
Apesar dos avanços da medicina, muitas mulheres ainda enfrentam desafios quando o assunto é saúde íntima, em especial pela dificuldade de obter diagnósticos precisos e com agilidade, resultando em atrasos no tratamento e abordagens ineficazes para condições comuns, como infecções e desequilíbrios do microbioma vaginal.
Atenta a esse cenário, a femtech brasileira See Me lançou um autoexame de microbioma vaginal com suporte médico integrado, com a proposta de oferecer uma alternativa acessível, discreta e segura para a detecção precoce e o acompanhamento da saúde íntima feminina. A solução inclui autoexames domiciliares, que podem ser realizados pela própria paciente ou por um profissional de saúde, e são indicados para o rastreamento da microbiota vaginal, ISTs e HPV de alto risco. Os testes são recomendados em casos de infertilidade, infecções urinárias de repetição, câncer de colo do útero e vulvovaginites.
“Foi um choque perceber que a dor que eu sentia como paciente – como receber notícias de forma indelicada e fazer exames invasivos – era semelhante à dor que os próprios médicos enfrentam. Independentemente da região ou do hospital em que atuam, o acesso à informação de qualidade, capaz de mudar a vida do paciente, ainda se perde no caminho”, afirma a ginecologista Stephani Caser, CEO e cofundadora da See Me.
Com especialização em Endocrinologia Ginecológica pela The International Society of Gynecological Endocrinology (ISGE) e mestrado em andamento pela Escola Paulista de Medicina EPM/UNIFESP, a profissional aproveitou a pandemia e o boom da saúde digital para buscar alternativas ao problema. Com o avanço da tecnologia e o fortalecimento das healthtechs, encontrou soluções que propõem preencher as lacunas do sistema de saúde com inovação, praticidade e mais acolhimento.
“Desde o início, queríamos uma solução brasileira, para valorizar a indústria local. Após muita análise de mercado, entendemos que a saúde da mulher ainda é, em grande parte, tratada de forma comercial”, conta Stephani. Ela explica que, como consequência, é comum que as pacientes se sintam perdidas, sem compreender o próprio corpo, recebendo diagnósticos imprecisos e passando por situações constrangedoras na realização de exames.
O carro-chefe da startup é o teste de DNA-HPV por PCR, que permite a detecção precoce dos principais tipos de HPV de alto risco, responsáveis pela maioria dos casos de câncer de colo do útero. Com a proposta de transformar o rastreamento por meio de autoexames de alta precisão realizados em casa, a See Me também oferece um exame para análise de microbioma vaginal, ecossistema de bactérias que atua como a principal linha de defesa da região íntima e que, quando desequilibrado, pode causar infecções recorrentes, desconforto, infertilidade e aumentar o risco para ISTs.
Os testes são pensados para pessoas com anatomia vaginal, incluindo mulheres cis e outras identidades de gênero.
Ecossistema do cuidado
Segundo Stephani, a missão da See Me é ir além do exame e oferecer um ecossistema de cuidado. As pacientes podem encomendar o teste pela internet e receber o kit físico em casa. “Não é preciso usar o espéculo. É um autocoletor bem fino, que não precisa encostar no colo do útero e é intuitivo até onde o aparelho pode entrar”, afirma Stephani.
O dispositivo deve ser introduzido na vagina entre 5 cm a 10 cm e, em seguida, rotacionado pelo menos cinco vezes, encostando as cerdas na parede vaginal para coletar o muco. “O exame PCR é validado não apenas no Brasil, mas no mundo. Comparado à lâmina, ele aumenta em 10 mil vezes a chance de diagnóstico preciso”, destaca a ginecologista.
Após a coleta, basta retirar o coletor e armazenar o material no tubo que acompanha o kit e enviar pelos Correios. O pacote traz um manual explicativo e um QR Code para cadastro e preenchimento de um questionário de saúde – etapa essencial para mapear o histórico, as queixas e os fatores de risco da paciente. O serviço já inclui todos os custos: exame, análise laboratorial, consulta médica e logística.
Com base na autocoleta, a paciente tem acesso a um mapeamento completo da flora vaginal, com resultados detalhados do exame PCR e do questionário, além de teleatendimento e um plano de tratamento personalizado.
A primeira divulgação, feita com apenas R$ 25 investidos em Facebook Ads, rendeu 1.100 inscrições em dois dias. “Em sete dias, tive que pausar o anúncio porque recebi 94 mil acessos e só tinha planejado enviar 100 kits para as pacientes interessadas”, relembra Stephani. Inicialmente, a startup focou na Grande São Paulo e, com o tempo, expandiu sua atuação para todo o país. Desde então, a femtech já apoiou mais de 1.700 diagnósticos.
Segundo a CEO, o exame não apenas substitui o papanicolau, como é ainda mais completo. “A See Me se posiciona como uma alternativa ao sistema de saúde tradicional, ampliando o acesso para pacientes que, por qualquer motivo, não se sintam incluídas ou amparadas. Muitas mulheres já passaram por algum tipo de trauma ao realizar esses exames – seja físico ou psicológico – e acabam evitando repeti-los por conta disso. A See Me consegue acolher essas pessoas, pois elas mesmas podem fazer o exame em casa e manter um acompanhamento periódico”, explica.
Ampliando o cuidado
Cerca de 68% das brasileiras afirmam que a saúde íntima tem grande impacto em sua autoconfiança, autoestima e na forma como se enxergam. Apesar disso, 45% têm vergonha de falar sobre o tema, segundo levantamento da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), encomendado pela Gino-Canesten. O estudo também revela que 30% sentem vergonha ou desconforto ao comprar medicamentos voltados à saúde íntima.
“Saúde íntima ainda é um tema pouco discutido e, quando aparece, vem carregado de tabus”, observa Stephani. Nesse contexto, a See Me, assim como outras femtechs brasileiras e internacionais, marcam um novo passo rumo à autonomia e ao protagonismo das mulheres sobre seus corpos.
Nos Estados Unidos, um case semelhante é o da Teal Health, que recentemente recebeu aprovação da Food and Drug Administration (FDA), agência que regula alimentos e medicamentos no país, para seu dispositivo que permite que mulheres realizem o exame de papanicolau em casa. Focada no rastreamento do câncer cervical, a startup captou US$ 10 milhões em janeiro de 2025, com aporte de investidores como Emerson Collective, Forerunner, Serena Ventures e Chelsea Clinton.
Por aqui, a See Me atua nos modelos B2B e B2C, oferecendo suas soluções tanto para consumidores finais quanto para médicos, consultórios e clínicas de saúde. A startup conquistou o primeiro lugar no A.C. Camargo Cancer Center com o primeiro lugar no prêmio José Eduardo Ermírio de Moraes 2023, que reconhece soluções capazes de impactar positivamente a prevenção, a expectativa e a qualidade de vida do paciente oncológico.
Em termos regulatórios, Stephani explica que a startup atua com profissionais registrados no CRM, utiliza materiais aprovados pela Anvisa e segue as normas das Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs), que estabelecem padrões e procedimentos para atividades relacionadas à saúde. “Também estamos acompanhando as diretrizes do FDA, nos Estados Unidos, pois a tendência é que a Anvisa adote uma regulamentação semelhante”, pontua.
“A gente pensa em entrar no mercado B2C e trabalhar com o governo em um futuro próximo”, afirma a CEO. A See Me recebeu um investimento-anjo em 2023 e, para os próximos passos, espera uma nova rodada de captação. Os planos para o segundo semestre incluem aumentar o uso de tecnologia e expandir a atuação em nível nacional. Embora já esteja presente em todas as regiões, a startup ainda concentra suas operações no Sudeste e Nordeste, com expectativa de crescimento nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste.