Fintech

Com "nano-crédito", CloQ mira brasileiros invisíveis ao sistema financeiro

Na fase de testes, fintech realizou mais de 10 mil empréstimos e agora vai em busca de capital para escalar o negócio, diz CEO

Rafaela Cavalcanti, fundadora e CEO da CloQ (Foto: divulgação)
Rafaela Cavalcanti, fundadora e CEO da CloQ (Foto: divulgação)

A administradora Rafaela Cavalcanti conviveu durante muitos anos de sua infância com os assaltos sofridos por seus pais, então donos de pequenos comércios de rua no interior de Pernambuco. Não foram duas ou três vezes, mas 17. “Perdemos tudo. E meus pais começaram a ir atrás de agiotas porque não conseguiam crédito em banco”, conta ela. “Na minha rua, isso era normal, quando as pessoas não tinham acesso a crédito nos bancos.”

Mesmo com os perrengues, depois da faculdade, Rafaela conseguiu ir estudar na Holanda, onde mora até hoje. Foi lá, inclusive, que ela conheceu seu sócio, o holandês Koen Lassooij. Na época, ele tinha acabado de construir para um banco um score de crédito que utiliza dados comportamentais. Foi quando pensaram: por que não replicar esse modelo em países latino-americanos, como o Brasil? Assim, nasceria, em 2018, a CloQ.

A fintech, que entrou em operação mesmo em 2020, mirou inicialmente o Chile. Por lá, a empresa foi selecionada pelo programa de aceleração Startup Chile. “Mas o mercado no Chile é muito pequeno e engessado, enquanto o Brasil é mais flexível com relação a testes no mercado financeiro”, relata Rafaela.

Segundo a fundadora e CEO da CloQ, o período de abertura do negócio, no começo da pandemia, não foi um problema. Apesar do contexto de maior risco para concessão de crédito, Rafaela argumenta que foi um momento bom para comprovar que a análise tradicional de risco — que leva em consideração o histórico dos tomadores — não é o melhor caminho para dar acesso a pessoas “invisíveis” ao sistema financeiro.

Dados alternativos

A fintech aposta em um score de crédito comportamental, que busca avaliar as pessoas e sua capacidade de tomar empréstimo com base em dados alternativos, ou seja, que não sejam os convencionais. “Estamos falando de dados públicos, de utilização do telefone, do aplicativo e informações que estão na internet, não necessariamente de mídias sociais”, explica Rafaela.

A partir daí, a CloQ libera um valor inicial de R$ 150 e, conforme o cliente paga, o limite vai aumentando. Com o conceito de “nano-crédito”, a fintech empresta de R$ 150 a R$ 500, com prazos que variam de 2 a 5 meses. Os juros ficam entre 9% e 14% ao mês, dependendo do perfil e do histórico de cada usuário. O público-alvo é, em sua maioria, microempreendedores e trabalhadores informais.

A empresa opera como correspondente bancário da Global Finanças, uma Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte, de Americana, interior de São Paulo.

A CloQ está concluindo a versão beta de sua solução no primeiro semestre e vai escalar na segunda metade do ano. “Vamos começar a aparecer e crescer”, garante a CEO. Atualmente, a plataforma reúne mais de 70 mil pessoas cadastradas e opera por meio de uma fila de espera. A base, concentrada em grandes cidades brasileiras, é dividida entre homens e mulheres, de 25 a 45 anos, que ganham até dois salários mínimos.

Crédito consciente

Na fase de testes, a fintech realizou mais de 10 mil operações de “nano-crédito” em todo o Brasil. “No início, estávamos com inadimplência de 49%, e foi a hora de treinar o algoritmo. Depois, o índice caiu para 15%. Hoje, a inadimplência nominal está em 9%. Chegamos numa acuracidade em que podemos escalar e ser rentável rapidamente”, revela a fundadora.

A CEO acredita num crédito consciente, não aquele que pode gerar uma “bola de neve” e o superendividamento. Tanto é que a CloQ recorre a “nudges” — conceito da economia comportamental para algo como “um empurrãozinho”, uma “cutucada”. Na prática, a empresa alerta os usuários sobre a utilização do crédito apenas quando necessário. “Crédito não é para usar como se fosse dinheiro no bolso.”

Além disso, a fintech não libera empréstimos em datas festivas, que tradicionalmente aquecem o consumo no país, a exemplo de Natal e Carnaval. “Queremos evitar o crédito para consumo. Nossa ideia é que a pessoa possa construir um histórico positivo. Somos uma porta de entrada para o crédito formal.”

Busca por recursos

Sem investidores até agora, a CloQ começa agora a se abrir para o mercado. “Estamos olhando opções de captação via dívida”, diz a CEO. De acordo com Rafaela, já há conversas em andamento, mas ela não pode abrir detalhes. Além do Startup Chile, a fintech participou nos últimos anos de programas como Village Capital e Google Startup Advisor, além de ter sido reconhecida pela Sustainable Development Solutions Network (das Nações Unidas).

Além de buscar capital, a CloQ está negociando parcerias para oferecer produtos e serviços de terceiros. “Nosso cliente, por exemplo, não tem plano de saúde ou seguro para telefone. Estamos conversando com empresas de três áreas diferentes, e a ideia é escolher dois produtos em cada área que sejam adequados para nossa clientela”, explica a fundadora.

Exclusão financeira

Além da CloQ, fintechs como Jeitto e SuperSim também desenvolveram soluções de créditos de pequenos valores para a população de baixa renda, incluindo pessoas negativadas.

De acordo com estudo divulgado no ano passado pela Serasa Experian, mais de 35,3 milhões de brasileiros não possuem registros financeiros. São pessoas “sem informação de crédito”, também chamadas de “thin files”.