Investir em capital de risco tem suas particularidades. A principal delas – e talvez a mais difícil de ser assimilada pelos investidores brasileiros – é o prazo para o retorno dos investimentos, que é mais longo. Para Marcello Gonçalves, sócio e fundador da DOMO.VC, a cultura de investimentos “curtoprazista” brasileira atrapalha mais na captação dos fundos de venture capital do que os juros altos ou o cenário macroeconômico em geral.
“Eu acho que nós, como mercado de venture capital, temos um desafio gigante que é a educação do investidor. O investidor brasileiro, em qualquer nível, entende menos de venture capital do que deveria. Falta um aprofundamento, principalmente dos gestores de fortunas, sejam bancos, multifamily offices, agentes autônomos, de querer conhecer mais venture capital, e oferecer da maneira certa para os investidores”, aponta Marcello, em entrevista exclusiva ao Startups durante o Web Summit Rio 2025, evento que reuniu mais de 34 mil pessoas na semana passada no Rio Centro, Zona Oeste da cidade.
Apesar de dizer que o venture capital não compete com o CDI, Marcello reconhece que os juros em patamares elevados são um “ópiozinho gostoso que vicia o investidor”. Nos últimos 12 meses, a renda fixa atrelada à taxa Selic remunerou o investidor em quase 12%, sem risco. Atualmente, a Selic está em 14,25% e a projeção do mercado é que encerre o ano em 15%. Com retornos nesses patamares na renda fixa, o investidor não vê a Bolsa como poupança, mas como forma de ganhar dinheiro rápido, através do day trade.
“O brasileiro quer saber como ele faz para ficar rico amanhã. Ele joga na bet, ele joga na Bolsa, no Bitcoin, infelizmente em 98% de casos ele perde ao invés de ganhar. Mas é uma mentalidade muito arraigada no nosso povo. Nunca houve esse processo educacional de que Bolsa é um investimento de longo prazo”, lamenta.
No Brasil, menos de 5% da população investe na Bolsa, enquanto nos Estados Unidos esse percentual é bem maior, chegando perto de 60%. Para Marcello, isso faz com que o venture capital brasileiro tenha desenvolvido características particulares, como consequência de um mercado menos líquido.
“O venture capital brasileiro é fundamentalmente diferente do americano. Enquanto lá você tem small caps, mid caps, large caps, com US$ 1 bilhão o cara faz um IPO, até menos, aqui no Brasil você não faz IPO de jeito nenhum. Então lá os caras podem fazer Seed, séries A, B, C, IPO, por exemplo. Mas no Brasil não se chega nem nas séries B, C e D. As startups brasileiras têm que esticar mais o dinheiro, em vez de fazer rounds a cada oito meses, acabam fazendo de dois em dois anos”, explica.
É por isso que as saídas no Brasil costumam ser por meio de fusões e aquisições, e não por estreias em bolsas de valores, conforme disse o investidor durante painel no Web Summit. Para Marcello, os fundos nacionais e internacionais estão começando a entender que o Brasil não será um novo Estados Unidos. E que, por aqui, as estratégias devem ser diferentes.
Mau humor dos americanos contamina
Entre as frustrações enfrentadas pelo mercado de venture capital neste ano está o governo do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, que tem gerado instabilidade a níveis globais por meio de decisões como a de aumentar as tarifas para importações. A consequência é um menor apetite a risco que afeta inclusive as saídas das startups no país, fazendo com que o mercado americano fique estagnado. Se não há reciclagem do dinheiro, não há dinheiro novo, ressalta Marcello.
“Em dois meses, ele (Trump) conseguiu desestabilizar o mundo inteiro. A gente já tem a nossa bagunça particular, é difícil piorar aqui. Mas o pior para nós é o efeito cascata. Se está todo mundo feliz nos Estados Unidos, o investidor aqui começa a ficar feliz. Se todo mundo lá está preocupado, eu fico preocupado aqui também. O mau humor de lá contagia”, afirma o fundador da DOMO.VC.
Segundo Marcello, o venture capital norte-americano é importante para fomentar as rodadas de estágios mais avançados nas startups brasileiras, a partir da série B. No Brasil, a maior parte dos fundos locais investe nos estágios Seed a série A.
“A gente tem um mercado overcrowded dando o primeiro cheque. E o que todo mundo aprendeu é que a gente vai ter que dar o primeiro cheque, provavelmente a gente vai ter que dar um bridge e aí a gente vai ter que ajudar o cara a continuar andando até esse segundo cheque aparecer. Mas agora nós estamos vendo as startups demorarem muito mais a conseguir esse segundo round ou nem chegarem lá”, explica.
Com falta de recursos para estágios mais avançados, a solução tem sido vender a empresa antes de chegar à série B, destaca o investidor.
“Eu acho que cada vez mais a gente vai ver empresas sendo criadas para serem vendidas do que empresas sendo criadas para fazer IPO. Porque o IPO no Brasil não vai existir. E se for para existir da maneira como existiu em 2021, é melhor não existir”, diz o fundador da DOMO.VC.