Lançado no fim de 2020, não levou muito tempo para o Pix se tornar uma unanimidade no Brasil. Abraçado pelo sistema financeiro e pela população, hoje o modelo já movimenta mais de R$ 26 trilhões anualmente e virou referência internacional. Entretanto, tem alguém que não gosta dessa tecnologia: esse alguém é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que resolveu abrir um processo contra o Pix.
A tecnologia virou alvo de um processo aberto pelo governo dos EUA nesta terça-feira (15), protocolado pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR), a pedido do próprio Donald Trump. Segundo o documento, o Pix é uma ameaça ao comércio internacional dos EUA, sendo inclusive chamado de “prática desleal”.
Segundo a investigação, o incentivo do Banco Central ao uso do Pix e outras soluções de pagamento domésticas dificulta a entrada de empresas norte-americanas no mercado brasileiro.
“De maneira mais geral, as evidências indicam que essas ações, políticas e práticas podem prejudicar a competitividade das empresas dos EUA envolvidas no comércio digital e nos serviços de pagamento e eletrônico, por exemplo, ao aumentar os riscos ou custos para as empresas dos EUA, restringir a capacidade dessas empresas de fornecer serviços ou realizar práticas comerciais normais, diminuir a receita e os retornos sobre os investimentos dessas empresas dos EUA, atribuir maiores encargos regulatórios e custos de conformidade para essas empresas dos EUA, ou criar vantagens para os concorrentes domésticos brasileiros”, diz o documento.
Ação e reação
Até o momento, nem o Banco Central nem outras entidades, como a Febraban, se pronunciaram sobre o processo aberto pelos Estados Unidos. Entretanto, as teorias já estão correndo soltas.
Segundo alguns analistas (ou teóricos da conspiração, se preferir), a investigação seria uma resposta às barreiras impostas pelo Banco Central na época do lançamento do WhatsApp Pay, o meio de pagamento do aplicativo de mensagens da Meta.
O WhatsApp Pay foi lançado em junho de 2020, cinco meses antes do lançamento previsto para o Pix. Mas o BC, e também o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), suspenderam o serviço imediatamente, o que para alguns foi uma forma de proteger o Pix e os grandes bancos. Na época, o Bacen negou que fosse para proteger o Pix do WhatsApp e seu “poder de rede”. O WhatsApp Pay foi liberado de forma limitada e progressiva a partir de novembro de 2020, após o lançamento do Pix.
Além do Pix
A bem da verdade, o processo do governo americano traz pontos de investigação além do Pix. Vai desde pirataria na 25 de Março (“falha do Brasil em garantir uma proteção eficaz de propriedade intelectual”, segundo os EUA) até acordos de importação com México e Índia, em detrimento de produtos norte-americanos.
“O Brasil, o México e a Índia já são países avançados e competitivos globalmente em muitos dos setores cobertos por tratamento tarifário preferencial. Por exemplo, o México é um dos maiores produtores globais de veículos, e a Índia é um dos principais produtores de produtos químicos do mundo. No entanto, os veículos mexicanos e os produtos químicos recebem tratamento tarifário preferencial do Brasil, enquanto os veículos e produtos químicos dos EUA estão sujeitos à tarifa MFN do Brasil”, afirma o governo ianque.
O documento atira para todos os lados, interferindo em temas que, a princípio, são de soberania brasileira. Enfim, se o assunto é interferência, não seria a primeira vez: na semana passada, Trump anunciou um tarifaço contra o Brasil por conta de questões judiciais envolvendo liberdade nas redes sociais e a condução do processo criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Enquanto isso…
Se lá na terra do Tio Sam tem gente contra o Pix, aqui no Brasil a maioria esmagadora é a favor, com recorde de transações no ano passado. Segundo dados do Banco Central, foram 63,5 bilhões de operações efetuadas, contra 41,68 bilhões em 2023, movimentando cerca de R$ 26,55 trilhões.
Em novembro do ano passado, quando o Pix completou quatro anos de mercado, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, Renato Gomes, revelou que o país estava próximo de ter toda a população adulta utilizando a tecnologia.
Este ano, inclusive, o Pix está expandindo suas funcionalidades. Em junho, entrou em operação o Pix Automático, que funciona como uma espécie de débito automático. O usuário pode autorizar débitos recorrentes em sua conta bancária, o que pode servir para pagar serviços como academia, streamings e outras assinaturas.
Em reportagem publicada pelo Startups no mês passado, empresas comentaram sobre os impactos da novidade e sobre a possibilidade de ela ser um baque para players de cartão de crédito, como Visa e Mastercard.
“Estimo que os cartões de crédito devam perder boa parte das transações de assinaturas, em até 80%”, afirma Ralf Germer, CEO da PagBrasil, fintech especializada em pagamentos.
Entretanto, em conversa com o Startups, a Visa não vê impactos negativos do Pix e do Pix Automático nas transações com cartões.
“Vemos o Pix muito mais como uma substituição do dinheiro do que dos cartões”, destacou Leonardo Enrique, diretor executivo da Visa Conecta, divisão da multinacional focada em Open Finance e Pix, que atua como instituição de pagamento e iniciadora de pagamentos para o sistema.