Os últimos anos foram intensos para o ecossistema de inovação no Brasil. Vivemos períodos de euforia, com dinheiro em abundância e valuations exorbitantes, e também enfrentamos reajustes bruscos. Vimos contratações aceleradas, demissões em massa, unicórnios surgindo e alguns desaparecendo.
Depois dos ajustes e de uma busca mais consciente por eficiência, sustentabilidade e reinvenção, voltamos nosso foco para as tendências e desafios que vão definir os próximos anos. Para ajudar a responder às principais dúvidas que vão orientar o ecossistema, o Startups convidou especialistas de diferentes setores para trazer análises e perspectivas sobre as questões que guiarão o futuro do ecossistema na América Latina.
O mercado vai voltar ao auge de 2021?
Acredito que o mercado não voltará aos níveis de 2021, pelo menos no curto prazo. Aquele foi um período atípico. Desde então, entramos em um novo ciclo, com uma correção saudável e necessária que trouxe mais racionalidade. As startups passaram a focar em eficiência operacional, caminhos claros para rentabilidade e modelos mais sustentáveis, o que é muito bom para o ecossistema.
Minha perspectiva para os próximos anos é de crescimento contínuo. O capital de risco segue presente, ao contrário do que se especulou. Há fundos bem capitalizados e comprometidos com a região. As startups precisam mostrar não só potencial de escala, mas também fundamentos sólidos, métricas saudáveis e governança mais madura.
Na América Latina, sigo bastante otimista. Ainda há muito espaço para o avanço tecnológico em setores críticos. Temos talentos empreendedores excepcionais, com fundadores cada vez mais experientes e que já vivenciaram diferentes ciclos de mercado. Além disso, há uma enorme oportunidade de crescimento com o uso da inteligência artificial. É um momento excelente para construir negócios transformadores.
Alex Szapiro – managing partner do SoftBank para a América Latina
Como a inteligência artificial vai transformar as startups?
Daqui a cinco anos, todas as startups precisarão dominar a IA para se manterem vivas. Será impossível imaginar, daqui em diante, produtos ou soluções sem IA embutida. Uma nova onda de empreendedores e startups liderará essa transformação e criará esse novo mercado, reduzindo ao mínimo o tempo entre a ideia e a geração de receita – e com muito menos esforço do que no passado. Acredito que não precisaremos de cinco anos para ver o 1º unicórnio formado por apenas uma pessoa
Leandro Vieira, vice-presidente de AI & Tech Cloud para Oracle América Latina
“A IA já está transformando nossas experiências, e boa parte dessa inovação é liderada pelas startups. Na AWS pudemos acompanhar, a partir da oferta da nuvem anos atrás, barreiras de acesso à tecnologia serem quebradas e startups revolucionarem mercados tradicionais. Acredito que estamos iniciando uma nova revolução com a democratização da IA generativa, com startups criando modelos de negócios e desenvolvendo soluções que ainda nem imaginamos”
Karina Lima, head de Startups na AWS Brasil
Depois da seca, os IPOs vão voltar?
O mercado brasileiro enfrenta desafios únicos que dificultam a retomada de um ciclo mais
exuberante. O país parece ter sua própria fábrica de criação de problemas, com inúmeros
fatores internos interferindo diretamente no ambiente de negócios, além dos fatores
macroeconômicos globais que afetam esse mercado, como os juros altos. Com eleições
presidenciais se aproximando no Brasil, visões muito distintas sobre economia e políticas
públicas podem surgir, influenciando fortemente os rumos do mercado.
A atenção à pauta do financiamento ao empreendedorismo acaba ofuscada por debates
paralelos, o que prejudica a evolução de mecanismos de incentivo. Acredito que os próximos
dois anos serão de ajustes no mercado. Fica a dúvida se a B3 e a nova bolsa de valores do Rio
de Janeiro conseguirão, de fato, impulsionar a abertura de capital para empresas de menor
porte. Além disso, se o investidor brasileiro adotará a bolsa como canal de poupança,
especialmente em um cenário de juros mais favorável. É possível que apenas a partir de 2027
o mercado nacional comece a apresentar um horizonte mais claro em relação às saídas e
liquidez para investidores.
Marcello Gonçalves – cofundador e managing partner na DOMO.VC
Ainda teremos novos unicórnios?
À medida que os anos passaram, de 2020 até agora, procurar unicórnios ficou cada vez mais
difícil, especialmente no Brasil. Nos últimos dois anos, apenas duas empresas entraram nesse
seleto clube – QI Tech e Pismo, sendo que a segunda é um unicórnio nascido de um M&A e não de uma rodada. Por outro lado, não são poucas as empresas “na sala de espera” para se
tornarem unicórnios.
Entretanto, o estouro da inteligência artificial reacendeu o apetite dos investidores (pelo
menos lá fora), criando uma nova “corrida” de fundadores e possíveis negócios bilionários. Lá
fora, em 2025 já apareceram quase 40 unicórnios, a maioria deles empresas baseadas em IA
ou em gestão e segurança de dados.
Ainda não tem como saber qual será ou quando teremos próximo unicórnio brasileiro, mas o
Distrito, por sua vez segue tentando prever. No relatório “Corrida dos Unicórnios 2025”, 12
startups estão puxando a frente, e oito são brasileiras: Blip, Petlove, Mottu, CRMBonus, Flash,
Stark Bank, Omie, Celcoin e Tractian.
Agora, se elas vão chegar ao valuation bilionário, é uma resposta que teremos nos próximos
anos, ou quiçá meses? Façam suas apostas.
Leandro Souza – repórter e editor da newsletter do Startups
O Brasil vai sair da sombra das fintechs?
A onda fintech abriu portas importantes no Brasil – inclusive no relacionamento com o
regulador, que passou a enxergar o empreendedor como aliado. Nos próximos anos, vejo três
áreas com enorme potencial. A primeira é Saúde, um setor ainda ineficiente, caro e com
grande assimetria de informação. Startups que resolvam isso com tecnologia e escala têm
espaço para crescer, inclusive fora do Brasil.
O segundo segmento com potencial de crescimento é o de agro e clima. O Brasil é
protagonista global em recursos naturais, e a pressão por soluções sustentáveis vai acelerar a
demanda por tecnologia no campo.
Por fim, há oportunidades em infraestrutura de AI e automação. Há uma geração de
empreendedores brasileiros olhando para problemas globais com ambição técnica,
especialmente em AI aplicada a indústrias tradicionais. Com capital mais seletivo e um talento
mais maduro, esses setores têm tudo para gerar as próximas histórias de impacto.
Pedro Melzer – sócio do Patria Investments e vice-presidente da ABVCAP