O ano começou animado no mundo das startups. E não estou falando só das aquisições da Bcredi pela Creditas, da Bitcointrade pela Ripio e a rodada de R$ 40 milhões recebida pela Knewin. Depois do embate entre Tallis Gomes e Raiam dos Santos por conta do investimento da Natura na Singu, hoje, outro contrato virou alvo de polêmica.
Dessa vez, o assunto foi o patrocínio de R$ 550 mil da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) ao CASE, o evento anual da Abstartups, em 2018. Em artigo publicado no Medium, Luiz Augusto Ferreira, conhecido como Guto, que na época presidia a ABDI, relatou que em agosto de 2019 foi informado pela assessoria jurídica sobre “uma grave inconsistência na apresentação de comprovação de gastos da Abstartups com o evento”, que aconteceu nos dias 29 e 30 de novembro de 2018. O problema era a divergência nos valores dos boletos apresentados para justificar os gastos com locação do espaço do evento e o custeio da agência de marketing.
Em seu formato presencial, o CASE tinha um custo da ordem de R$ 3 milhões para ser organizado. Em 2020, por conta da pandemia, ele foi feito 100% on-line.
Prestação de contas rejeitada
Segundo documentos aos quais o Startups teve acesso, a prestação de contas apresentada em abril de 2019 trazia os valores de R$ 355.635,00 pela locação do espaço e de R$ 194.365,00 da agência, como sendo os custos pagos depois da assinatura do convênio de patrocínio, em 9 de novembro de 2018. O que análises internas da ABDI detectaram, no entanto, é que os valores estavam escritos com letras diferentes do restante dos dados dos boletos e que os códigos de barras tampouco correspondiam aos montantes apresentados. A avaliação apurou ainda que a maior parte dos custos apresentados já tinha sido paga antes da assinatura do contrato de patrocínio, o que impediria a ABDI de assumir essas despesas. A regra é que as despesas seja “reembolsadas”, não pagas antecipadamente. Por conta disso, a orientação foi pela rejeição da prestação de contas.
A ABDI não usa o termo “fraude”. Fala apenas em “diversas irregularidades”. Já Guto foi categórico. “Em uma fraude absolutamente grotesca e juvenil, a Abstartups alterou os valores das cópias dos cheques e nota fiscal anexados para a prestação de contas, e estou falando na casa das centenas de milhares de real. O que era na casa dos R$ 200.000,00 virou na casa dos R$ 600.000,00. Eu não sabia sequer onde enfiar a cara. Não era possível que uma organização tão importante como a ABS tivesse feito aquilo. Mas fez”, escreveu.
Procurado, Guto não respondeu ao contato do Startups. No texto em tom de desabafo no Medium, ele disse que seu relato era definitivo, e que o assunto, para ele, acabava ali. Guto deixou a ABDI em setembro de 2019 por divergência com Carlos da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do ministério da Economia. Atualmente ele é sócio da consultoria Solomons Brain.
Por que agora?
Em seu post, Guto disse que só abordou o caso do patrocínio agora porque “ter uma consciência leve e limpa não tem preço e não tem prazo de validade para que isso aconteça”. Guto também fez uma série de críticas ao ecossistema de empreendedorismo brasileiro, composto “por jovens e adultos que muitas vezes se manifestam pela moral, pela ética, por um Brasil melhor, menos corrupto, mas fazem o que criticam debaixo do nariz de toda uma comunidade cega por holofotes e muito pouco crítica com os seus”.
Sobre a Abstartups, ele cobrou mais transparência e chegou a sugerir que a associação deveria ser fechada, e refundada como Confederação Nacional, “com parâmetros claros de ética e moralidade”.
“Por isso a Abstartups, para mim, se tornou uma grande mentira. Porque protegeu uma fraude e ao que eu saiba sequer comunicou seus mantenedores (gostaria de estar enganado) do crime em que presidência e diretoria deveriam ter sido responsabilizados. Agora a Abstartups está em novas mãos. E eu imagino o porque a gestão mudou….Espero que seja uma nova era. Mas é difícil acreditar nisso quando a galera não corta na própria carne porque “temos de proteger os nossos amiguinhos””, atacou.
Outro lado
Citada por Guto como “a única pessoa que se mostrou indignada quando soube da história”, Tânia Gomes, ex-vice-presidente da Abstartups, disse que deixou a associação no fim de 2019 por ter sido voto vencido na cobrança por uma governança mais rígida e pela punição dos envolvidos. “Esperava mais da Abstartups como instituição. Continuo a reconhecendo como peça importante do ecossistema, mas espero que ela saia dessa com uma governança mais bem construída”, disse ao Startups.
Procurado, Amure Pinho, que era o presidente da Abstartups na época (ele deixou o cargo em 1º de janeiro com a posse da nova diretoria, eleita em novembro) disse que não sabia de nada até ser informado pela ABDI. Logo que isso aconteceu, uma apuração interna foi instaurada com uma auditoria independente e detectou a fraude e seus autores. Uma retratação com a ABDI foi acertada com o pagamento de multa e juros. O valor total foi de R$ 625 mil. O escritório Baptista Luz, um dos mantenedores da Abstartups, prestou a assessoria jurídica. “Foi um erro de parte da equipe que queria colocar dinheiro rápido no caixa da Abstartups, que estava apertada de grana”, disse. Segundo ele, não houve nenhum ganho pessoal na situação. Sem citar nomes, ele afirmou que as pessoas envolvidas diretamente no caso deixaram a associação.
Em nota, a ABDI informou que, além do ressarcimento do patrocínio, efetivado em janeiro de 2020, a agência aplicou à Abstartups a penalidade de impedimento, pelo prazo de dois anos, de formalização de novos convênios de patrocínio com ela. O caso foi encerrado e nenhuma outra medida foi tomada.
Amure também disse que os acontecimentos foram apresentados aos associados em assembleia ordinária realizada depois que tudo foi resolvido. Até a publicação desta reportagem a Abstartups não havia confirmado quando isso teria acontecido. A equipe da associação está de férias até amanhã (dia 7).
Em nota, a associação informou que a nova gestão (que ainda nem realizou sua primeira reunião de diretoria por hoje ainda ser só o 3º dia útil do ano) abriu um processo interno de apuração e “se compromete publicamente a prestar esclarecimentos tão logo esse procedimento seja concluído”.
“Reforça-se, mais uma vez, o inequívoco compromisso da Abstartups com os agentes do ecossistema de empreendedorismo e inovação e colocam-se todos os canais de comunicação da entidade à disposição de seus associados, parceiros e mantenedores para esclarecimentos futuros”, disse a associação.