Ecossistema

Eleição na Abstartups é marcada por trocas de acusações

Cerca de 500 associados irão votar no dia 31 para escolher a chapa que irá liderar a Abstartups pelos próximos dois anos

Eleições na Abstartups se transformaram em um ringue entre as duas chapas. Foto: Canva/Reprodução
Eleições na Abstartups se transformaram em um ringue entre as duas chapas. Foto: Canva/Reprodução

Quem achou que o primeiro turno das eleições em São Paulo teve um baixo nível, é porque não acompanhou de perto a disputa pela presidência da Associação Brasileira de Startups (Abstartups).

No primeiro pleito da história da entidade em que duas chapas concorrem ao posto, o que deveria ser um momento de debates com propostas para o ecossistema se transformou em um ringue de trocas de acusações entre os dois lados.

Denúncias de assédio e violência doméstica, reclamações sobre falta de transparência, vídeo apócrifo com mais denúncias, notificações extrajudiciais e mensagens em tom de ameaça em grupos e conversas privadas no WhatsApp foram alguns dos elementos que marcaram a campanha. 

Um capítulo triste para um segmento que deveria representar avanços e melhorias para a sociedade brasileira. Não repetir o que ela tem de pior. 

Na quinta-feira (31, coincidentemente, ou não, dia das bruxas) os associados da Abstartups escolherão seus representantes para os próximos dois anos de gestão sem terem tido a chance de ver um debate, mesmo que raso, sobre projetos e ideias. 

A chapa da situação, apoiada pela atual presidente da Abstartups, Ingrid Barth, é a Founders2Founders. O candidato à presidência é Lindomar Góes, fundador e sócio minoritário da Proesc, além de presidente da Associação Amapaense de Tecnologia (Amapatec). 

Já a chapa de oposição, lançada pelo Movimento De Startups Para Startups (DSPS), escolheu o empreendedor Vinny Machado para disputar a presidência da entidade. 

Lindomar tem sido alvo de denúncias anônimas nas redes sociais, que o acusam de ter contratos irregulares com o governo do Amapá e de ter parentesco com um ministro do governo Lula, o que o candidato nega. Também circula uma “denúncia” de que ele seria funcionário público, o que o candidato confirma. “Sim, sou servidor do Ministério Público há 26 anos, com muito orgulho”, disse em um vídeo publicado no LinkedIn com o nome “Resposta contra fake news”. Lindomar é servidor do Ministério Público do Amapá (MPAP).

Críticos do candidato argumentam que funcionários públicos não podem ocupar cargos de gestão em empresas. No entanto, pela legislação brasileira, não há restrições para que um servidor atue como presidente em associações sem fins lucrativos, como a Abstartups e a Amapatec. “Não existe nenhum impedimento legal para que um servidor do MP assuma uma associação, desde que ela seja sem fins lucrativos, como é o caso da Abstartups”, ressaltou Lindomar.

Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogados e professor do Insper, explica que um servidor público pode concorrer a cargo de presidente de uma associação de empresas, desde que não haja conflito com suas responsabilidades no serviço público.

“A legislação brasileira não proíbe essa atuação de forma geral, mas é preciso observar a Lei de Conflito de Interesses e as regras internas do órgão público onde ele trabalha. Se o servidor estiver em regime de dedicação exclusiva ou se houver potencial de conflito de interesses – especialmente se a associação atuar em áreas reguladas pelo órgão público –, ele pode precisar de autorização prévia. Em suma, é permitido, mas requer cautela e, possivelmente, autorização”, esclarece.

Do outro lado, a DSPS também tem sido alvo de críticas e acusações. No fim de setembro, Ingrid Barth fez uma série de postagens em seu perfil no Instagram respondendo ao que chamou de “ataques” da chapa de oposição. Uma delas falava sobre denúncias de agressão e de um processo na Justiça por violência contra a mulher de um dos integrantes da chapa rival, a DSPS.

Além da troca de farpas entre as chapas, ao longo da campanha a Abstartups foi criticada por falta de transparência em relação ao processo eleitoral. A principal reclamação foi sobre o fato de não haver informações disponíveis sobre o número de votantes e quem são os associados. No site da Abstartups não há uma lista de logos, ou uma base para consulta de empresas.

A associação possui três modalidades de relacionamento: planos Start (que costumava ser gratuito, mas hoje custa R$ 45,90 por mês para pagamento mensal), Growth (com anuidade de R$ 497,90) e Impact (anuidade de R$ 1.997,00).

Pelas regras do estatuto, apenas membros com pelo menos um ano de associação, que sejam das categorias Growth e Impact e que estejam em dia com as suas obrigações, têm a possibilidade de votar. Em consulta feita pelo Startups sobre quantos associados se encaixam nesses requisitos, a Abstartups informou que são cerca de 500 aptos a votar.

A Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária na qual será realizada a votação para o comando da Abstartups terá início às 9h do dia 31, e ocorrerá com a presença de dois terços dos votantes. Caso não haja quórum, a segunda convocação acontecerá às 9h30 com um quinto dos participantes. Na pauta, além da eleição, estão outros assuntos da associação, como a apresentação do balanço das operações de 2023.

A reunião acontecerá por meio da plataforma Netshow.me e a votação para presidência será feita em um Google Forms. 

Embora a troca de acusações e os conflitos nas redes sociais estejam acontecendo há algum tempo, só recentemente as chapas divulgaram suas propostas e planos de gestão.

Em meados de outubro, o DSPS divulgou suas propostas para o futuro da Abstartups. O documento destaca o objetivo de transformar a associação em uma entidade mais eficaz, transparente e conectada com as necessidades das startups. As iniciativas estão organizadas em cinco áreas principais: apoio às startups e aos fundadores; descentralização e representatividade; diversidade e inclusão; internacionalização e inovação aberta; além de transparência e governança.

Entre as ações propostas, o DSPS se compromete a criar um programa de capacitação contínua para fundadores, além de formar grupos de networking segmentados por diferentes níveis de gestão. A chapa também planeja gerar dados detalhados sobre o ecossistema para influenciar políticas públicas favoráveis ao setor.

Outras iniciativas incluem a criação de embaixadas e comitês de ações regionais, bem como uma plataforma open source para divulgar eventos, encontros, programas de aceleração, editais e informações sobre as comunidades e startups do Brasil. Também são propostas medidas como a formação de comitês de diversidade, ações de combate ao assédio, auditoria independente e a criação de um portal de transparência, entre outras iniciativas.

A chapa compromete-se a, nos primeiros 100 dias de gestão, iniciar uma auditoria financeira independente e divulgar os resultados, criar comitês regionais e de compliance para assegurar a representatividade, lançar o programa de educação empreendedora para startups associadas e implementar programas de diversidade e combate ao assédio. De acordo com o DSPS, essas ações terão impactos imediatos e estabelecerão as bases para uma gestão mais forte e inclusiva.

“A chapa DSPS nasceu da necessidade de criar um caminho alternativo aos problemas estruturais da Abstartups nos últimos 4 anos. Nossa visão sempre foi por mais transparência, representatividade, diversidade e focada no desejo das startups. Espero que tudo que está acontecendo sirva para mostrar que precisamos de mudança e queremos o debate limpo. Precisamos de mais gente lendo a auditoria financeira recente e tudo que está no portal da transparência da ABS. Daí, vão ver que precisamos urgentemente de um novo rumo”, diz Vinny Machado.

A Founders2Founders divulgou o seu plano há pouco mais de uma semana, destacando o objetivo de “transformar o Brasil na maior potência mundial de startups”. A chapa se compromete a promover um ambiente de inovação, incentivo ao empreendedorismo, acesso ao capital e uma sólida infraestrutura de apoio ao crescimento de novas empresas tecnológicas.

O documento é estruturado em 10 eixos estratégicos: startups, ecossistemas, governos, empresas, talentos, investimento, internacionalização, academia, diversidade e governança. Entre as metas, a chapa propõe oferecer suporte, capacitação e recursos para transformar ideias em negócios de sucesso e desenvolver ecossistemas regionais de inovação em todo o Brasil.

Outros objetivos incluem reduzir barreiras burocráticas, facilitar o acesso a capital e incentivar a colaboração entre startups e grandes empresas. A chapa destaca a importância de formar uma nova geração de empreendedores capacitados, conectar o Brasil ao ecossistema global de inovação e promover um ambiente inclusivo e diverso.

Para isso, a Founders2Founders se compromete a realizar um levantamento para identificar as principais dificuldades e necessidades das startups associadas, além de apoiar a criação de hubs regionais em parceria com governos estaduais e municipais, incubadoras e aceleradoras para fortalecer startups locais.

A chapa também propõe discutir um novo marco regulatório das startups com o governo federal para garantir um ambiente de negócios mais ágil e menos burocrático. Outras iniciativas incluem a implantação de políticas de incentivos fiscais, criação de um fundo de capital de risco nacional para fomentar startups inovadoras e fomento da cultura empreendedora nas universidades.

Além disso, a Founders2Founders promete propor a criação de comitê de apoio a mulheres, pessoas negras, indígenas e pessoas LGBTQIA+ no empreendedorismo, desenvolver um planejamento estratégico para os próximos dois anos da Abstartups e criar um plano de ação para ampliar as fontes de receita da associação.

A troca de farpas entre as chapas é reflexo de uma sucessão de eventos ao longo dos últimos três anos.   

O Startups reuniu alguns dos acontecimentos que se tornaram públicos em uma linha do tempo:

Janeiro/2021: Guto Ferreira, ex-presidente da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), acusa a Abstartups de fraude. Segundo ele, a entidade teria superfaturado as contas de um patrocínio dado à associação para a realização da edição de 2018 da Conferência Anual de Startups e Empreendedorismo (CASE). Em nota enviada à imprensa na época, a ABDI confirmou a informação e disse que a Abstartups devolveu o valor calculado a mais (cerca de R$ 550 mil), acrescido de multa, juros e correção monetária em janeiro de 2020. Como pena, a entidade ficou impedida por dois anos de firmar novos convênios com a agência.

Dezembro/2021: A Abstartups, sob a gestão de Felipe Matos, envia comunicado aos associados informando que criou no último semestre uma área interna de compliance. Foi contratada uma empresa de auditoria externa independente, a Grant Thornton, e criado o portal de Transparência.

Novembro/2022: Ingrid Barth se torna a primeira mulher a assumir a presidência da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). A cofundadora e diretora de operações da fintech Linker substituiu Felipe Matos, que passou a atuar como vice-presidente da organização.

Março/2023: Empreendedoras de startups assinam uma carta contra o assédio no ecossistema de empreendedorismo e inovação brasileiro. O documento,  endereçado à Abstartups, denuncia assédios morais, sexuais, étnicos e sociais, e cobra o compromisso da entidade em ajudar a erradicar o problema em todas as suas formas. A Abstartups responde, dizendo repudiar toda e qualquer forma de assédio, mas reforçando que seu alcance sobre a questão é limitado. Ainda assim, a instituição se comprometeu a adotar algumas medidas.

Maio/2023: A Abstartups demite 16 colaboradores – cerca de 30% do seu quadro naquele momento. Ex-funcionários falam de reestruturação estratégica motivada por questões financeiras. Pessoas com familiaridade no assunto dizem que a entidade vinha atrasando o pagamento de alguns parceiros. O Startups apurou que a Abstartups teria perdido o patrocínio de um de seus maiores mantenedores, o que apertou as contas da instituição.

Maio/2023: Um grupo composto por “atores, líderes e membros das mais diversas comunidades de startups do Brasil” envia uma carta aberta à Abstartups expressando preocupações e descontentamentos com a associação. O documento exige esclarecimentos por parte da instituição sobre questões como a situação financeira da entidade, o status da parceria com o Sebrae, a razão para o atraso dos pagamentos dos mentores, entre outros pontos. A entidade responde, dizendo estar aberta ao diálogo e que estaria dando início a um processo de “remodelação financeira”.

Fevereiro/2024: Um grupo de empreendedores decide criar o Movimento De Startups Para Startups (DSPS), com o objetivo de reunir agentes do ecossistema que não se sentiam mais representados pela atual gestão e pelo atual formato da entidade. A iniciativa nasce com o propósito de lançar uma chapa de oposição nas eleições para a presidência da Abstartups.

Agosto/2024: O DSPS lança a chapa de oposição liderada por Vinny Machado e Laura Gurgel.

Setembro/2024: Lindomar Góes, Camila Florentino e Waldir Junior lançam a chapa Founders2Founders, apoiada pela atual gestão da Abstartups. Ingrid Barth decidiu não se candidatar à reeleição porque prepara o lançamento de uma nova fintech.

Setembro/2024: Ingrid Barth faz uma série de postagens em seu perfil no Instagram respondendo ao que chamou de “ataques” da chapa de oposição. A atual presidente da Abstartups alega que as denúncias de assédio contra candidatos da chapa são falsas, mas relata que um dos membros da chapa rival, a DSPS, possui um processo na Justiça por violência contra a mulher.

Setembro/2024: O DSPS comunica em seu perfil no LinkedIn que Ricardo Motta, um dos fundadores do grupo e candidato a diretor financeiro pela chapa, retirou seu nome da candidatura por conta de um “evento de saúde familiar”. Em seu perfil pessoal, Ricardo conta que a mãe foi diagnosticada com câncer e que sua prioridade será estar ao lado dela neste momento.

Outubro/2024: Mais de 50 comunidades e lideranças do ecossistema de startups de todas as regiões do Brasil enviam uma carta convite aberta aos candidatos à presidência da Abstartups, propondo a realização de um debate “respeitoso e construtivo entre as chapas, fortalecendo o diálogo e a transparência no processo eleitoral”. O candidato pelo DSPS, Vinny Machado, aceitou o convite. Já Lindomar Góes, candidato pela chapa Founders2Founders, negou.