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E-commerce de alimentos falhou, mas startups querem virar o jogo

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Qual é o caminho do sucesso para o varejo alimentar online no Brasil? | Foto: Canva
Qual é o caminho do sucesso para o varejo alimentar online no Brasil? | Foto: Canva

Depois de uma “explosão” de popularidade durante a pandemia, recentemente o e-commerce voltado ao varejo alimentar enfrenta dificuldades no Brasil. Com a volta do presencial, muitas startups voltaram a competir com os supermercados tradicionais – e perderam. A lista é grande: nomes como Merqueo, Justo e Mercado Diferente não resistiram e encerraram suas operações no Brasil. Entretanto, algumas startups resistem bravamente, e querem provar que existe um caminho para os supermercados online.

“O erro que muitos cometeram foi tentar fazer simplesmente uma versão online do varejo tradicional”, dispara Guilherme Nazareth, CEO da Trela, supermercado online com foco em alimentos saudáveis, nos moldes do que oferecia a “finada” Mercado Diferente.

Segundo o fundador, a competição no segmento nunca foi entre as startups, mas sim com o varejo tradicional, já que os supermercados online representam apenas 2,5% do volume total comercializado no varejo alimentar, que segundo a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), movimentou cerca de R$ 1,27 trilhão no ano passado. “Há um campo vasto a ser desbravado”, avalia o executivo, em conversa com o Startups.

Contudo, Guilherme ressalta que a jornada mal começou. “Estamos ainda desenvolvendo a receita de como o e-commerce alimentar vai dar certo”, explica. Para a Trela, uma das apostas é quebrar o o paradigma do varejo baseado em estoque parado. Para isso, a empresa montou um centro de distribuição (CD) próprio na Lapa, em São Paulo, com 70% da estrutura dedicada a câmaras frias, que suportam um modelo de entregas just in time.

Guiherme Nazareth, CEO da Trela | Foto: divulgação
Guiherme Nazareth, CEO da Trela | Foto: divulgação

Ao invés de manter inventário esperando o consumidor, a empresa opera com entregas frequentes e reposições programadas em parceria com fornecedores. Hortifrúti, frutos do mar e pães são entregues duas vezes ao dia e rapidamente despachados ao cliente final. Produtos com maior validade são repostos com apoio de algoritmos que monitoram demanda e giro de estoque.

Além disso, para competir com os supermercados tradicionais, a Trela aposta em uma abordagem estilo “cauda longa”, oferecendo itens que não se encontram em qualquer lugar. “Temos uma curadoria diferenciada, olhando para coisas que os supermercados ignoram e que os clientes percebem o valor”, explica. Aliás, com essa abordagem, a Trela prefere nem entrar na arena das entregas ultrarrápidas. “Se todo mundo faz lista um dia antes de ir no supermercado, porque não fazer isso no online?”, indaga.

Esse modelo de e-commerce vem trazendo resultados. A empresa cresceu 12 vezes em volume bruto de mercadoria (GMV) e 8 vezes em receita no último ano, com o custo de aquisição de cliente (CAC) caindo 70%. “O negócio está fazendo sentido a ponto de fazer a nossa rodada render”, celebra o CEO. E põe render nisso: foi em 2022 que a Trela captou US$ 25 milhões em uma série A liderada pelo SoftBank.

Segundo Guilherme, a expansão segue cautelosa, com operação no centro expandido de São Paulo e Alphaville, e planos de incluir novas regiões em breve. Com uma base de clientes cada vez mais engajada, o CEO vislumbra o futuro da Trela além das fronteiras paulistanas. “A partir de dois anos teremos potencial de sair de São Paulo. Mas vamos com um passo de cada vez”, projeta.

Encontrando a estabilidade

Também com um e-commerce dedicado a produtos mais saudáveis, a Raizs optou por dar um passo para trás para recuperar seu rumo e garantir um crescimento sustentável. Após enfrentar ciclos desafiadores, a empresa encontrou estabilidade a partir de decisões estratégicas tomadas em 2022, quando o hype de vendas da pandemia começou a arrefecer.

“A gente já teve muitos cenários desafiadores na empresa, mas hoje não é um deles”, afirma o CEO e fundador Tomás Abrahão, ao Startups. No ano passado, a Raizs cresceu 50%. “A grande questão não é nem crescer 50%, mas sim crescer isso aumentando 3 vezes o EBITDA”, completa.

Para alcançar esse resultado, a empresa enxugou custos fixos e variáveis, priorizando as linhas de negócio mais rentáveis. “Tem que escolher às vezes abandonar algumas partes do sonho para manter ele vivo”, diz o CEO, que também revela ter fechado algumas unidades e feito ajustes na operação para preservar a saúde financeira.

Tomas Abrahão, fundador e CEO da Raizs | Foto: divulgação
Tomas Abrahão, fundador e CEO da Raizs | Foto: divulgação

Seu ecossistema conta com itens de marca própria, linhas de produção em parceria com fornecedores (white label) e uma plataforma robusta de relacionamento com agricultores. “Investimos muito em tecnologia, de diferentes formas, inclusive com módulos de IA para prever abastecimento com os produtores e otimizar custos”, explica.

Com 3 mil SKUs e presença em todo o estado de São Paulo, a empresa opera com seis centros de distribuição e uma equipe de 320 pessoas. Atualmente com cerca de 100 mil clientes ativos, a Raizs vê em 2025 outro ciclo de expansão responsável, com a meta de repetir os 50% de crescimento de 2024.

“Estamos em um momento de consolidação. Conseguimos sobreviver bem num mercado com players mais capitalizados que caíram, e agora temos a chance de conquistar essa clientela”, conclui. Aliás, a última rodada da Raizs também foi em 2022 (assim como a Trela): foram R$ 20 milhões captados em uma Série A liderada pela Solum Capital e acompanhada pela KPTL.

Entretanto, assim como destacou o CEO da Trela, Tomas concorda que a competição não é com outros e-commerce, e sim com o “esquemão”. “Discordo da teoria do winner takes all em um segmento específico, que é algo que às vezes é alimentado pelo VC. Nossa batalha é muito maior”, finaliza.