indevido de uma marca. Segundo levantamento produzido pela startup jurídica Juit com exclusividade ao Startups, decisões judiciais envolvendo links patrocinados saltaram de 47, em 2016, para 153, no ano passado.
Seria “só” isso?
Mas o custo seria a única (e maior) motivadora dessa migração de verbas? Para especialistas ouvidos pelo Startups, não é só isso. As startups têm ido atrás das mídias tradicionais para alcançarem novos consumidores e construírem uma base mais sólida de reputação.
David Laloum, chief strategy officer (CSO) do Distrito, aponta 3 elementos que podem justificar esse apetite por mídias (teoricamente) mais massificadas: capacidade de gerar um crescimento do número de clientes de forma mais rápida; uma construção de marca feita de maneira mais efetiva e o alcance a todo tipo de público.
“A maior parte das scale-ups se deu conta de que fazer esse crescimento de clientes sem um esforço de branding é maior. O fato de as pessoas reconhecerem a marca facilita algumas etapas mais técnicas. Além disso, a empresa vale mais quando possui uma marca bem construída. Isso já é um entendimento forte do mercado”, diz Laloum.
Construção de marca é fundamental
Para Claudio Kalim, CEO da Tech and Soul, agência que já foi responsável pela comunicação da Uber no país e que desde o mês passado atende a conta da seguradora digital Youse, o movimento pode ser considerado natural.
“Como qualquer marca, as startups querem estar presente na vida das pessoas, buscam proximidade do consumidor. Para isso, o meio offline é extremamente importante. Hoje, todos os anunciantes que podem ser considerados ‘digitais’ precisam extrapolar essa bolha”, afirma Kalim.
Para o executivo da Tech and Soul, o fato de uma marca estar no intervalo do Jornal Nacional, da Globo, por exemplo, dá outra percepção aos consumidores. “Reputação é colchão, não é trampolim: grandes startups perceberam que é importante um investimento de marca para o futuro, seja numa venda, numa rodada de investimento ou mesmo na construção do negócio”, declara.
Nativos digitais no mundo offline
QuintoAndar, Loft, CloudWalk, Kavak e Neon são algumas das empresas que investiram de forma mais forte no offline nos últimos meses.
A startup de serviços imobiliários, por exemplo, passou a patrocinar o Big Brother Brasil, da Globo, num investimento que beira R$ 12 milhões, e lançou, em janeiro, grande campanha na televisão. O primeiro comercial, estrelado pelo cantor Milton Nascimento, foi veiculado no intervalo de programas como Domingão do Huck e Fantástico, em âmbito nacional.
“Mesmo para produtos nativos digitais, faz muito sentido que se façam investimentos em mídias offline, ainda mais de amplo alcance. A ideia de nos conectarmos ao BBB, principal reality show do país, nos permite alcançar diversos públicos de interesse por todo o Brasil, criando espaço para podermos ampliar o contato que temos atualmente com os nossos clientes”, afirma Flávia Mussalem, diretora de marketing da proptech.
“Boas ativações de conteúdo acontecem quando a gente encontra uma intersecção entre o que a marca quer ou precisa falar e o que as pessoas querem e esperam consumir de conteúdo. O BBB é isso: o assunto mais falado do Brasil ao longo dos 3 meses de duração, e que por isso encontramos um jeito proprietário de contar sobre a nossa marca dentro do programa, fazendo esse match”, declara.
Flávia ainda faz uma ressalva sobre o momento certo em estrear na TV. “Ao investir em mídias offline, sobretudo em TV, a narrativa da empresa precisa estar muito madura e muito alinhada com os próximos passos do negócio. A comunicação precisa funcionar como uma ferramenta de negócio – e não somente como uma vitrine de exposição do produto”, completa a executiva.
A Kavak, por sua vez, realizou uma de suas maiores investidas em marketing no final do mês passado, quando anunciou o patrocínio à CBF (Confederação Brasileira de Futebol). O unicórnio mexicano, que chegou ao país em julho de 2021, será apoiador das seleções brasileiras masculina, feminina e das categorias de base até 2025. A companhia também patrocina as squadras da Argentina e do México.
Diferentes narrativas
“O patrocínio à CBF é um bom exemplo deste nosso movimento e da nossa estratégia de reforçar a nossa marca em longo prazo no país. Sabemos que o esporte é algo presente na vida de muitos brasileiros e, quando falamos de futebol, essa conexão é ainda mais acentuada. A trajetória do futebol brasileiro é um exemplo de narrativa capaz de unir gerações e pessoas com diferentes histórias”, pontua Nicolas Fernandez, CMO global da Kavak.
“Nosso objetivo principal de mídia é colocar a marca da Kavak onde o consumidor está. Alcançar o reconhecimento da marca e atingir novas audiências são resultado de uma estratégia construída por meio da real compreensão do consumidor. Estar próximo a ele, compreender as suas necessidades, desejos e anseios”, completa.
A fintech Neon, também tem investido em ações offline. Em setembro do ano passado, a startup realizou uma extensa campanha em mídia out of home, em pontos de ônibus de cidades do Sudeste e Nordeste do país e estações de metrô. Segundo a empresa, o objetivo era “descomplicar a relação das pessoas com o banco”.
“A estratégia é sempre estar presente onde nosso público, que é o brasileiro trabalhador, está. Por isso buscamos uma composição de vários canais e veículos para ter um bom alcance e entendimento da mensagem”, diz Othon Vela, VP de marketing da fintech. Desde janeiro, a conta publicitária da Neon está na carteira da agência David, que atende clientes como Coca-Cola, Lacta, Burger King, Magalu e o QuintoAndar.