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Em tempos de layoffs, Inner Circle aposta no offline contra crise dos apps

App de relacionamento que lançou a moda da meia azul entre os solteiros praticantes de corrida tem no Brasil seu maior público

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App lançou a moda da meia azul entre os solteiros | Foto: Divulgação
App lançou a moda da meia azul entre os solteiros | Foto: Divulgação

Se dependesse de David Vermeulen, fundador e CEO do app de relacionamentos Inner Circle, Maria de Fátima Acioly – a arrivista social que é uma das protagonistas da novela Vale Tudo – nunca teria uma chance com o bilionário Afonso Roitman. “Se ela estivesse mentindo sobre quem é, seria denunciada. Queremos pessoas autênticas, com boas intenções e dispostas a encontrar alguém de verdade”, explica o holandês a respeito de uma das características principais de sua plataforma: a filtragem de usuários. Ao contrário do que acontece em apps como Tinder ou Bumble, antes de paquerar por lá, é preciso receber a aprovação da equipe de suporte da empresa – fundada por Vermeulen em 2012 e hoje usada por 7,2 milhões de pessoas em 29 países diferentes.

A checagem de perfis é apenas um dos muitos pontos em que o Inner Circle busca se diferenciar e ir contra a maré dos aplicativos de relacionamento – um mercado que fez a alegria de muitas empresas na última década, mas que anda em crise. Só nos últimos dias, gigantes do segmento como o Bumble e o Match Group, responsável por marcas como Tinder, OKCupid e Hinge, anunciaram layoffs de cerca de 10% do pessoal após verem o valor de mercado e as métricas de utilização despencarem. Para analistas, há inúmeras razões para a crise: da gamificação excessiva à reputação de “app para encontros (muito) casuais”, passando por mudanças geracionais e baixa inovação nos últimos anos.

Demitir é algo que parece longe dos planos do Inner Circle, que cresceu sempre com recursos próprios, tem uma equipe pequena e não parece ter planos de abrir capital no curto prazo. “Nunca pegamos um centavo de investimento. Somos bootstrapped desde o início, o que nos deu liberdade para experimentar coisas que grandes empresas não podem bancar”, diz o executivo, que criou o app quando se viu solteiro, em Londres, há mais de uma década. “Eu era um expatriado em Londres e os sites da época eram terríveis – além de consumirem muito tempo. Decidi criar uma plataforma que eu mesmo gostaria de usar”, diz o executivo, que comanda um time de 60 pessoas espalhadas pelo mundo.

Interesses e esforços

O que isso significa na prática? Para começo de conversa, usar o Inner Circle não se resume a deslizar os perfis para direita ou esquerda e depois tentar fazer uma conversa engrenar. Ao contrário dos rivais, o app não se baseia na geolocalização, mas sim na busca por pessoas com perfis e interesses similares.

“Acreditamos que compartilhar valores e gostos, como música, viagens ou corrida, facilita conexões mais duradouras”, diz Vermeulen, que tem no Brasil seu maior mercado, com São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte aparecendo como as principais praças. Segundo ele, a presença por aqui fez o app se transformar. “Tivemos de incluir compatibilidade astrológica ou informações sobre preferências políticas. Na Holanda, tanto faz, mas aqui no Brasil essas coisas importam muito”, explica.

Além disso, o usuário tem que se esforçar na hora de preencher seu perfil. Nada de colocar apenas uma foto e uma piadinha na descrição. Até porque o Inner Circle aprova manualmente os perfis. O rigor não chega ao nível de um clube de membros privado, mas o caminho fica mais fácil se houver a indicação de alguém que já é usuário do app. Não se trata, segundo o fundador, de elitismo ou de um clubinho de privilegiados. “Não é sobre status, é sobre intenção. Se você sobe uma foto sem camisa no espelho fazendo biquinho, talvez devesse tentar o Tinder. Queremos gente que realmente está buscando alguém”, explica.

Para quem está realmente a fim de encontrar a metade da laranja, o Inner Circle oferece uma assinatura mensal, com uma experiência que pode incluir melhor exposição no algoritmo, chat de mensagens e filtros avançados. A empresa, porém, não revela os valores cobrados, pois os planos são personalizados para cada usuário. “Pagar não é algo necessário, mas definitivamente ajuda. Não estamos fazendo um trabalho de caridade”, diz Vermeulen.

Seu objetivo principal não é reter, mas perder usuários de maneira permanente. “Sempre haverá solteiros. Por isso, quero que meus usuários saiam. Se eles encontrarem alguém, vão contar para os amigos – e isso é o melhor marketing possível”, afirma o holandês. Por falar em cases, Vermeulen está casado e já tem dois filhos. Ele adoraria dizer que conheceu sua parceira pelo aplicativo, mas esse storytelling não corresponderia à realidade. “Foi por amigos em comum”, conta o executivo, que diz celebrar toda vez que vê os usuários abandonando o app. “Temos uma parede no nosso escritório em Amsterdã cheia de convites de casamento e fotos de bebês de casais que se conheceram no Inner Circle. Isso é churn positivo”, diz.

David Vermeulen, fundador e CEO do app de relacionamentos Inner Circle | Foto: Divulgação

“Saia da internet e vá conversar

Na visão de Vermeulen, esse foco em gerar relacionamentos duradouros é outro diferencial que seu app tem para os rivais. “Nossos concorrentes ficaram presos no modelo de swipe e as conversas não se desenvolvem. As pessoas estão cansadas disso. Apostamos em criar experiências mais profundas”, aponta ele. Pode parecer estranho, mas parte dessa receita envolve a formação de comunidades.

No aplicativo, um primeiro passo para isso é a criação dos Circles, comunidades que se baseiam em afinidades como culinária, pets, música ou prática de esportes.

Foi no universo das corridas, inclusive, que o Inner Circle ganhou uma de suas marcas registradas: a meia azul, acessório que virou febre entre os solteiros praticantes de atividades físicas. Para quem já pendurou o tênis, explica-se: usar uma meia azul – a cor do Inner Circle – é uma espécie de “sinal livre para a paquera”. “Percebemos que os brasileiros estavam cansados do excesso de conversa online. Eles querem sair, conhecer, viver experiências reais. E vimos nos grupos de corrida uma oportunidade”, diz Rafael Horta, líder de marketing do Inner Circle para a América Latina.

Inicialmente implementada no segundo semestre de 2024, a ação fez pouco barulho na época. Na virada do ano, porém, o boca-a-boca transformou a meia azul em um viral dos grupos de corrida, ao menos na capital paulista. “Nós até chegamos a perder o controle, tem muita gente que não sabe que tem a ver com o Inner Circle. Mas vamos retomar isso em breve”, diz Horta, que inclui nos planos o patrocínio de corridas e até a realização de uma prova só para os solteiros – como se encontrar alguém já não fosse um desafio por si só. Para os mais sedentários, o serviço também tem realizado festas e encontros com “bons drink” – de janeiro de 2024 para cá, foram cerca de 70 eventos aqui no Brasil.

Mais do que uma ação pontual de marketing, a meia azul representa a filosofia do Inner Circle: a vida amorosa precisa sair da tela e ocupar as ruas, os bares e os parques. “Desde o começo, a gente sempre acreditou que a mágica acontece offline”, resume o CEO. Para ele, encontros presenciais não são apenas uma consequência desejada, mas o objetivo principal da plataforma. “Você entra no app, se conecta com alguém e vai viver a experiência no mundo real. O bate-papo infinito só atrasa isso”, complementa ele. A empresa, inclusive, estuda lançar um recurso até aqui chamado Spontaneous Meetup (encontro espontâneo), capaz de conectar pessoas que estiverem na mesma região a fim de tomar, por exemplo, “um café” com alguém novo, sem a necessidade de longas conversas prévias.

Essa valorização do encontro real tem tudo a ver não só com o público brasileiro, mas também com tempos de solidão, crise na saúde mental e relacionamentos cada vez mais frequentes com inteligência artificial – tecnologia que é, aliás, usada pelo IC para funções de segurança, mas fica bem longe do chat dos usuários. “A IA não é algo que promove uma conexão real”, diz Vermeulen.

Para o futuro, a meta do holandês é que o Inner Circle sirva não só para encontrar um par perfeito, mas também uma porção de amigos. “Nossa visão para o futuro é que o app seja um lugar para encontrar não só um parceiro, mas pessoas que compartilham seus interesses — para um show, uma corrida, um vinho”, diz Vermeulen. Parece ser um retorno às origens da internet, com os fóruns, os grupos de e-mails e até as comunidades do Orkut. Para quem está solteiro, fica a torcida: que esse remake seja mais bem sucedido que o de Vale Tudo.

*Reportagem de Bruno Capelas