Startups 5 anos

Ecossistema precisa de mais empreendedores, diz CEO do Nubank

Em entrevista para o especial de cinco anos do Startups, David Vélez fala sobre os aprendizados e desafios atuais do Nubank

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David Vélez, fundador do Nubank, durante evento na sede do banco, em São Paulo | Foto: Divulgação
David Vélez, fundador do Nubank, durante evento na sede do banco, em São Paulo | Foto: Divulgação

Olhar a trajetória do Nubank nos últimos cincos anos é, de certa forma, relembrar o desenvolvimento do próprio ecossistema de inovação na América Latina no período.

Rodadas de captação e IPO. Dúvidas e provação do modelo de negócios. Foco em rentabilidade e eficiência e investimento em inteligência artificial.

O roxinho, que em 2025 completa 12 anos de vida, conquistou marcas importantes como ser o banco digital mais valioso do mundo, figurar entre as instituições financeiras mais valiosas da América Latina e ultrapassar a marca de 100 milhões de clientes. O Nubank fez o ciclo completo do venture capital e provou que é possível criar uma referência global em inovação a partir do Brasil.    

Nesta entrevista para a edição especial impressa para comemorar os cinco anos do Startups, David Vélez fala sobre os aprendizados da trajetória, os desafios atuais do Nubank e as perspectivas para o ecossistema latino. “O que falta para acelerar o ecossistema são mais empreendedores”, crava ele.

Baixe sua cópia da edição de cinco anos do Startups na LP criada para comemorar este momento.

STARTUPS – Quais você acredita que ainda são as barreiras para o crescimento das startups na América Latina?

DAVID VÉLEZ – Eu acho que o que falta para acelerar o ecossistema são mais empreendedores. É uma visão cultural de que, em vez de eu ir trabalhar numa grande empresa, eu vou empreender. Se o governo e a regulação não interferirem, seria melhor, seria mais fácil. Mas no final, é a quantidade de empreendedores que entra no mercado tentando começar empresas que define o jogo.

Quando a gente começou, não existia quase dinheiro de venture capital. Hoje, existem fundos locais, fundos internacionais que continuam investindo no Brasil. E tem uma infinidade de problemas para serem resolvidos por empreendedores. No fim, o gargalo é a quantidade de gente querendo empreender.

S – Mas existe um desafio de liquidez. Vocês foram um dos poucos casos de IPO. E o mercado de M&A tem limitações no tamanho das operações.

DV – Para as melhores empresas vai existir liquidez, o IPO, o investidor. A liquidez acontece como consequência de grandes empresas sendo criadas. Ainda existe muito capital no mundo, e ele vai para onde existem as melhores oportunidades. E aí eu volto no ponto inicial. O gargalo são as boas execuções e mais empreendedores.

Você olha, por exemplo, o fundo do Kaszek que investiu no Nubank. É dos fundos de maior retorno da história em venture capital. E não só da América Latina, mas do mundo. E você vê muitos dos fundos nessa leva de 2013, 2014, 2015, têm retornos excepcionais. E isso em ambiente de pouca liquidez.

S – A atual instabilidade geopolítica global pode afetar negativamente o ecossistema latino?

DV – Muito pouco. Para as startups é quase que tanto faz. A maior parte dos investidores da tecnologia do mundo vê claramente a grande oportunidade que a inteligência artificial vai criar. E elas serão geradas independentemente do presidente X ou Y. E aí eu falo da nossa própria experiência. A quantidade de volatilidade em 12 anos tem sido absurda. Recessões, impeachment, crises políticas, e ainda assim a gente construiu uma das maiores instituições financeiras do mundo.

Eu teria preferido ver muito mais estabilidade. A execução teria sido mais fácil. Mas muitas das oportunidades são tão importantes que têm pouca correlação com a macroeconomia ou com o ambiente político.

S – Há uma grande oportunidade com IA, mas também uma falta de talentos na região. A gente não corre o risco de ficar para trás nesse novo ciclo?

DV – O que é muito legal da IA é que ela muda o paradigma do que é talento. Nas revoluções passadas, nos últimos 100 anos, a definição de talento era muito ligada a quem tinha a credencial adequada. Quem tinha ido à faculdade, à Ivy League nos Estados Unidos. O talento era quem, basicamente, teve os meios econômicos para ganhar essa credencial.

Com a IA essas credenciais valem basicamente zero. Não vai importar se você for à faculdade. Ela dá a grande oportunidade para as pessoas que têm a fome, o senso de urgência, a grande ambição, de aprenderem sozinhas e de criarem uma startup de duas, três pessoas que pode servir bilhões de pessoas. Eu acho que vamos ver isso nos próximos cinco anos. O campo está nivelado.

S – Mas se há esse nivelamento, essas próximas grandes empresas não poderiam sair do Brasil?

DV – Quem ganha é a pessoa com mais vontade de trabalhar duro, com mais fome, com mais senso de urgência, com mais sangue nos olhos. O talento é distribuído igualmente ao redor do mundo. Nenhuma empresa, nenhum país tem monopólio de talento. Mas as oportunidades não eram. A IA vai equalizar essas oportunidades e vai permitir que as pessoas com mais garra possam criar grandes oportunidades, grandes empresas.

S – E como você chega lá? Como você vira um Nubank?

DV – Empreender é muito difícil e a probabilidade de sucesso é muito baixa. Então, é melhor fazer alguma coisa que tenha potencial de ser gigantesco e que seja muito difícil, do que fazer algo que seja relativamente fácil.

A gente escolheu fazer a ideia mais maluca e mais difícil que a gente podia imaginar, que era construir um banco do zero no Brasil, porque fazer isso era igualmente difícil em investimento de tempo e de foco do que fazer uma coisa menor.

Pensar grande e fazê-lo pelas razões certas, que é pela jornada, se desafiar, reinventar uma indústria, trabalhar com pessoas excelentes. Pela aventura. Não é “vou fazer isso porque quero fazer unicórnio”. Porque se essa é a motivação, provavelmente você vai ficar muito desapontado.

S – De onde você acha que virá o próximo Nubank, o próximo iFood?

DV – Essas grandes empresas vão sair do Brasil. O país tem o melhor posicionamento na América Latina para criação de empresas pelo mercado local, pela capacidade técnica e pelo ecossistema de venture capital. Em termos de setores, eu acho que existe uma grande oportunidade em saúde, que ainda tem baixo acesso globalmente. E o setor da educação também será completamente reinventado. Além dos serviços financeiros.

S – Serviços financeiros? Mesmo com nomes dominantes como vocês, Mercado Pago e PicPay?

DV – A gente também vai ter que se reinventar. E a inteligência artificial abre uma oportunidade para uma nova reinvenção completa do sistema financeiro. O Nubank está em uma posição muito única para isso. A gente já tem a escala de incumbente, a quantidade de dados em uma infraestrutura moderna de incumbente, com a agilidade de uma startup. Combinamos o melhor de cada mundo.

S – Inclusive, você voltou ao dia a dia da empresa em busca de mais eficiência e simplificação da estrutura. Por que você achou que era a hora desse founder mode? Sentiu falta dos tempos da casa na Rua Califórnia [endereço na Zona Sul de São Paulo onde o Nubank nasceu]? 

DV – Talvez a parte mais difícil de ter escalado o banco até aqui tenha sido ter a equipe certa no momento certo da empresa. Quando você cresce tão rápido, você olha a equipe e fala, será que está tudo bem? Que todo mundo é a pessoa certa? E às vezes a resposta é sim. Mas quando você está duplicando, triplicando de tamanho, seis meses depois você faz a mesma pergunta e talvez a resposta seja não. Talvez você precise de alguém com mais experiência. Ou de algum tipo de conhecimento que não tenha dentro de casa.

Em 2019, eu tinha feito essa pergunta e, uma das partes que estava faltando era mais management dentro da empresa. A gente tinha crescido muito, mas tinha pouca gente que tinha realmente liderado equipes tão grandes como a gente era naquele momento. Eu pessoalmente não tinha essa experiência. Então trouxemos pessoas com experiência, que trouxeram mais pessoas com experiência. Isso foi importante para fazer o IPO e para escalar depois.

Mas eu fiz essa pergunta de novo faz uns 12 meses e a resposta foi um pouco diferente. O pêndulo tinha ido muito na direção contrária. Já tínhamos management demais. Criamos muitas camadas, muita burocracia. Estávamos começando a ser uma empresa grande, que demora muito tempo para tomar decisões. E a nossa capacidade de tomar risco estava caindo. Então, o que aconteceu no último mês foi eu trazer o pêndulo para o outro lado.

Isso cria uma estrutura organizacional muito horizontal, onde eu estou conectado diretamente com uma grande quantidade de pessoas dentro da organização. E isso é muito legal, porque permite ter muito mais senso de urgência e continuar trabalhando como uma startup. Porque a gente ainda é uma startup. Ainda temos uma grande oportunidade à frente. A gente ainda pode multiplicar por 10 ou até por 100 o tamanho do Nubank. Então, é importante a gente, psicológica e taticamente, continuar executando como uma startup.

S – Você já tem sentido essa mudança?

DV – Com certeza. A gente tem acelerado o passo de execução, tem coisas que a gente falava de lançar em novembro ou dezembro e lançamos em quatro semanas. A produtividade das equipes tem aumentado. A velocidade de execução também. Com certeza tem mudado o jeito como a gente está trabalhando.